Pequeno Conto Didáctico Erótico-Jurídico
Amílcar gostava de andar de transportes públicos, principalmente nas horas de maior movimento, quando as carruagens estão apinhadas de gente, amontoada por todos os cantos e recantos do espaço disponível, tornando indisponível qualquer zona neutra de protecção inter-corporal.
Amílcar entrava nas carruagens, vestindo o seu sobretudo preto, que o tapava quase até aos pés, e fixava o olhar numa qualquer bela rapariga que estivesse próxima de si, escolhida ao acaso. Quando esta lhe retribuía o olhar, Amílcar abria, de repente, o seu sobretudo e deixava, então, à vista de todos e, principalmente da bela rapariga com quem trocava olhares, o seu corpo desnudado.
Amílcar sabia que estava a importunar outras pessoas, praticando actos de carácter exibicionista, e que a sua conduta era punível com pena de prisão até 1 ano, ou com pena de multa até 120 dias. Até porque Amílcar patenteava impudicamente aos olhos estranhos os seus órgãos genitais.
Amílcar não era, segundo as palavras do jurista Asdrúbal de Aguiar, um exibicionista patológico, ou seja, aquele indivíduo doente por motivo de moléstias várias (paralisia geral, idiotia, imbecilidade, demência senil, sonambulismo, etc), nem um frotteur (indivíduo que não exibe os órgãos sexuais, mas antes se deleita em “chegar-se às mulheres encostando-lhes as partes genitais ocultas pelo vestuário às nádegas ou às coxas”). Estes indivíduos são, regra geral, totalmente irresponsáveis, ou, pelo menos, quase totalmente, por serem vítimas dos impulsos irresistíveis da doença.
Amílcar era, pelo contrário, um depravado, ou seja, um indivíduo que executa o acto tão-somente por depravação ou deboche, não havendo, portanto, qualquer doença que o justificasse. Procedia assim porque sentia prazer em vexar as pessoas, porque se deliciava a vê-las ruborizarem-se, sendo mulheres ou raparigas honestas, ou apressarem o passo fugindo da sua presença. No seu caso, a responsabilidade criminal era incontestável.
Na grande maioria dos casos, as pessoas afastavam-se, com asco, e saíam, a correr, na estação seguinte, o que ajudava a explicar o facto de Amílcar nunca ter sido condenado, uma vez que, em regra, nestes casos, o procedimento criminal depende de queixa.
Amílcar não teria quaisquer hipóteses, pois o crime consuma-se com a simples prática, perante alguém, de actos de carácter exibicionista que o possam molestar, obrigando-o a presenciar cenas que os seus sentimentos pessoais relativamente a tais matérias repugnam.
Ora, naquele belo final de tarde de Verão, Amílcar entrou, como sempre, na carruagem do metro, apinhada de gente, vinda do trabalho. Fixou o seu olhar numa jovem mulher, de cerca de 25 anos, morena, e de estatura média, que lhe retribuiu o olhar, sorrindo.
Cerca de 5 minutos depois de ter entrado, e entre duas estações, Amílcar abriu o seu sobretudo, com um certo alívio, uma vez que estava muito calor, expondo a todos os presentes, o seu “membro viril”.
Como sempre, as hostes agitaram-se, os olhares ruborizaram-se, uma ou outra mulher fingiu desmaiar, e alguns homens retribuíram-lhe um olhar hostil. Mas ninguém disse nada, e todos saíram, em passo apressado, na estação seguinte. Todos menos a miúda de cerca de 25 anos, com quem Amílcar trocara vários olhares, e que agora se ria.
Este, ao ver a sua reacção, ficou, por uns instantes, atónito. Depois, sorriu-lhe. Instintivamente, e com uma inexplicável vergonha, voltou a tapar o sobretudo, o que provocou alguns risos à rapariga. Começaram a conversar, apresentaram-se, ela chamava-se Bárbara, saíram do metro, e foram tomar um café.
Bárbara convidou Amílcar a ir a sua casa, entraram, e começaram a beijar-se, muito pacificamente, sem qualquer tipo de coacção sexual (sem usarem a violência, ameaça grave, ou qualquer tipo de constrangimento para a prática de actos sexuais de relevo).
E praticaram, de facto, actos sexuais de relevo, ou seja, segundo Figueiredo Dias, “todos aqueles actos que, de um ponto de vista predominantemente objectivo assumem uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica”.
