sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Sabiam que tenho um relógio de parede?

Já comprei um relógio de parede. Não funciona, mas já tenho um relógio de parede, dourado, com uns grandes ponteiros a marcar as 2:45.
Arranjei uns livros, para encher as prateleiras. Atrás da secretária, a máquina de fazer café, ainda sem filtros e sem café, mas é uma máquina.
Também tenho os candeeiros e as lâmpadas todas. Ainda não foi instalada a electricidade, mas já tenho os candeeiros, de mesa, de tecto, de todos os géneros e feitios. E são bem bonitos.
A divisão é fria, já instalei o ar condicionado. Logo que haja electricidade, estarei melhor.
Comprei toalhas para a casa de banho, sabonetes caros, um novo tampo de sanita, até novas cortinas, para o pequeno chuveiro que lá existe. Assim que houver água poderei tomar uns magníficos banhos. Ao princípio frios, claro está, pois o gás só virá depois.
Tenho umas maçãs com um ar delicioso, apanhadas das árvores, quando vinha a caminho. Estão besuntadas de insecticida, mas logo que tiver uma faca para as descascar, poderei saciar a minha fome, que já se começa a sentir. Pudera! Há uma pastelaria aqui ao lado, que parece que faz uns óptimos bolos. O cheiro sente-se a centenas de metros. Comprarei alguns bolos, mal receba algum dinheiro.
Já tenho telefone, falta só assinar o contrato de adesão, mas já tenho telefone.
Em cima da secretária, mais livros e papeis. Espero só o primeiro cliente, vão-me começar a ligar, mal seja instalado o telefone.
Entretanto, para matar o tempo, aguardo. Trouxe muitos e bons livros para ler. Agora não posso, porque é noite e está escuro, e não tenho electricidade. Mas logo que amanheça posso ler alguma coisa, tenho aqui muitos e bons livros.
Estou com sono, tenho um confortável sofá, lá dentro de casa, óptimo para me poder deitar e dormir de seguida. Perdi as chaves, não posso entrar, mas tenho um sofá confortável lá dentro.
Deitei-me à porta de casa, para ver se descanso um pouco. Conheço um serralheiro, que me pode abrir a porta, mas está a dormir e, de qualquer forma, não tenho dinheiro para lhe pagar, mas conheço um serralheiro.
Já não deve faltar muito para amanhecer, não sei que horas são. Tenho um relógio de parede, mas está lá dentro de casa. Além disso, não funciona, e eu estou com dores de cabeça, não consigo adormecer. Está-me mesmo a apetecer um café.

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Músicas feitas por homens com bigode (não tão) farfalhudo- nº4

Oráculos

Terminaron sin acento,
con apóstrofo al principio
y guión en medio
de la tetrasilábica...

(Cuauhtémoc Méndez)

Oh Yes

there are worse things than
being alone
but it often takes decades
to realize this
and most often
when you do
it's too late
and there's nothing worse
than
too late.

(Charles Bukowski)

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Músicas feitas por homens com bigodes farfalhudos- nº3- os Yello

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Diário de um Diário

Dia 1- 15 de Janeiro- Introdução:
Querido diário, resolvi começar a escrever o meu próprio diário. Mas como não tenho paciência para escrever à mão, como faz a minha dona, e porque acho um desperdício guardar apenas para mim sentimentos, opiniões e descrições da vida, resolvi fazer um blog na forma de diário. E perguntarão: porque é que um diário há-de fazer um blog na forma de diário?
Eu responderei: por nada de especial; sou um diário, como todos os outros, e tenho esse direito. Não vou criar nada de novo, os diários gregos já inventaram tudo, vários diários têm o seu próprio blog e não vou mudar o mundo da diariosfera. Apenas quero contar a minha vida. Se tiver diários leitores que se identifiquem comigo, melhor. Obrigado!

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Diário do diário de Anne Frank disse: vai em frente, man! Tu és especial! Bem-vindo a este mundo!

Diário de um diário de um diário de um diário disse: muito bom texto! Continua! Ah, aproveita, passa pelo meu blog e linka-me! Aquele abraço


Dia 2- 18 de Janeiro- Apresentação:
Sou um diário normal, parece-me. Não sou muito fino, nem muito volumoso. Não me considero particularmente bonito ou vistoso. Tenho a capa dura, com uns desenhos, e uma pequena fechadura, para que não vejam o que a minha dona escreve. As minhas folhas, ao princípio, eram todas brancas, mas a minha dona tem-me enchido de gatafunhos mais ou menos ilegíveis. Mas é uma boa dona, mete-me numa gaveta onde não há humidade, e onde estou próximo de um caderno de matemática, de quem sou bom amigo, e de um livro da Isabel Allende, por quem me sinto atraído. Estarei apaixonado?

