sexta-feira, julho 30, 2010

Contos de Verão - Volume 1

A minha namorada tem um rabo-de-cavalo, mas só reparei nisso quando fomos à praia, uns dias depois do nosso primeiro encontro.
Quando a vi, de bikini, olhei para a extensão posterior, da coluna vertebral, situado na sua posição dorsal, e perguntei-lhe:
- Tens uma cauda?
Ao que me respondeu, com um leve desprezo:
- Não é uma cauda, é um rabo-de-cavalo.


Mudei rapidamente de conversa. Estava uma bela tarde de sol, metemo-nos na água, que se apresentava a uma temperatura deveras agradável. Nadámos durante meia hora, e ensinei-a a fazer o pino.
Vendo-a, de perto, depressa constatei, que a informação que me prestara, de que possuía um rabo-de-cavalo, estava incorrecta.
A cauda da minha namorada é mais curta, e mais estreita, do que as caudas dos cavalos. O tipo de pêlo também é um pouco diferente. Poderíamos, quando muito, chamar-lhe crina pois, segundo o Dicionário, a crina, sendo um tipo de pelagem presente nos equídeos, como o cavalo, ou as zebras, também se pode encontrar em pêlos de outros animais, como os gatos, ou as galinhas.

Confesso, desde já, que não sei muito bem qual é a diferença entre “cauda” e “crina”. Serão as crinas um tipo específico de caudas?
Não sei a resposta, tal como não sei a diferença entre encarnado e vermelho.
Esta questão foi levantada durante a nossa conversa, ocorrida uma hora mais tarde, na esplanada. A minha namorada teimava em afirmar que encarnado é uma cor diferente de vermelho. Discutíamos isso, enquanto assistíamos à operação de resgate de uma pequena criança de oito anos, que acabara de cair de uma ravina de 30 metros, junto à praia.
Quando lhe disse que a areia tinha ficado vermelha, com a cor do sangue da criança, ela respondeu-me, com um leve desprezo:
- A areia não está vermelha, está encarnada.

Adiante. Vocês conhecem, de certeza, aquela expressão que diz que “os olhos são o espelho da alma”.
No caso da minha namorada, que só tem um olho, poderia, quando muito, dizer que o seu olho é o espelho da alma.
Eu chamo-a, às vezes, Ciclope, na brincadeira.
Ao que ela responde, com um leve desprezo:
- Não sou Ciclope, os Ciclopes eram gigantes imortais, com um só olho no meio da testa, e o meu olho fica do lado esquerdo da cabeça.
Não riposto. A minha namorada tem, de facto, o seu olho do lado esquerdo da cabeça. Mas, para ser mais exacto, ela nunca poderia ser um Ciclope. Tem dois metros e meio de altura, é um facto, mas não é imortal.
Até porque sei que a mãe dela já morreu, fomos visitá-la outro dia, ao Museu de História Natural.
Olhámos para a redoma, onde estava depositada a minha sogra.
Quando perguntei à minha namorada se a sua mãe era uma múmia, respondeu-me, com um leve desprezo:
- Não sejas parvo, querido, as múmias são cadáveres que são embalsamados. Não foi o que se passou com a minha mãe, que morreu na queda de um glaciar, quando andava à caça de dinossauros.

Não preciso de observar o olho da minha namorada, para saber o que lhe vai na alma.
Sei que está satisfeita, quando começa a abanar o rabo, quando vamos, por exemplo, à Feira Popular, para comer farturas.
Nesses momentos, a minha namorada torna-se impulsiva, e pede-me para a levar, rapidamente a casa, para fazermos o amor.
Com a pressa, ao entrarmos em casa, costumo fechar a porta, com força.
A minha namorada solta um grito, e pergunto-lhe, sobressaltado:
- Desculpa, querida, magoei-te a cauda?
Ao que ela me responde, com um leve desprezo:
- Oh querido, quantas vezes já te disse que não é uma cauda, é um rabo-de-cavalo??
Gosto muito da minha namorada, e quero que o nosso relacionamento se torne mais sério. Ela pede-me para ter um emprego mais estável, e que me vista melhor. Quando a vou buscar ao trabalho, as colegas dela comentam a minha indumentária, e criticam-me por andar com a camisa por fora das calças.
“E corta-me esse cabelo, por favor!”, diz-me a minha namorada.
“Mas eu gosto de andar de rabo-de-cavalo”, respondo.
Ao que ela me responde, com um leve desprezo:
- Chamas a isso um rabo-de-cavalo?
Rio-me, dou-lhe a mão, e seguimos para a Feira Popular, a tempo de comermos uma fartura.


