Literatura e Decadência: Digressão negativa sobre dois conceitos
A literatura da decadência é para os duros. Nada de escrita ingénua, a Arte já não acontece. Não há inspiração que valha a ninguém. É necessário muito sangue, algum suor e um desejo de destruição enraizado no íntimo reduto da criatividade. Há toda uma História a destruir, muitos autores (e autoras) a violentar. Não há retribuições de Deus a criaturas meritórias. Há que ler tudo para tudo conhecer e em redundância não se incorrer. Não se pode louvar e acima de tudo, e insisto muito nesta recomendação, acima de tudo é completamente proibido ser sentimental (segundo uma epítome pós-moderna de tudo o que implica a milenar especulação filosófica sobre os sentidos, as sensações, as impressões, o intelecto, o intelecto agente…). Exilar a emoção num departamento do prazer ou da dor (que diferença faz?), o sexual por exemplo, e nunca resgatá-la para o texto, eis um princípio ético elementar para uma boa literatura e uma vida equilibrada: na literatura da decadência a emoção vive em perpétuo ostracismo. Pode simular-se, mas neste caso ela há-de surgir sempre como simulação de homem forte (omnisciente) e irónico que sabe perfeitamente o que está a fazer, isto é, que age como Deus, e por isso mesmo as criaturas leitoras hão-de retribuí-lo, fazendo-se inconscientes da emoção, evitando a todo o custo vivê-la. Na decadência, todos os homens e mulheres são déspotas da vontade: atente-se na liberalidade característica destes momentos culturais. Há, porém, um auto-controlo inesgotável de todas as faculdades inesgotáveis, e isto deve reflectir-se inesgotavelmente na literatura inesgotável. Por esta razão a literatura vira-se para as coisas, mais do que nunca, e exaure de tudo a mais ínfima alma. E na decadência a alma morreu e as pessoas tocam-se de luvas, quando se tocam, e olham-se com máscara, quando se olham. Deve observar-se isto mesmo quando se escreve: ninguém se entrega totalmente a ninguém (entenda-se, as personagens, se as houver), calcula-se tudo muito bem para que o roçar dos verbos (dos corpos das personagens, se as houver, como se acabou precisamente de dizer) resulte em secante da união entre A e B, e estes movimentos devem parecer circulares, a recordar o sempre humano mito do eterno retorno.
Um conceito beneficentíssimo na decadência é o de entropia. Quem o dominar na literatura será o nome consagrado da História da Literatura de amanhã.
Recapitulando: força, conhecimento, simulação, reificação, orientação, entropia são algumas das palavras plenas de sentidos e ideias sempre úteis ao escritor do novo século. Ia-me esquecendo: brevidade e concisão, porque já ninguém tem paciência, nem tempo (ambos intimamente ligados desde a aurora da criação), para caminhar a custo três mil páginas (depende das edições) só para concluir que o desejo de Proust era alimentar até à morte a falsa ideia de que o mundo em que vivera era imperecível (ou para dizer exactamente o contrário? ou para se conformar de que a única coisa que lhe restava era apenas escrevê-lo, e nada mais?) Nem ninguém voltará a tentar destruir a literatura em 700 páginas julgando abrir novos mundos ao mundo, quando o único mérito de tal empresa foi colocar conscienciosamente a pergunta (falo de Joyce): já chegámos ao fim, não foi pai do céu?
Nota: O escrevente destas palavras pede benevolentemente ao leitor que não se deixe iludir por algum argumento inadvertidamente visível no texto. Não foi sua intenção demonstrar nada, apenas se trata de um mero exercício de estilo. Faz-se igualmente ver, agora que se escreve a sério, que a falta de verificação da validade da realidade impede o escrevente de acreditar no sentido das palavras, e por isso, quando escreve decadência não acredita no conceito decadência mas apenas na sonoridade da palavra decadência. Pede-se, por fim, perdão pela utilização da palavra Deus, que por duas vezes fez questão de se dar à pena, sem intenção deliberada de a escrever o escrevente. Por tudo isto, e ainda por ter escrito literatura com minúscula, pedimos mais uma vez perdão.
Um conceito beneficentíssimo na decadência é o de entropia. Quem o dominar na literatura será o nome consagrado da História da Literatura de amanhã.
Recapitulando: força, conhecimento, simulação, reificação, orientação, entropia são algumas das palavras plenas de sentidos e ideias sempre úteis ao escritor do novo século. Ia-me esquecendo: brevidade e concisão, porque já ninguém tem paciência, nem tempo (ambos intimamente ligados desde a aurora da criação), para caminhar a custo três mil páginas (depende das edições) só para concluir que o desejo de Proust era alimentar até à morte a falsa ideia de que o mundo em que vivera era imperecível (ou para dizer exactamente o contrário? ou para se conformar de que a única coisa que lhe restava era apenas escrevê-lo, e nada mais?) Nem ninguém voltará a tentar destruir a literatura em 700 páginas julgando abrir novos mundos ao mundo, quando o único mérito de tal empresa foi colocar conscienciosamente a pergunta (falo de Joyce): já chegámos ao fim, não foi pai do céu?
Nota: O escrevente destas palavras pede benevolentemente ao leitor que não se deixe iludir por algum argumento inadvertidamente visível no texto. Não foi sua intenção demonstrar nada, apenas se trata de um mero exercício de estilo. Faz-se igualmente ver, agora que se escreve a sério, que a falta de verificação da validade da realidade impede o escrevente de acreditar no sentido das palavras, e por isso, quando escreve decadência não acredita no conceito decadência mas apenas na sonoridade da palavra decadência. Pede-se, por fim, perdão pela utilização da palavra Deus, que por duas vezes fez questão de se dar à pena, sem intenção deliberada de a escrever o escrevente. Por tudo isto, e ainda por ter escrito literatura com minúscula, pedimos mais uma vez perdão.
1 Comments:
Por que nao:)
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