quinta-feira, março 03, 2011

A juventude tem a palavra


Para iniciarmos o dossier dedicado à Revolta dos Precários, o Ângulo resolveu dirigir-se ao epicentro, ao âmago do problema. Para isso, nada melhor do que entrevistar um jovem português. E resolvemos entrevistar um jovem normal ou, como se diz em termos jurídicos, um “homem médio”, daqueles que se encontram na rua e se mostram muito surpreendidos quando são abordados ou aqueles que são escolhidos aleatoriamente para fazer perguntas sobre o Estado da Nação ao Professor Marcelo, no Jornal Nacional.
Para encontrarmos um desses jovens anónimos, pedimos ajuda a Isabel Stilwell, directora do Jornal Destak, que nos indicou Bernardo Maria Espírito Santo Pinto Magalhães e Mello Teixeira Duarte, que também tem a enigmática alcunha de “Al Ganzel”.

Segundo as palavras de Isabel Stilwell, trata-se de um jovem perfeitamente normal, com os problemas e as angústias normais da gente grande acabada de chegar à idade adulta.
Encontrámo-nos com Bernardo na sua vivenda na Quinta da Marinha, ao final da tarde.
Ficaram desde logo à partida desfeitos alguns estereótipos referentes à chamada “Geração à Rasca” – Bernardo tem 30 e não mora com os pais, pois tem casa própria; não depende deles financeiramente e não ganha 500 euros por mês.

Bernardo vive sozinho desde os 24 anos, altura em que se tornou Administrador Executivo de uma famosa Consultora Financeira.
Não lhe falem da letra da música dos Deolinda. Damos a palavra a Bernardo:
“Acho estúpido o refrão da música que diz que eu fico a pensar bla bla mundo parvo onde para ser escravo é preciso estudar. Meus amigos, se estudam e são escravos, desculpem lá mas são mesmo parvos. Parvos porque gastam o dinheiro dos pais e dos nossos impostos a estudarem e a não aprender nada. Isso acontece porque estudam para aqueles cursos que não interessam nada, as letras e a filosofia. Depois ficam desempregados, vivem à mama dos pais e bebem copos e drogam-se. Pá, é tipo, eu também gosto de ler o tio Patinhas, o César das Neves e o José Eduardo dos Santos, aquele jornalista da RTP, mas uma coisa é ler essas cenas na praia, outras é tar a tirar cursos disso. Depois admiram-se e ainda se armam esquisitos e não querem trabalhar nos supermercados. Quando não têm qualificações para estar no mercado de trabalho. Não estudam gestão, engenharia, informática…claro, preferem os concertos, os fuminhos e os copos. Isto o mundo já se sabe, é dos que mandam e os que são mandados, andam aí com comportamentos decadentes e armam-se em queixinhas. Atenção, eu também gosto de me divertir, ainda este fim-de-semana dei um pulinho à Tailândia e bebi uns copos e coiso e tal, mas viver só disso…por isso é que o país está assim. Só se queixam.
Eu também trabalhei quando estava na universidade, o meu pai empregou-me lá na empresa dele em part-time e pagava-me uma miséria, menos de 1.000 euros, mais a mesada. E só me comprou o BMW quando eu entrei para o segundo ano do curso”

Segundo Bernardo, os números estão do seu lado:
“Um estudo da Universidade Católica revelou que a maioria dos licenciados não tem vontade de andar a cantar essa coisa esquerdóide dos Deolinda, sabem porquê? Porque a maioria dos licenciados ganha duas vezes mais do que a média e 80% mais do que quem tem o ensino secundário. Os meus amigos estão todos bem. A empresa de construção civil da minha namorada ganhou agora um concurso de obras públicas e o meu melhor amigo é Presidente de uma Fundação. Por isso, parem lá de ser vítimas. Os nossos pais andavam em guerra com…com…com outras pessoas e os nossos avós passavam fome. Mas não vale a pena viver no passado, como estas histórias todas que houve agora por ocasião do centenário do 25 de Abril. Vivam no presente, neste belo país!”

Mas Bernardo também confia nos benefícios de uma experiência no estrangeiro:
“Vejam o caso do filho do D. Duarte. Ou eu, que fiz um Mestrado numa Universidade inglesa e fui colocado num escritório de uns amigos dos meus pais, numa sucursal em Singapura. Abre os horizontes, é bom”.

O próprio Bernardo contribui para o avanço do país, pois tem sempre vários estagiários a trabalhar na sua empresa:
“Só contrato os melhores e olhe que eles querem todos vir para cá. Batalham muito entre si. E nós apoiamos esse espírito competitivo, é bom. Têm de mostrar que merecem vestir a nossa camisola”.

E serão bem pagos? Bernardo responde:
“Não pagamos à maior parte dos estagiários. Mas isso é de propósito. É para formar o carácter. É como nas universidades, aqui eles são os caloiros, os bichos. Também há praxes. Mas eles gostam”.
No final da entrevista perguntamos a Bernardo o significado da sua alcunha.
“Al Ganzel? Ahah, isso foi quando eu fumava umas cenas malucas há uns anos, em festas nas casas dos amigos dos meus pais, lá no Egipto e na Tunísia, com o Ben Ali e esses. Bons tempos! Esta túnica que tenho na cabeça arranjei-a lá. É gira e dizem que dá efeitos terapêuticos, tipo as pulseiras do Power Balance. Ofereci uma túnica ao Santana Lopes e outra ao Chakal”.

Para terminar, perguntámos a Bernardo se ia à manifestação do dia 12.
Ri-se.
“Acha? Isso vai contra os meus princípios. Parece que não percebem que só há uma forma de dizer basta: passar a fazer parte da solução”
Bernardo despediu-se, pois estava com pressa. Disse-nos que ainda tinha de passar por um Posto Médico, para arranjar um atestado e apanhar, a seguir, um avião para Angola.



1 Comments:

Anonymous stay sick said...

falta a banda-sonora, Lugones.
que tal a "brava dança dos heróis", dos Heróis do Mar?
eh eh eh
;)

3/04/2011  

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