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domingo, fevereiro 17, 2008

Moby Dick

tenho ainda os pés molhados no dia de ontem
mas não deixo as águas procurarem no mapa hidrológico
os riachos que desembocam no teu copo de leite mimosa.
Bebi já três vezes o Tejo
sem com isso aprender a nadar na tua bacia.
"Falta de coordenação sensório-motriz" – riam-se as focas.
Não, não me encontrarão escondida nos contentores
que cruzam num sorriso o transatlântico da tua felicidade.
Esperarei apenas que me venhas a contar uma história
outra
com horizontes próximos,
tão próximos que poderei entrar nas tuas palavras
como um arpão no ritmo sistólico duma baleia;
uma história com horizontes distantes,
tão distantes
que o meu verbo não se avistará,
como uma vírgula que deixamos passar distraídos,
como um ponto que em vez de acabar, se torna continuo, suspensivo,
intensivo...
como a mão que agora te toca
a boca.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Os belos anos 80- Pop Dell'Arte num programa televisivo da tarde

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Juan sin Cabeza

ay Juan Bautista
tú que ibas delante de Quién
de la estirpe de los Pobres Poetas
a vagar por el Desierto para Qué
a lavar qué terribles penas
en las aguas del Jordán

ay Juanito mírate
Tú que eres el hermano de Quién
qué Vaho Sagrado te salvará ahora
que vas a perder la Cabeza por Él
y la pondrán el el centro de la mesa

Tú que tanto pelo remojaste Juan
mira que acabar así

(Héctor Arnau, in Òxid 2)

Não há sistema de coordenadas
Onde caiba uma só lágrima
Quando as luzes se apagam
Dão lugar apenas à poesia reles
E ao suor da TV
Uma infinidade de páginas a decifrar
E a memória dos lábios de Lisa

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Pronuncio un nombre hueco: es el amarillo
de mi cerebro, el sonido de mis células.
Pronuncio un nombre hueco: una aurora
de tañidos y ecos que sintetiza tu vida.
Pronuncio un nombre hueco: la intranquilidad
se revuelca en tus espacios, voz que
te habla, susurro violento, palabra tierna.
Pronuncio un nombre hueco: entro y salgo
de los sentidos como por una puerta.

(Bruno Montané)

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Quero Ser Cavalo

«Como eu gostava de ser cavalo...
Bastava que, ao olhar para o espelho, pudesse ver, em vez de pés e mãos, cascos e uma cauda no traseiro e uma cabeça de cavalo autêntica, para ir direito ao departamento de habitação...
"Quero um andar grande e moderno", diria.
"Tem de preencher uma requisição e esperar a sua vez".
"Ah, ah, ah", havia de rir. "O cavalheiro não vê que não sou nenhum vulgar homem de rua? Sou diferente, sou especial".
Logo a seguir, dar-me-iam um grande e espaçoso andar com casa de banho.
Faria espectáculos numa revista e ninguém se atreveria a dizer que não tinha talento- mesmo se o texto não prestasse, Pelo contrário, haveriam de elogiar-me.
"Não é uma maravilha, para um cavalo?", diriam.
"Que cabeça!", comentariam outros.
Depois, viria todo o gozo dos ditados e provérbios: "senso de cavalo", " a cavalo dado não se olha o dente", "um reino para um cavalo", ....
Havia de despertar o interesse das mulheres. "Você é tão diferente", diriam.
E, quando chegasse o tempo de ir para o céu, arranjaria um par de asas, naturalmente. Tornar-me-ia num Pégaso. Um cavalo alado! Pode existir, porventura, melhor destino para um homem?»

(Sławomir Mrożek)

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Músicas feitas por homens com bigode farfalhudo- nº2

O Ângulo vive momentos felizes e de celebração. Em primeiro lugar, começam as comemorações do seu Segundo Aniversário, de que daremos conta em posts posteriores.

Em segundo lugar, os meus caríssimos amigos Boécio e Algazel deram notícias! Esperemos que os próximos meses representem uma ascensão na sua produção Literária.

E o que fizeram os meus caros colegas nos últimos meses? Daremos conta, brevemente, das actividades de Boécio. Quanto a Algazel, acabaram de ser publicados dois livros que relatam as suas aventuras dos últimos anos. Os livros são da autoria das suas biógrafas oficiais, Ana Maria Magalhães, e Isabel Alçada. O lançamento oficial destas obras fundamentais decorrerá na Fábrica do Braço de Prata. O Professor Nuno Nabais fará algumas leituras das obras, e será acompanhado ao piano pelo próprio Algazel. Não percam!

