quarta-feira, dezembro 12, 2007

Com efeito, a respeito de quem ou do que posso eu dizer: "Conheço isto!"? Este coração, em mim, posso senti-lo e decido que ele existe. Este mundo, posso tocá-lo e decido ainda que ele existe. Aí pára toda a minha ciência, o resto é construção. Porque, se tento alcançar este eu de que me apodero, se tento defini-lo e resumi-lo, ele não é mais do que água a escorrer-me por entre os dedos. Posso desenhar, um a um, todos os rostos que ele sabe tomar, e também todos aqueles que lhe foram dados, a educação, a origem, o ardor ou os silêncios, a grandeza ou a baixeza. Mas não se podem adicionar rostos. Mesmo este coração, que é o meu, ficar-me-á para sempre incompreensível. O fosso entre a certeza que tenho da minha existência e o conteúdo que tento dar a essa certeza, nunca estará cheio. Serei para sempre estranho a mim mesmo. Tanto na psicologia como na lógica, há verdades, mas não há verdade. O "conhece-te a ti mesmo" de Sócrates tem tanto valor como o "sê virtuoso" dos nossos confessionários. Revela nostalgia ao mesmo tempo que ignorância. São jogos estéreis sobre grandes problemas. Só são legítimos na medida exacta em que são aproximativos.

O Mito de Sísifo, Camus

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Com defeito, se faz favor!

12/14/2007  
Blogger Post-It said...

Este comentário foi removido pelo autor.

12/15/2007  

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