CAPÍTULO IV - ENCONTRO AMOROSO
Luís Nunes chega a um bairro residencial moderno,
daqueles com condomínios fechados, jardins privativos e parques infantis ultra
equipados.
São duas e meia da tarde. Luís Nunes olha para o impresso
do folheto "MyMum", quer certificar-se que a morada está correcta. Consulta de
novo o Guião Operativo, capítulo IV, aplicação CONCEPTIX2015. Sente um leve
nervoso miudinho. “Se calhar exagerei no perfume”.
Luís toca à porta. Pelo intercomunicador, alguém pergunta:
- Quem é?
Obedecendo ao disposto no Guião Operativo, Luís
Nunes responde, com um tom de semi barítono desafinado:
- Boa tarde! Sou o técnico Luís Nunes, venho por
âmbito do Processo de Habilitação de Progenitores, aplicação CONCEPTIX2015.
- Ooooh! Entre, entre, por favor!
Luís entra no prédio, um edifício asséptico,
adornado por flores artificiais e com um forte cheiro a desinfectante.
Sobe por um elevador silencioso cheio de luzes a
marcar os andares que lhe lembra uma nave espacial.
Luís Nunes sai do elevador e depara-se com um
cenário um tanto ou quanto bizarro, mas expectável, de acordo com o Guião
Operativo, página 67.
Isabel está à umbreira da porta e usa uma lingerie provocante, que parece em tons
de tigresa, assim à primeira vista desarmada.
Tem a perna dobrada e masca uma pastilha elástica.
Com uma voz que pretende ser sensual, mas que perde
por completo essa intenção, ao engolir a pastilha e ficar, por isso, com um
incontrolável ataque de tosse, Isabel diz num tom sussurrante e algo
esganiçado, nos intervalos em que consegue respirar do ataque de tosse:
- Gostas de tigresa, ó jeitoso? Já provaste?
Luís Nunes fica desarmado com a visão que se lhe
depara pela frente, não tanto pelo conjunto tigresa, que estava mais que
previsto no Guião Operativo, mas sim com a cara de Isabel.
A verdade é que Isabel parece um cavalo.
E Luís Nunes não se sente atraído por cavalos. Não é
nada de mal. É uma questão de gostos. O gosto de Luís Nunes não alberga
mulheres com aspecto equídeo, muito menos estando vestidas de tigresa.
Isabel parece mesmo um cavalo. E nem sequer parece
um cavalo bonito e lustroso.
A cavalo dado não se olham os dentes. Mas é
impossível não olhar para os dentes de Isabel. É que parecem mesmo os dentes de
um cavalo. Mas os dentes de Isabel não são brancos, estão estragados, são
tortos- salientes, nada elegantes.
E o queixo. E os olhos, grandes, esbugalhados,
prestes a saltar das órbitas.
E depois aquele tom de voz, que se insinua por entre
os ataques de tosse. Parece relinchar.
E as pernas! Dobradas, em posição de ataque, prontas
a escoicear o pobre do Luís Nunes.
Acima de tudo, o que choca mais Luís Nunes é o
conjunto. Os cavalos, honra lhes seja feita, são harmoniosos. Aquele cavalo
nada tem de harmonioso. Talvez seja por causa daquela roupa de tigresa. Talvez
seja por causa daquele perfume barato, que invade as escadas e coloca em
posição de fuga o forte cheiro a desinfectante, que anteriormente dominava o
prédio.
Isabel quebra o encanto. Está recuperada do ataque
de tosse e pode voltar a assumir o comando das operações. Pergunta, num tom
decidido, que disfarça um certo nervosismo de mulher que nunca antes esteve em
situações de tamanha intimidade.
- Então não entras, ó jeitoso? És tímido?
Isabel entra confiante com as deixas ENGATIX69,
opção F. É uma escolha aceitável. Com estas palavras, puxa Luís Nunes com força
para dentro de casa. Não o puxa bem para dentro de casa. Não sabemos se é
devido a uma vista fraca ou por óbvios problemas de coordenação, mas a verdade
é que Isabel puxa Luís Nunes com muita força e vigor, não para dentro de casa,
como era o objectivo proposto, mas sim de encontro à parede do vão das escadas.
- Oh, desculpa, querido!
Luís Nunes fica aturdido e meio atarantado. Isabel
volta a puxá-lo com muita força, desta vez acerta e entram mesmo em casa, mas a
verdade é que Isabel puxa Luís Nunes com muita força mesmo e ouve-se uma
articulação qualquer do seu braço a estalar:
“Ai ai ai”, diz Luís, como que a confirmar a dor.
“Oh querido, sou mesmo desastrada. Será que já não
estás ansioso por me ver?”.
Parece-nos que esta frase é dita com segundas
intenções, o que não é de estranhar, pois há algumas opções do género na
aplicação ENGATIX69.
Isabel pretende verificar o grau de masculinidade de
Luís Nunes, por isso direciona a mão para as regiões do seu baixo-ventre.
Isabel direciona a mão com tanta força que dá uma pancada seca e vigorosa nas
regiões púdicas de Luís Nunes.