Os actos que praticaram naquela noite invadiam, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo que, do domínio da sexualidade, é apanágio de todo o ser humano.
Praticaram todo o tipo de actos sexuais que relevam, nas palavras de Manuel Leal-Henriques (Juiz Conselheiro no Supremo Tribunal de Justiça): tudo começou com a desnudação de Amílcar e Bárbara; depois, passou-se para os beijos procurados nas zonas erógenas do corpo, como os seios, a púbis, o sexo, etc, seguindo-se os actos de masturbação mútua.
Em seguida, passaram para o coito oral (introdução do pénis de Amílcar na boca de Bárbara), cópula (ligação dos órgãos sexuais do homem com os da mulher, por meio da introdução do pénis na vagina, ainda que de forma parcial, ou seja, com a simples intromissão entre os grandes e os pequenos lábios).
Houve uma óbvia consumação da cópula, até porque nas palavras de Rodriguez Devesa, para a consumação da cópula “basta a coniunctio membrorum, não sendo necessário nem a inmissio seminis, nem que a inmissio penis seja completa (Derecho Penal Español, Madrid, 1980, 8ª Edição, Parte Especial, 169 e 170).
Passaram, em seguida, para o coito anal (introdução do pénis de Amílcar no ânus de Bárbara), e troca consentida de ofensas à integridade física simples (para efeito de consentimento, a integridade física considera-se livremente disponível).
Quando tudo terminou, Bárbara pediu a Amílcar que saísse, pois ainda tinha de trabalhar.
Eram 4 da manhã, e Amílcar dirigiu-se à sua casa, que partilhava com Carlos e com a mulher deste, Daniela.
Entrou, e bateu à porta de Carlos, pois queria contar-lhe as peripécias ocorridas nesse dia. Ouviu, de dentro do quarto, uma voz ensonada, que perguntou:
- Carlos, és tu? Pensava que vinhas mais tarde.
Amílcar, já recuperado da noite de sexo com Bárbara, resolveu aproveitar a oportunidade, e fazendo-se passar por Carlos, respondeu:
- Sim, querida, sou eu.
Como estava escuro, Daniela não reparou em nada, e, durante uma hora, praticaram uma série de actos sexuais de relevo, tendo Amílcar praticado o crime de fraude sexual, pois aproveitou-se fraudulentamente de erro sobre a sua identidade pessoal.
Houve fraude, uma vez que existiu uma maliciosa provocação ou aproveitamento do erro ou engano de outrem, para consecução de um fim ilícito.
Epílogo desta história:
Amílcar ainda procurou, de novo, Bárbara, mas depressa desistiu dos seus intentos. Bárbara vivia com Ernesto, que praticava a actividade de lenocínio, pois, profissionalmente, e com intenção lucrativa, fomentava o exercício por outra pessoa de prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo.
Amílcar ainda pensou em abordar Bárbara, em plena rua, e chamar-lhe “Puta”.
Mas desistiu dos seus intentos. Afinal, praticara actos sexuais de relevo sem pagar, e não tinha grandes formas de provar que ela se dedicava a essa profissão.
Ainda corria o risco de o Tribunal considerar que estava a imputar factos a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, ou a dirigir-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, e de estar, dessa forma, a cometer um crime de injúria, punível com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
Amílcar entrava nas carruagens, vestindo o seu sobretudo preto, que o tapava quase até aos pés, e fixava o olhar numa qualquer bela rapariga que estivesse próxima de si, escolhida ao acaso. Quando esta lhe retribuía o olhar, Amílcar abria, de repente, o seu sobretudo e deixava, então, à vista de todos e, principalmente da bela rapariga com quem trocava olhares, o seu corpo desnudado.
Amílcar sabia que estava a importunar outras pessoas, praticando actos de carácter exibicionista, e que a sua conduta era punível com pena de prisão até 1 ano, ou com pena de multa até 120 dias. Até porque Amílcar patenteava impudicamente aos olhos estranhos os seus órgãos genitais.
Amílcar não era, segundo as palavras do jurista Asdrúbal de Aguiar, um exibicionista patológico, ou seja, aquele indivíduo doente por motivo de moléstias várias (paralisia geral, idiotia, imbecilidade, demência senil, sonambulismo, etc), nem um frotteur (indivíduo que não exibe os órgãos sexuais, mas antes se deleita em “chegar-se às mulheres encostando-lhes as partes genitais ocultas pelo vestuário às nádegas ou às coxas”). Estes indivíduos são, regra geral, totalmente irresponsáveis, ou, pelo menos, quase totalmente, por serem vítimas dos impulsos irresistíveis da doença.
