Um Santo Natal com um pequeno aviso pelo meio
Amigos Cibernautas:
Queria desejar-vos um Santo Natal, com tudo de bom e do melhor para vós, para os vossos entes queridos, amigos de entes queridos e amigos de facebook.
Já que estou a escrever este texto, aproveito para vos dizer que os primeiros 100 felizes compradores do meu livro terão direito a um bonito estandarte do Menino Lugones, que poderão pendurar nas janelas, em sinal de devoção e promoção do seu autor.
Também sairão tshirts, canecas, porta-chaves e rolos de papel higiénico com a efígie deste vosso escriba.
Até lá, um grande bem-haja, da parte deste humilde filho de Deus.
19 Comments:
mea culpa, mas prefiro o estandarte do Menino Jesus ao Pai Natal alpinista de betão.
O Pai Natal alpinista é ostensivamente kitsch, e não esconde a sua origem de lojas chinesas.
O estandarte do Menino Jesus é mais duvidoso. É igualmente kitsch e feio, mas esconde-se debaixo do manto do velho "espírito de Natal".
Para quem o vê da rua, plantado nas janelas, sabe-se que "god is in the house".
Os próprios prédios se degladiam, para vermos quais é que têm um maior número de fieís seguidores do espírito natalício.
Dentro de cada casa, se calhar, ainda se ouve as pessoas dizer: "Manel, os vizinhos do segundo andar têm o estandarte do Menino Jesus. Até parece mal nós não termos um também."
Sempre que vejo os estandartes do Menino Jesus parece que estou a ver a cidade a preparar-se para uma recepção.
Se tivessem sido inventados há 40 anos, seriam muito populares no Portugal do Salazar e na Espanha do Franco.
Mas, tirando isso, não tenho nada contra o estandarte do Baby Jesus.
Ora, Lugones, e as bandeiras de Portugal durante os campeonatos de futebol? Não são kitsch? Não são "proud to be portuguese" em ano bissexto? Não podem evocar, com alguma má vontade, algum sentimento xenófobo? É claro que ambos os símbolos - bebé Jesus e pai Natal - são kitsch, mas prefiro o primeiro porque, remotamente, ainda foi ele o causador disto tudo; o pai Natal é o símbolo daquilo que o Natal se tornou: nada ou o nada do consumo. Causa-me mais prurido ver descaradamente um São Nicolau (santo que nem tem culto significativo no Sul da Europa) travestido em vermelho Coca-Cola, a assaltar a casa portuguesa com prendas. Não sou cínica, (estou feliz com o meu iPhone), mas o Natal é um evento religioso, mesmo que se tenha perdido esse sentido primeiro à secularização e à sociedade de consumo. Há 40 anos, no Portugal de Salazar, o Natal era completamente diferente, disse bem, porque era realmente um festa religiosa, hoje não o é. Mas por isso existe este vazio, pelo menos eu sinto-o, só o festejo pelos meus sobrinhos e um dia festeja-lo-ei pelos meus filhos, porque eles, na sua inocência, emprestam-lhe o espírito que já não tem.
O espírito não regressará com mais ou menos estandartes do Menino, nem com iluminações na cidade mais ou menos caras, nem com uma árvore de Natal do tamanho do Evereste. Prefiro o estandarte ao Pai Natal por uma questão de zelo da tradição e de pedagogia também, em último caso.
Concordo consigo, na sua análise. Eu ia igualmente falar das bandeiras de Portugal, a propósito dos eventos de futebol.
Quanto ao tal espírito de Natal de que fala, penso que ele ficou irremediavelmente perdido, pelo menos nas grandes cidades. Penso que ainda deve ser sentido nas aldeias, fora dos grandes centros urbanos.
De resto, Lisboa tem vindo a perder todas as antigas tradições.
Lembro-me perfeitamente, por exemplo, que há uns 20 anos todas as pessoas na minha rua saltavam à fogueira, por ocasião do Santo António.
Havia, inclusive, uma saudável rivalidade entre as várias fogueiras de Santo António, todos queriam que a "sua" fosse a melhor.
Hoje em dia, ao falar disto, parece que estou a contar uma história de ficção científica.
«Jamais les religions ne valent autant que par la noblesse et le courage des athéismes qu'elles inspirent» (GD
Boécio, não sei quem é GD, Gilles Deleuze talvez, mas a única religião que "inspirou" o ateísmo, e em certa medida tem nisso "valor", lendo ateísmo enquanto liberdade e humanismo, foi o cristianismo.
Aliás, o GD afirma n'O que é a Filosofia: que o Cristianismo difunde ateísmo mais do que nenhuma outra. Eu digo mesmo que 'só' o Cristianismo, com a sua ideia mirabolante de Deus-homem, encarnado, podia ter criado o ateísmo.