Luís Nunes, que antes vira estrelas sem serem no
céu, mas sim no vão das escadas de um prédio moderno de um moderno bairro
residencial e vira mais estrelas e cometas quando Isabel lhe puxou o braço com
um amor mais que vigoroso, não aguenta tantas emoções e solta um grande e
profundo vómito, que se encontrava guardado nas suas entranhas desde que vira
Isabel pela primeira vez.
“blaaah….”, é o som que se solta das entranhas de
Luís Nunes, com um tom que em nada se assemelha a um semi barítono desafinado.
Isabel parece confundida e dá uma rápida olhadela ao
Guião Operativo:
- Mas…não sabia que os fluídos saíam pela boca…isto
é que é o sexo oral? E não sabia que podíamos ter bebés a fazer sexo oral! Espera!
Luís Nunes, não deixes que essa matéria preciosa se desperdice no meu tapete
persa!
Luís Nunes continua a vomitar descontroladamente.
Isabel despe o fato de tigresa:
“Mas o que estás a fazer, mulher?”, Pergunta Luís
Nunes, num tom sussurrante e algo esganiçado, nos intervalos em que consegue
respirar do ataque de vómitos.
- Então não estamos na fase nº2 da Habilitação de
Progenitores? Troca de fluídos?
Luís Nunes está
recuperado do seu ataque de má disposição e pode assumir o comando das
operações:
- Isabel, não leste o Guião Operativo, no capítulo
do “reconhecimento de terreno de jogo”? Página 104 e seguintes, até tem
instruções…
Isabel pega no Guião Operativo e fica um tanto ou
quanto envergonhada:
- Desculpa, confundi as matérias de terrenos de jogo
e trocas de fluídos…Mas não vamos criar uma Nota de Incidente por causa de uma
coisa tão parva. Vá…toca a começar a fase nº2 da Habilitação de Progenitores.
Isabel pega no Guião Operativo:
- Hum…criar um ambiente romântico…sugestões…espera,
querido Luís Nunes, já volto, vou só ao quarto mudar de roupa…
A expressão “mudar de roupa” é relativa, pois Isabel
encontra-se sem preparos na roupa desde que tentara acasalar com os fluídos
estomacais de Luís Nunes.
Luís senta-se no chão e pensa: “o que sairá agora
daqui?”.
Isabel volta passado cinco minutos.
Se a visão de uma figura equídea vestida de tigresa
causa algum espanto e consternação, os sentimentos intensificam-se se pensarmos
num cavalo vestido de enfermeira.
E é o caso. Isabel veste uma farda branca completa
de enfermeira. Nem se esquece do kit de primeiros socorros. Volta, por isso, a
assumir o comando das operações. Pergunta, num tom decidido, que disfarça um
certo nervosismo de mulher que nunca antes esteve em situações de tamanha
intimidade:
- Então ó jeitoso? A enfermeira pode medir-te a
tensão? Depois quero que me dês uma injecção com toda a força, ouviste?
A frase é dita com segundas intenções, o que não é
de estranhar, pois há algumas opções do género na aplicação ENGATIX69
Isabel pretende verificar a masculinidade de Luís
Nunes, por isso direciona-se para a região do seu baixo-ventre.
Isabel não compreende o significado das metáforas.
Por isso, quando lê no Guião Operativo esta deixa de engate não percebe o seu
sentido subjacente.
Isabel segura nas mãos um medidor de tensão. Baixa
as calças de Luís Nunes e aperta o medidor sabemos nós bem onde.
Luís Nunes sente um aparelho a apertar-lhe o membro
viril. Tenta pensar em coisas que o relaxam, capas de discos com pessoas em
roupa interior, recorda-se da lingerie de tigresa e vem-lhe quase um vómito à
boca. Toca com a mão ao de leve no seu membro viril. Confirma-se. Está
totalmente fora de serviço.
Isabel sente-se atarantada e continua a dizer todo o
género possível de metáforas medicinais.
Nada resulta.
Depois pega no Guião Operativo, folheia-o no
capítulo das soluções anti natura de último recurso e diz:
- Espera querido Luís Nunes, vou só ao quarto mudar
de roupa
Quando Isabel volta com um bigode falso e com roupa
de canalizador e diz, com voz grossa:
- É aqui que se mudam os canos?
Luís Nunes diz, muito simplesmente:
Desiste querida, nunca tive posters no quarto com os
Village People. Não pertencem à minha galeria de arquétipos de beleza.
Isabel sente uma lágrima a descer-lhe pelo rosto.
Pergunta:
- Querido, o que vai ser de nós?
Luís Nunes responde com fleumática calma:
- Acho que não nos resta nada a não ser preencher a
Nota de Incidente.
2 Comments:
gostei particularmente das frases:"não tem mal nenhum" - em relação ao(s) gosto(s) e da "está totalmente fora de serviço".
:D
claro que tinham de preencher a Nota de Incidente!
:D Esta parte do conto é a melhor!
Elas há muitas com cara de cavalo, há.
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