Amílcar era, pelo contrário, um depravado, ou seja, um indivíduo que executa o acto tão-somente por depravação ou deboche, não havendo, portanto, qualquer doença que o justificasse. Procedia assim porque sentia prazer em vexar as pessoas, porque se deliciava a vê-las ruborizarem-se, sendo mulheres ou raparigas honestas, ou apressarem o passo fugindo da sua presença. No seu caso, a responsabilidade criminal era incontestável.
Na grande maioria dos casos, as pessoas afastavam-se, com asco, e saíam, a correr, na estação seguinte, o que ajudava a explicar o facto de Amílcar nunca ter sido condenado, uma vez que, em regra, nestes casos, o procedimento criminal depende de queixa.
Amílcar não teria quaisquer hipóteses, pois o crime consuma-se com a simples prática, perante alguém, de actos de carácter exibicionista que o possam molestar, obrigando-o a presenciar cenas que os seus sentimentos pessoais relativamente a tais matérias repugnam.
Ora, naquele belo final de tarde de Verão, Amílcar entrou, como sempre, na carruagem do metro, apinhada de gente, vinda do trabalho. Fixou o seu olhar numa jovem mulher, de cerca de 25 anos, morena, e de estatura média, que lhe retribuiu o olhar, sorrindo.
Cerca de 5 minutos depois de ter entrado, e entre duas estações, Amílcar abriu o seu sobretudo, com um certo alívio, uma vez que estava muito calor, expondo a todos os presentes, o seu “membro viril”.
Como sempre, as hostes agitaram-se, os olhares ruborizaram-se, uma ou outra mulher fingiu desmaiar, e alguns homens retribuíram-lhe um olhar hostil. Mas ninguém disse nada, e todos saíram, em passo apressado, na estação seguinte. Todos menos a miúda de cerca de 25 anos, com quem Amílcar trocara vários olhares, e que agora se ria.
Este, ao ver a sua reacção, ficou, por uns instantes, atónito. Depois, sorriu-lhe. Instintivamente, e com uma inexplicável vergonha, voltou a tapar o sobretudo, o que provocou alguns risos à rapariga. Começaram a conversar, apresentaram-se, ela chamava-se Bárbara, saíram do metro, e foram tomar um café.
Bárbara convidou Amílcar a ir a sua casa, entraram, e começaram a beijar-se, muito pacificamente, sem qualquer tipo de coacção sexual (sem usarem a violência, ameaça grave, ou qualquer tipo de constrangimento para a prática de actos sexuais de relevo).
E praticaram, de facto, actos sexuais de relevo, ou seja, segundo Figueiredo Dias, “todos aqueles actos que, de um ponto de vista predominantemente objectivo assumem uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica”.
Os actos que praticaram naquela noite invadiam, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo que, do domínio da sexualidade, é apanágio de todo o ser humano.
Praticaram todo o tipo de actos sexuais que relevam, nas palavras de Manuel Leal-Henriques (Juiz Conselheiro no Supremo Tribunal de Justiça): tudo começou com a desnudação de Amílcar e Bárbara; depois, passou-se para os beijos procurados nas zonas erógenas do corpo, como os seios, a púbis, o sexo, etc, seguindo-se os actos de masturbação mútua.
Em seguida, passaram para o coito oral (introdução do pénis de Amílcar na boca de Bárbara), cópula (ligação dos órgãos sexuais do homem com os da mulher, por meio da introdução do pénis na vagina, ainda que de forma parcial, ou seja, com a simples intromissão entre os grandes e os pequenos lábios).
Houve uma óbvia consumação da cópula, até porque nas palavras de Rodriguez Devesa, para a consumação da cópula “basta a coniunctio membrorum, não sendo necessário nem a inmissio seminis, nem que a inmissio penis seja completa (Derecho Penal Español, Madrid, 1980, 8ª Edição, Parte Especial, 169 e 170).
Passaram, em seguida, para o coito anal (introdução do pénis de Amílcar no ânus de Bárbara), e troca consentida de ofensas à integridade física simples (para efeito de consentimento, a integridade física considera-se livremente disponível).