10 Comments:

Blogger Alberto Colima said...

Ó camarada! Porque não a leva ao padre da freguesia, a ver se ele lhe faz aquele truque de a transformar em égua. Lembra-se do padre do Decameron? Aquele que queria arranjar uma cauda à esposa do camponês.

7/30/2010  
Blogger Fräulein Else said...

O meu rabo de cavalo já está tb muito grande, estou quase quase a virar égua, mas antes que vire égua, viro amazona, pq vou cortá-lo e dá-lo a quem precisa.

O Lugones retrata muito bem a estranheza que sentimos mesmo pelas pessoas que nos são mais íntimas - a irredutibilidade do outro. Gosto muito.

Para quando reunir os seus textos, (re)trabalhá-los, e enviá-los às editoras? (se é que ainda n o fez).
Tem de ser Lugones!

7/31/2010  
Blogger Lugones said...

Então, camarada Colima, como estão os ares de Portimão?
Já nem me lembrava desse episódio do Decameron, foi bom relembrar-me!
Cara Fraulein, acertou na mouche. Mandei uns textos, há uns 10 meses, para uma Editora, e responderam-me agora, parece que estão interessados em publicar a coisa para o ano.
Veremos!

8/02/2010  
Blogger Lugones said...

Então, camarada Colima, como estão os ares de Portimão?
Já nem me lembrava desse episódio do Decameron, foi bom relembrar-me!
Cara Fraulein, acertou na mouche. Mandei uns textos, há uns 10 meses, para uma Editora, e responderam-me agora, parece que estão interessados em publicar a coisa para o ano.
Veremos!

8/02/2010  
Blogger Fräulein Else said...

Felicidades, então!
Pois, Deus nosso Senhor foi um malandro perdulário qd me concebeu e, entre outras, deu-me a santíssima capacidade da pontaria... ;)

8/02/2010  
Blogger Alberto Colima said...

O Colima felicita o Lugones por esse sucesso. Já agora, não sei se isto é sincronia ou o Zeitgeist, mas também tenho sentido uma certa repugnância pelas pessoas. Perecem-me todos um bando de macacos, ao mesmo tempo que vou tentando manter esta humanidade possível. É narcisismo, eu sei...
Quanto aos ares de Portimão, caro amigo, estão esperando a sua visita.
Grande Abraço!

8/03/2010  
Blogger Lugones said...

Espero que Deus me conceda a graça de poder publicar os textozitos.
E, de preferência, se forem publicados, que vendam uns milhões, para poder comprar um Lamborghini.
E, se venderem milhões, que sejam, de preferência, adaptados ao cinema.
E, se forem adaptados ao cinema, que sejam, de preferência, para o cinema de Hollywood, para que o Shyamalan ou o Ridley Scott façam uma adaptação galáctica, para que possa construir umas casitas pelas américas.
Aí, caro Colima, pode ir visitar-me lá, também.

8/03/2010  
Blogger Alberto Colima said...

Ah sim! As américas...! Gostava de ser como aquele americano do Kafka com a face massajada pela brisa das pradarias. Também sonhei em andar pelas arábias, de turbante, pisando escorpiões e cobras com os cascos do cavalo. Se precisar de um herói, romântico, com ataques ocasionais de gota, para os seus filmes, pode contar comigo.

8/03/2010  
Blogger Fräulein Else said...

lol
nas américas? tanta áfrica, tanta américa latina, tanto mediterrâneo e o lugones prefere esbanjar os seus milhoes na desolação do deserto? compre entao, com o que lhe sobrar, um monte no alentejo e faça dele um centro de rehab para os junkies adoradores de osho. é o mínimo que pode fazer por este país q acredita no seu talento - e tb pode ser um investimento pessoal a longo prazo.

8/03/2010  
Blogger Alberto Colima said...

Caro Senhor Doutor Leopoldo Lugones,

Atendendo ao facto de nos encontrarmos em época estival, tempo de lazer e piadolas palacianas, bem certo está, resolvemos propor-lhe uma nova rubrica neste blog, onde a próactividade dos membros não tem marcado presença. Seria um passatempo onde os concorrentes apresentam aplicações inusuais da sabedoria popular. Vou exemplificar:
1 – No local do crime encontram-se dois suspeitos: um gordo e um magro. Presentes a juízo, a responsabilidade do suspeito gordo é imediatamente excluída. Razão invocada: “O que não mata engorda!”.
2 – Porque é eu os incêndios florestais são benéficos para Portugal? “ O que arde faz bem!”

Despeço-me respeitosamente.

8/11/2010  

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