domingo, fevereiro 03, 2008

Breve confissão aos meus caros colegas, que não me deixaram ficar sem tempo

Creio que todas as pessoas têm uma representação mental do tempo, isto é, que quando pensam na passagem dos dias, dos meses e dos anos lhe associam uma determinada imagem. A minha é decalcada de um livro infantil que continha um desenho de duas páginas onde o ano era representado como uma espécie de tabuleiro circular de jogo de dados, parecido com o do Monopólio, em que os meses eram casas ilustradas (a de Agosto tinha ilustração de uma família a ir para a praia, a de Dezembro uma árvore de Natal, etc.) que se percorriam no sentido oposto ao dos ponteiros de um relógio. A passagem de ano encontrava-se no extremo direito, os meses de Inverno em cima, os da primavera do lado esquerdo e os do verão em baixo. Esta imagem nunca mais me abandonou e ainda hoje não sou capaz de representar a passagem do tempo de outra forma. Quando penso num compromisso que tenho no mês de Abril, por exemplo, situo-o mentalmente no círculo descendente do lado esquerdo, enquanto me imagino a caminhar numa outra casa. Esta representação tem ainda uma outra peculiaridade: os meses de Outubro, Novembro e Dezembro constituem uma ascensão, ao passo que os meses de Abril, Maio e Junho, um descenso, o que coincide com uma outra concepção minha, que é a de conceber o início de cada ano no final do verão. Esta ideia é sem dúvida uma herança da organização dos anos escolares, mas corresponde em geral ao funcionamento da máquina social (as instituições, as empresas, o campeonato de futebol), que abranda no verão para retomar o fôlego necessário para um nova temporada. O final do verão é para mim a passagem de ano, essa época de avaliação e de projecção, mas também de celebração da abertura de um tempo fora do tempo quotidiano. A noção de um tempo circular implica essa realização de ritos que reactualizem a própria passagem do tempo, ou seja, de acções periodicamente repetidas com o intuito de fazer com que a realidade mantenha o seu modo de funcionamento regular. Um exemplo curioso é o da Mesopotâmia (mais concretamente na sua versão Assírio Babilónica): no primeiro dia do ano, as câmaras dos templos eram cuidadosamente preparadas pelos sacerdotes para a vinda das divindades, então, depois de um banquete sagrado e de uma procissão acompanhada de cânticos e hinos, o grande sacerdote (o rei da cidade) e a grande sacerdotisa praticavam um acto sexual em representação do deus e da sua esposa, no cimo do zigurate (a torre do templo), sendo que esta cópula divina representava o acto originário da geração da vida, que perpetua as espécies, fecunda a terra e origina as estações. Para explicar o que mantém as entidades cósmicas e os fenómenos culturais contínua e harmoniosamente em acção, sem conflito, os nossos antepassados mesopotâmicos criaram a entidade metafísica me, que é à partida um substantivo, mas que funciona igualmente como o verbo que designa, nas línguas latinas, ser, existir e estar. Algumas traduções possíveis serão: “potência sagrada”, “força divina”, “ordenação divina de curso eterno e imutável” “modelo normativo”, “decreto divino”, “força dinâmica”, “potências impessoais e eternas, que se materializam nas instituições, nas coisas, nos seres, nos sentimentos”. Um dos antigos poetas sumérios redigiu uma lista dos me relacionados com a cultura, dividindo a civilização, segundo o conhecimento que dela tinha, numa centena de elementos. Os me eram pertença do deus Enki, a divindade das águas subterrâneas, situadas sob a crosta terrestre e donde brotou a vida, mas também da agricultura e da sabedoria, a quem foram confiados os pormenores práticos e a execução dos planos universais. Existe um relato em que a deusa Inana (ou Istar para os Assírios, paradoxalmente a deusa do amor e da guerra, cujo animal heráldico era o leão na sua força bruta) se tenta apoderar dos me, de modo a fazer da sua cidade Uruk o centro da civilização; para tal, embebeda Enki e este vai-lhe oferecendo os me; Inanna leva para a sua barca do céu a realeza, as suas insígnias, o sacerdócio, a sexualidade, a arte, a água, a paz, todas as profissões existentes, o julgamento, as árvores, as plantas, o gado, a verdade e a mentira, etc.: tudo isso é me. Os acádicos traduzirão me por parsu, que quer dizer “ritual”. No fundo, os rituais tinham como função reactualizarem anualmente os elementos que constituem e sustentam o mundo.

sábado, fevereiro 02, 2008

Não foi a Dakar, foi à Índia





Partilho com todos os meus amigos (Lugones incluído), os registos fotográficos das minhas deambulações pela Índia. Não foi fácil para o meu amigo Salman fotografar-me nestas condições, mas com um pouco de artifício e boa-vontade, aqui estão esses testemunhos. O primeiro, à chegada a Nova Delhi, sobre a ponte de Kishpur, onde pude mais tarde dar um mergulho: que água cristalina, inodora e quentinha! O segundo e terceiro são registos da minha deslocação a Srinagar, na ida e volta respectivamente. Reparem no aerodinamismo dos meus braços a equilibrar a composição. Um abaço a todos, do regressado que teve muitas saudades...