quarta-feira, abril 26, 2006

Jornal Blitz- R.I.P.

O jornal Blitz, o único semanário dedicado à música existente em Portugal, foi anteontem, 24 de Abril, para as bancas pela última vez. No conteúdo dessa edição histórica, nem uma palavra se escreveu acerca do seu fim (pelo menos, não reparei).
O jornal vai dar lugar, segundo foi dito pelo actual director, Miguel Francisco Cadete, a uma revista mensal, com lançamento previsto para Junho.
Infelizmente, já estava em decadência acentuada há vários anos. Teve de se aturar uma directora execrável durante uns meses (Sónia Pereira), outro que não percebia nada do assunto (Vitor Rainho, o rei das crónicas das noites algarvias do Expresso!!!), etc, etc...
Mesmo assim, deixa saudades. É mais um. Sinais dos tempos.

quarta-feira, abril 12, 2006

Daimon

«[…] Escogía La metamorfosis en lugar de El proceso, escogía Bartleby en lugar de Moby Dick, escogía Un corazón simple en lugar de Bouvard y Pécuchet, y Un cuento de Navidad en lugar de Historia de dos ciudades o de El Club Pickwick. Qué triste paradoja, pensó Amalfitano. Ya ni los farmacéuticos ilustrados se atreven con las grandes obras, imperfectas, torrenciales, las que abren camino en lo desconocido. Escogen los ejercicios perfectos de los grandes maestros. O lo que es lo mismo: quieren ver a los grandes maestros en sesiones de esgrima de entrenamiento, pero no quieren saber nada de los combates de verdad, en donde los grandes maestros luchan contra aquello, ese aquello que nos atemoriza a todos, ese aquello que acoquina y encacha, y hay sangre y heridas mortales y fetidez.»

(Roberto Bolaño, 2666)

terça-feira, abril 11, 2006

O Efeito Borboleta

Uma borboleta bate as asas e a teoria do caos emerge...será que o caos existe na ordem ou será a ordem apenas uma excepção à regra no mundo dos sistemas dinâmicos e na natureza? Olhamos para os fractais e tudo se repete inesgotavelmente (aucun ne se ressemble à aucun) num vórtice acelerado que tende para o infinito (et ne s'arrête jamais).
A Arte em si mesma poderá ser uma manifestação deste caos ou será ela apenas manifestação per si...muito se tem teorizado sobre este tema, mas a Arte surge por intermédio da ideia, do conceito e, actualmente, materializa-se em vários suportes, sejam estes telas; multimédia; instalações e outros tantos. Nunca, como nesta época, a Arte foi tão difundida e, no entanto, tão fragmentada e obscura. Será a Arte objecto ou sujeito, produto ou motor de produtividade?
Se procurarmos a Arte como a procura do Belo (kalon em grego), então teremos de considerar os primeiros Tratados Estéticos que surgem precisamente na Grécia e foram os Poetas que primeiro se preocuparam com a ideia de Belo. São as suas produções artísticas (poesia; música; tragédia e dança eram considerados artes expressivas e atribuíam-lhes uma função catártica), que levam a reflectir sobre essa ideia. A Arte grega, nos seus primórdios, é dominada pela técnica, depende da norma, da Lei (nomos) e o Belo, como conceito, rege-se pela ordem.
Eis que surge Aristóteles e se dá uma ruptura epistemológica, pois este afirma que a Arte é criação:
" A Arte procede das coisas da alma"
" O princípio da Arte está em quem produz e não no produzido".

Portanto, voltando às perguntas anteriores, a Arte é objecto em si mesmo e dualmente é sujeito, pois encerra em si o acto criador.
Quanto ao facto de ser manifestação do caos ou apenas manifestação, poderemos considerar ambas as hipóteses, dado que a Arte é seguramente manifestação e que o caos é inerente a todo o universo do qual o ser humano faz parte.


....escrevo, a sandes de jámon tarda, e eu que pedi com muita manteiga...
Deixo-me embalar pelo zumbido das moscas...
Maestro, pode mudar de canal, o que vai na televisão começa a incomodar-me o fio dos pensamentos.
E olhe, aproveite, e pode oferecer um sumo de laranja àquele cantor de intervenção que está lá ao fundo.
Diga-lhe que veio da minha parte e que folgo em revê-lo por estas paragens tão desocupadas.

