quarta-feira, maio 16, 2012

Romualdo decide emigrar


Romualdo decide juntar-se ao contingente da emigração.
Enche a mala de viagem à pressa, com as primeiras coisas que lhe aparecem pela frente, não vá mudar de ideias. Pares de peúgas desemparelhadas, camisas de riscas, calças aos quadrados, chapéus-de-chuva, óculos de sol, uma cana de pesca e um gorro para a neve, é tudo misturado compactamente, como os alimentos numa Bimby. Senta-se em cima da mala, conta trinta segundos muito lentamente; fecha a mala num golpe rápido e descansa durante um minuto. 

Romualdo sai de casa, mas não compra bilhetes de transporte para um lugar distante, pois não gosta de andar de avião, tem fobia a comboios, os autocarros provocam-lhe náuseas, não tem carro nem carta e não vai pedir boleia – os pais sempre o ensinaram a não falar com estranhos. De qualquer forma, não tem dinheiro nem conhece ninguém no estrangeiro. É um viajante e vai à aventura. Começa a sua caminhada.
Mas Romualdo sente vertigens quando anda muito a pé e custa-lhe afastar-se de casa. Basta andar dez metros e já lança um adeus choroso à sua bela e amada casa, situada num prédio velhote e a necessitar de obras urgentes.

Começa a andar ao pé-cochinho muito lentamente. Ao pescoço, leva uma placa que diz “Trabalho por comida/ Will work for food”…e em mais dez línguas, afinal Romualdo é um emigrante qualificado, teve estudos, toca piano e sabe falar francês e grego antigo.
Sobe a rua e vira numa perpendicular à direita. Continua a andar ao pé-cochinho e chega a uma travessa, segue em frente e vira na terceira ou quarta rua à esquerda. Sobe uma ladeira íngreme e vira na segunda rua à direita.
Está calor, sente-se cansado. É um viajante, mas tem fome e sede e começa a sentir dores no pé direito, aquele pé que suporta o peso todo do seu corpo e da sua mala. Chega a uma rua comprida e estreita. Pára. Olha atentamente em todas as direcções e fica agradado com o que vê. Sabe instintivamente que chegou ao seu país de destino.

Romualdo continua com muita fome e não lhe apetece abrir a mala. Lá dentro escondem-se duas bananas, mas suspeita que nesta altura já se mesclaram com a gabardine amarela.
Entra num estabelecimento comercial, vai ao balcão, dirige-se ao dono do estabelecimento e, com grandes gestos, aponta para a placa que tem pendurada ao pescoço.
O homem fita Romualdo sem saber em que língua falar e pergunta-lhe por gestos se está mesmo disposto a trabalhar em troca de comida.
Romualdo acena com a cabeça em sinal de assentimento e esboça-se, nesse mesmo instante, um enorme sorriso na cara do dono do estabelecimento. Sem dizer palavras, entrega a Romualdo uma farda de trabalho.

 A partir desse instante, começa a trabalhar seis dias por semana das 9 às 19, em troca de comida., que ingere avidamente durante a pausa de dez minutos de que dispõe para almoçar.
Por cima do estabelecimento vive uma velhota que arrenda quartos. Fazem um acordo gestual, no qual fica estabelecido que Romualdo poderá dormir de graça numa minúscula divisão que se encontra livre, nas águas furtadas.
Romualdo tem apenas de fazer as limpezas gerais do prédio todo, o que inclui tarefas tão díspares, como encerar as escadas ou limpar e desentupir as sanitas.
A nova vida é dura, mas não se queixa, deita-se satisfeito a olhar pela janela das águas furtadas do seu novo país, enquanto mata os percevejos que passeiam no colchão. A rua fica no sopé de uma elevação e Romualdo consegue ver, bem lá ao fundo, a sua antiga casa.
Nunca se deita antes das duas da manhã. Diverte-se a escrever no Facebook uma coluna diária a que dá o nome de “as peripécias de um emigrante”.

Os amigos acham-lhe muita graça.
Aos domingos tem a folga semanal e aproveita-a para conhecer a pátria de acolhimento.
Como as dimensões são muito reduzidas (resumem-se a uma longa e comprida rua), Romualdo percorre-a muito lentamente, a fazer o pino. Isso dá-lhe tempo de olhar com pormenor para cada uma das pequeníssimas idiossincrasias do seu país de acolhimento:
Ontem, postou a seguinte foto no Facebook, com a legenda:

“As bizarras ementas dos restaurantes locais”

Foi um sucesso retumbante – 60 likes, 40 comentários e 15 pedidos de amizade. Os amigos consideram-no um caso de sucesso. Trabalha muito, é empreendedor e ajuda a espalhar o bom nome da terra-mãe.

Também é bastante popular no país de acolhimento. Agrada ao dono do estabelecimento, que lhe enaltece o abnegado espírito de sacrifício e agrada à velhota arrendatária. Desde que se mudou para o seu edifício, o número de percevejos decaiu drasticamente.
Romualdo agrada aos restantes habitantes do país. Tornou-se uma celebridade desde que começou a calcorrear as ruas fazendo o pino. A fama espalhou-se e já são muitos os turistas que vêm especialmente para o ver, das ruas em redor, o que é bastante bom para o negócio.  

Hoje, um casal amigo passeia nas imediações. A rapariga pergunta, a certa altura:
- Olha lá, aquele não é o Romualdo?
Romualdo, que está de pernas para o ar, a fazer as suas deambulações domingueiras, também os vê, mas não pode acenar de volta.
O rapaz comenta para a namorada:
- Não é nada! Então não tens visto os textos dele? O Romualdo está a viver no estrangeiro! Para além disso, aquele rapaz anda de uma forma esquisita.
Riem-se.
A rapariga concorda:
- É verdade, que estupidez a minha! Vamos mandar uma mensagem de Facebook ao Romualdo, a dizer que encontrámos um rapaz muito parecido com ele a andar de pernas para o ar.
Ao que o rapaz responde:
- Achas? O Romualdo tem mais que fazer do que ler essas parvoíces. Não tens visto as histórias dele? São coisas muito mais giras e mirabolantes. Anda! Vamos para casa. Aqui não se passa nada.
Afastam-se.

Romualdo fica a olhar para o casal de amigos, que se afasta. Sorri de contentamento.
Diz entredentes:
- Quando souberam que eu vi os seus clones exactos, mas com cara de turistas apatetados a passearem feitos domingueiros, vão-se partir a rir!
Com estes pensamentos em mente, apressa o passo manual, que se tornou bastante hábil com a prática diária.
Sobe as escadas do prédio a grande velocidade, matando dois percevejos pelo caminho.




1 Comments:

Anonymous calhou calhar said...

andamos todos enganados.
como diz o ditado: enganadetes, mas alegretes. :p

5/17/2012  

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