(é por isso que S. Paulo é um pensador extraordinário, deve ser estudado com mta mta atenção)
Apenas algumas pequenas demarcações, cara Elsa:
(1) para Deleuze, o ateísmo não é, de modo algum, liberdade ou humanismo (valores transcendentes), mas sim univocidade do ser e imanência atribuída a nada que à própria imanência. De qualquer modo, não vejo como é que é que a liberdade e o humanismo podem servir de contraponto ao cristianismo;
(2) o modelo ateu para Deleuze é Espinosa, judeu punido com a Chérem;
(3) a citação de Deleuze refere-se, por acaso, à situação particular do islão.
De resto, concordo que o ateísmo, tal como commumente o entendemos, só pode surgir do interior das religiões do livro (que, ao fim e ao cabo, são a mesma), bem como com a importância do universalismo de S.Paulo.
Obrigado e cumprimentos.
Quanto à recuperação do "espírito de Natal", por que não irmos então até às comemorações pagãs do solstício de inverno? O Natal, tal como qualquer celebração, é aquilo que, a cada época, aqueles que a celebram fazem dele. A mim, pessoalmente, não me interessam nem pais natais nem meninos jesus (discurdo absolutamente com a suposta pedagogia daqueles estandartes horrorosos; a pastiche do Lugones é, sem dúvida, esteticamente bem mais interessante). Talvez se um dia tiver filhos (tal como disse), o caso mude de figura, mas desconfio que eles estarão mais interessados em iluminações, árvores de Natal (de que, por acaso, até gosto) e iphones do que no menino das palhinhas.
Obrigada pelas suas demarcações Boécio, mas não disse que o humanismo e a liberdade eram "contraponto" ao cristianismo, o ateísmo não é contraponto ao cristianismo, é antes corolário, é isso que defendo. E continuo a sublinhar a antropologia paulina como causa determinante, o pentateuco que têm em comum não o justifica. As religiões monoteístas não são iguais, nesse sentido demarco-me eu da posição deleuziana e da de Boécio, se aquela a subscrever. O cristianismo é radicalmente distinto e não pode, a meu ver, ser subsumido a esse entendimento generalizado. Seria interessante perceber, segundo a perspectiva deleuziana, e o Boécio pode-me ajudar, por que é que ele então diz que o cristianismo espalhou 'mais' ateísmo do que qq outra, dado que na referência que dei acima, ele n desenvolve a afirmação. Ora, se diz que Espinosa é o paradigma do ateu, terá a ver com as perseguições cristãs?! Mas o povo escolhido por Deus sempre foi perseguido! Portanto, ajude-me a clarificar este ponto que não percebo. Posso, entretanto, avançar algo: a ideia de imanência que fala de onde é que vem senão da doutrina cristã? a noção de corpo paulina não é a noção platónica! pela primeira vez, deus imana pelo corpo, o corpo é caminho de Deus. digamos que daqui até à morte de deus, e à imanência auto-referencial, é um passinho. :)
Quanto ao "espírito de Natal", eu disse que ele era irrecuperável, portanto nem pus em questão a sua recuperação: os deuses abandonaram-nos há muito! a questão pedagógica pode n ser clara, mas dou-lhe um exemplo pessoal, capaz de o demonstrar. Os meus sobrinhos são filhos de pai com educação cristã-católica e de mãe muçulmana praticante; as referências cristãs não são óbvias, portanto, como se calhar foram para o meu irmão, para mim, etc. Uma boa educação (se quisermos defender o Ocidente), passa por um conhecimento profundo das raízes judaico-cristãs e gregas, que, enquanto crianças, começa por reconhecimento de símbolos e seu significado. Não se festeja o Natal pelo pai Natal, mas pelo menino Jesus - tão "simples" qt isto.
Sou agnóstica e nunca tive qualquer tipo de educação religiosa. Penso que em qualquer estado laico não devia haver feriados religiosos, (obviamente que não contesto o direito à liberdade religiosa). Pessoalmente, se algum dia vier a ter filhos, o que lhes desejo transmitir é que o mundo precisa de ética permanente. Não me parece que a disseminação tradicional e corporativista seja de que religião for, leve a lugar que preste...
Cara Elsa,
Obrigado pela sua resposta. Começando pelo fim, concordo plenamente que uma boa educação passa por um conhecimento das nossas raízes, judaico-cristãs, gregas, mesopotâmicas, fenícias, árabes (muito importantes!), renascentistas, iluministas, positivistas, etc., etc. Não creio, contudo, que a raiz cristã seja propriamente a mais esquecida entre estas na nossa sociedade, principalmente (e como bem notou o Lugones), depois de 40 anos de Salazarismo.