Perpetuum Mobile

Passei a abrir a porta com muito cuidado, para fazer pouco ruído.
Cumprimentava-os à pressa, dizia um "bom dia" tímido e quase imperceptível. O Senhor Imperador, nos melhores dias, limitava-se a um aceno de cabeça. A maior parte das vezes, contudo, ignorava os meus grunhidos.
Quando os outros se me dirigiam, eu respondia-lhes por monossílabos, hum hum, quando queria dizer sim.
Bebia o meu café de um só trago, e sempre preocupado com o barulho que a máquina fazia. De seguida, ia para a sala, para a minha secretária, acendia a luz do pequeno candeeiro e aí passava o resto do dia, fazendo os poucos trabalhos que ainda me mandavam. Ao fim do dia, colocava-os em cima da secretária do Senhor Imperador, depois de ele se ter ido embora. Não suportava o seu olhar, quando me perguntava alguma coisa começava a tremer, gaguejava e saía da sua sala, humilhado, incapaz de produzir qualquer vestígio de som.
Naqueles dias, ainda saía para almoçar. Ao regressar, cumpria o mesmo ritual, abria a porta muito devagar, sem fazer barulho, cumprimentava os meus colegas com os mesmos hum hums de sempre e sentava-me no lugar que me estava destinado.
Nas raras vezes em que me aventurava a sair da cadeira, evitava as outras pessoas. Se alguém aparecesse lá ao fundo, no corredor, escondia-me atrás de alguma porta ou armário.
Passaram-se vários meses, até que se tornou insuportável abrir aquela porta sabendo que havia gente lá dentro, esperando-me, espiando-me com aqueles olhos carregados de ódio e desprezo.
O Imperador já não respondia aos meus cumprimentos, mesmo quando esboçava um sorriso idiota. Os outros também deixaram de me dirigir a palavra.
Comecei a planear o meu horário de trabalho. Passei a chegar 10 minutos antes da primeira pessoa, a Dulcineia, que aparecia todos os dias, pontualmente, às 9 da manhã. Às 8.50 já eu lá estava, sentado na minha mesa. Saía do escritório depois da última pessoa, o Dr. Bucéfalo, que o abandonava sempre às 21 horas. 10 minutos depois, lá estava eu na rua.
Chegava a casa cansado e adormecia pouco depois. Ainda tinha de preparar a comida para o dia seguinte, pois já não me atrevia a sair à hora do almoço. E lá ia eu, todas as manhãs, com uma marmita na mão, mais o café, para beber durante o dia.
Foram-se esquecendo de mim, aos poucos. Deixei de ter trabalho. Agora, sento-me todos os dias à secretária, a ler o mesmo processo que está lá há pelo menos um ano.
Neste momento, sou incapaz de o terminar, por não suportar a ideia de o ter de colocar em cima da mesa do Senhor Imperador e de saber que ele o irá ler, lembrando-se da minha existência.
Desta forma, todos os dias acrescento pequenos apontamentos, que já vão em centenas de páginas. Sei que nunca entregarei estas páginas a ninguém, mas ocupam-me o tempo, pelo menos.
Há coisa de umas semanas, quando estava sentado, vi uma pessoa entrar na sala e sentar-se ao meu lado. Retirei os papeis e fui sentar-me na ponta oposta da mesa, mesmo junto à parede. O candeeiro deixou de me iluminar, mas não me queixei. Com esta luz escassa, é complicado escrever.
Nunca trocámos uma palavra que fosse e a minha presença passa-lhe despercebida. Tem sido assim todos os dias. Ele chega 20 minutos depois de mim e sai às 20.45. Não sei o seu nome, nem me interessa.
Anteontem, ao transportar uma chávena cheia de café, a ferver, tropeçou e despejou-a mesmo em cima da minha cara. Apesar da dor intensa e de ter ficado momentaneamente cego, eu nada disse. A minha presença seria denunciada. Ele voltou atrás e foi buscar outro café, calmamente, como se nada tivesse ocorrido.
Como uma bizarra lembrança de um passado distante, recebo ainda, pelo correio, pontualmente, todos os meses, um cheque endereçado em meu nome, com a mesma quantia de sempre.
Hoje de manhã, ao tentar entrar, ocorreu uma coisa bizarra: não consegui abrir a porta. Depois de diversas tentativas, concluí que tinham mudado a fechadura. Fiquei uns minutos atónito, sem saber o que fazer.
Escondi-me: a Dulcineia estava a chegar. Via-a entrar e a fechar a porta.
Reflecti durante uns minutos antes de tomar uma decisão. O Dr. André chega todos os dias às 11 horas. É quase cego e muito distraído. Vou entrar com ele, à pressa e depois correrei até à minha sala e até à secretária. Mas é um plano arriscado, as probabilidades de alguém me ver são bastante elevadas.
Escorre-me suor pela testa abaixo. Escondido, de cócoras, atrás deste enorme vaso de flores, aguardo apreensivamente a chegada do meu redentor.

quarta-feira, abril 05, 2006

PARA HOMENS

«Convencer é esteril.»

(Walter Benjamin)

segunda-feira, abril 03, 2006

Pátio das Cantigas

"Já me irritas, Joaninha...",
disse-lhe, antes de lhe dar com um mata-moscas mesmo no meio da cabeça.
"Antes isso do que a palmatória, pensa bem...", retorquiu,
enquanto lhe lambia as lágrimas, que caíam grossas, por entre os fios da teia invisível,
impermeável à luz do fim da tarde.
Lá ao fundo, trazido pelo vento, um acorde distante de uma guitarra constipada dava azo aos lamentos de um corpo ausente.

domingo, abril 02, 2006

A Queda

«O Homem caiu numa armadilha e a bondade não lhe serve de nada nesta nova ordem. Hoje em dia impera um clima de absoluta indiferença. O bem e o mal, o pessimismo e o optimismo, são questões de grupo sanguíneo, não desígnios angélicos. Quem quer que fosse aquele que tratava de nós e se preocupava connosco, esse foi substituído por alguém que se regozija com a nossa servidão à matéria e às partes mais vis da nossa natureza.»

Lawrence Durrell
Monsieur, o Príncipe das Trevas