domingo, março 26, 2006

The time is out of joint (ou o tempo que faz quando faz mau tempo)

A medida é o tempo presente infectado pelo que não é presente – nem passado nem futuro – e por isso não faz sentido prosseguir a lógica do movimento e da continuidade. O tempo, sabemo-lo, não tem medida certa. Se o relatarmos ao movimento, isto aparece-nos da forma mais óbvia: serão sempre os mesmo minutos, as mesmas horas que passam, independentemente de termos ou não em conta a distinção ambígua entre tempo subjetivo e tempo objectivo? De Aristóteles a Bergson, passando pelas lágrimas de Agostinho e pelos malabarismos hegelianos, o instante foge – dá e furta-se ao tempo. Em criança fazia esse exercício que consiste em pensar, em projectar, o momento imediatamente futuro, aquele em que pensarei em acto o que pensei que ia pensar, e que mais não era do que pensar que já tinha antecipado e pensado esse mesmo momento. Mas é claro que o desencaixe de facto desencaixava e o que então eu pensava já não era exactamente o que eu tinha pensado que ia pensar, mas a representação momentânea (presente) do próprio instante. Contudo, o sistema mantinha-se: cada momento presente, ainda que nunca o seja (porque já sempre passado e sempre porvir: presente-passado e presente‑futuro) é sempre a projecção do momento exactamente anterior e a antecipação do momento exactamente posterior: assim, o momento nunca é igual a si mesmo. Nada de novo – repito Aristóteles e toda a estrutura do pensamento tal como o sabemos. Mas será esse momento abstracto o instante? Nova abstracção e repetição da estrutura, quiçá. Ou talvez que pudesse aparecer aí o verdadeiro desencaixe deste círculo que se devora a si mesmo (Cronos comendo os seus filhos): o absolutamente inantecipável, absolutamente improjectável. E é a dúvida: o instante vem ou faz-se vir? haverá uma antecipação que não antecipa senão na medida em que espera o que pode nunca vir? Mas, por isso, não deixará de ser antecipação. Assim não dá! Talvez seja preciso estar atento ao mais ínfimo sinal – não propriamente ver vir, mas deixar vir e sentir quando vem – isto é, quando já veio e por isso já passou. A ética aristocrata não tem nada a ver com o ditame moral cristão que prescreve dar a outra face depois da bofetada: ela será antes o imperativo público de andar sempre de cara descoberta. O problema é quando faz frio e a paciência falta.