Quanto ao resto:
(1) já disse que concordo que o ateísmo, tal como o entendemos, é o corolário das religiões do livro (mas não exclusivamente do cristianismo);
(2) eu não afirmei que as religiões monoteístas são todas iguais, apenas que têm uma origem e uma história comuns (peço desculpa pelo mal entendido); a análise das suas diferenças profundas não cabe, como é óbvio, nesta caixinha de comentários; quanto o Deleuze, não creio que a religião lhe interessasse muito, por isso, não é clara qual a sua opinião sobre este ponto;
(3) Na passagem que refere de Qu’est-ce que la Philosophie?, a questão que se coloca é a de saber se há uma filosofia cristã (ou seja, em termos deleuzianos, se o cristianismo é capaz de criar conceitos próprios), ao que se responde que provavelmente só o pode fazer através do ateísmo que ele inspira (mais do que qualquer outra religião); Deleuze não explica, de facto, esta afirmação (isto é, o porquê de uma maior prevalência de ateísmos no cristianismo), mas creio que seria possível cartografá-la e não de um ponto-de-vista meramente estatístico (e sem dúvida que S. Paulo seria uma ocorrência fundamental);
(4) Não é menos importante, contudo, o que Deleuze afirma logo de seguida: «L’athéisme n’est pas un drame, mais la sérénité du philosophe et l’acquis de la philosophie. Il y a toujours un athéisme à extraire d’une religion. C’était vrai déjà de la pensée juive : elle pousse ses figures jusqu’au concept, mais n’y atteint qu’avec Spinoza l’athée» ; em relação a S. Paulo (e não tendo eu competências para o discutir), creio que Deleuze diria que o seu conceito de corpo é ditado desde o ateísmo que o cristianismo lhe inspirou;
(5) O conceito espinosista de Deus ou da substância como pura imanência não deriva da noção de corpo pauliniana (S. Paulo não é, de resto, referido na Ética, é-o sim no Tratado Teológico-Político, mas com outras implicações), embora derive, sem dúvida alguma, de uma variação dos argumentos ontológicos cristãos (no caso, não só Deus existe necessariamente, mas é a única substância que existe, não se tratando obviamente neste caso da mesma ideia de Deus);
(6) Os ateísmos que as religiões inspiram não podem ser todos reduzidos ao mesmo gesto nem sequer ao mesmo resultado (sejam eles a substância de Espinosa, o deus apofático da teologia negativa, a ideia reguladora kantiana, etc., etc.)
Caro Anónimo,
Concordo com o seu ponto de vista em relação ao estado laico, se bem que duvido da possibilidade de uma laicização absoluta do Estado. Por isso, digo-me ateu muito mais do que agnóstico, o que quer dizer obviamente que a minha posição é inspirada por uma religião do livro (não fosse eu ter sido aluno dos jesuítas). Uma vez mais, não acredito na possibilidade de uma posição neutra, uma vez que todos os dispositivos discursivos são produtores, desde a origem (que é, por isso sempre já uma anterioridade) de toda a subjectividade possível.
Caro Boécio,
Obrigada pelos seus esclarecimentos, foram mto elucidativos.
Não concordo quando diz que a raiz cristã tenha sido a menos esquecida! Ninguém lê a Bíblia! E os católicos são exímios nisso, portanto, acho que faz muita falta ler e reler os textos que nos fazem o que somos, afinal.
Bom, quanto à ideia de plano de imanência deleuziana, eu sei que n se segue da antropologia paulina tout court, mas a minha provocação vinha com intenção de dizer que essa rejeição da transcendência é, por mais paradoxal que possa ser, instaurada desde logo pelo criador do cristianismo. Eu, pelo menos, quanto mais leio S. Paulo, mais fico absorta com a tremenda novidade do seu pensamento... e isso que Deleuze diz é interessante: o ateísmo que Cristo inspirou a S. Paulo, fê-lo criar conceitos, fê-lo fazer filosofia. Sim, a filosofia nasce também da blasfémia, Sócrates não acreditava nos deuses da polis... mas só quando Deus abandona o seu próprio filho na cruz, é que nasce o indivíduo (ego sum) e morre Deus. Portanto acho que 'o' ateísmo é um fenómeno específico face a esses outros ateísmos que supõe.
Mas obrigada por trazer Monsieur Deleuze à conversa! Enriqueceu-a!
Boa noite a todos
Ora essa, muito obrigado eu pelas suas suscitações, respostas e sugestões. Tenho de ler S.Paulo.
Cumprimentos e um bom ano!
Sim, Boécio, acho que é muito importante lê-lo. Como o primeiro contacto que tive com o seu pensamento foi através de Nietzsche, não reconheci a originalidade e grandeza da sua visão. Paulo supera a filosofia grega e a teologia judaica, ainda que, naturalmente, se sirva de terminologia e conceitos dessas tradições... como diz Luc Ferry (ateu) com graça: há uma tentação do cristianismo... é, realmente, impossível ficar indiferente àquela "Umwertung aller Werte", piscando o olho a Nietzsche ;)
("supera" à la Hegel, n quis dizer que é superlativo)
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