Quando tudo terminou, Bárbara pediu a Amílcar que saísse, pois ainda tinha de trabalhar.
Eram 4 da manhã, e Amílcar dirigiu-se à sua casa, que partilhava com Carlos e com a mulher deste, Daniela.
Entrou, e bateu à porta de Carlos, pois queria contar-lhe as peripécias ocorridas nesse dia. Ouviu, de dentro do quarto, uma voz ensonada, que perguntou:
- Carlos, és tu? Pensava que vinhas mais tarde.
Amílcar, já recuperado da noite de sexo com Bárbara, resolveu aproveitar a oportunidade, e fazendo-se passar por Carlos, respondeu:
- Sim, querida, sou eu.
Como estava escuro, Daniela não reparou em nada, e, durante uma hora, praticaram uma série de actos sexuais de relevo, tendo Amílcar praticado o crime de fraude sexual, pois aproveitou-se fraudulentamente de erro sobre a sua identidade pessoal.
Houve fraude, uma vez que existiu uma maliciosa provocação ou aproveitamento do erro ou engano de outrem, para consecução de um fim ilícito.
Epílogo desta história:
Amílcar ainda procurou, de novo, Bárbara, mas depressa desistiu dos seus intentos. Bárbara vivia com Ernesto, que praticava a actividade de lenocínio, pois, profissionalmente, e com intenção lucrativa, fomentava o exercício por outra pessoa de prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo.
Amílcar ainda pensou em abordar Bárbara, em plena rua, e chamar-lhe “Puta”.
Mas desistiu dos seus intentos. Afinal, praticara actos sexuais de relevo sem pagar, e não tinha grandes formas de provar que ela se dedicava a essa profissão.
Ainda corria o risco de o Tribunal considerar que estava a imputar factos a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, ou a dirigir-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, e de estar, dessa forma, a cometer um crime de injúria, punível com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
14 Comments:
Gargalhei e gargalhei! :D
Muito inspirado.
Podes continuar.
Boa Lugones, no outro dia estava a tentar-me lembrar de como se chamava a actividade do proxeneta, em termos jurídicos,... e é lenocínio, então. :)
* a tentar lembrar-me, assim é q é.
p.s.: "actos sexuais de relevo" é uma categoria interessante, que também desconhecia. Um post verdadeiramente didáctico! ;)
Está bem estudada essa lição!
Apre, que grande conto depravado! Mas, no geral, é muito engraçado. Quem é o jurista Asdrúbal de Aguiar?
Lugones és o maior. Ass: A Guelra açulada
Eheheh, a preocupação final do protagonista... :)
Amigos, não se esqueçam d'A Tenebrosa Figura na Ponte. Desejava muito que comentassem. Obrigado.
A expressão "actos sexuais de relevo" é muito interessante e só agora reparei, com atenção, que aparece em vários artigos do Código Civil.
Mais interessante ainda é o combate na doutrina e na jurisprudência sobre a noção dos tais actos sexuais. Diverte-me bastante pensar em todos aqueles doutores, com um ar grave e sisudo, a discutirem se a inmissio penis tem de ser completa para estarmos perante esta figura jurídica.
Asdrúbal de Aguiar foi um obscuro jurista que se debruçou sobre estas matérias. Penso (salvo erro) que foi, também, o autor de um livro sobre medicina legal e sexologia forense.
Sim, o facto de ser em latim também lhe confere outra sofisticação. Mas penso que o seu uso se cinja à sexologia forense, porque nos ensaios do Francisco do CyberD (ele é sexólogo) usa mais o inglês, a língua da ciência, neste momento. Só no ínicio do século - e.g. Egas Moniz - é que descreviam essas características em latim. Muito melhor, eu acho. :)
Também acho que estes termos, em latim, têm muito mais classe.
De resto, no Direito, o Latim é usado cada vez mais escassamente, e, geralmente, apenas naquelas expressões-chavão, como o Quid Juris.
Neste caso,e actualmente, vemos autores usarem expressões, como "membro viril", o que também tem a sua piada.
Sim, "membro viril" é muito mais interessante do que "pénis", sendo mais metafórico. Vis - força, mas também raiz da palavra virtude. Enfim, mais rico! :)
Desculpem ser tão inoportuno, mas na realidade não vos quero de forma alguma maçar... Vejo que a dialéctica neste blogue é deveras aliciante para usuários mais preclaros. Sim, de facto as expressões em latim são palavras-chave em qualquer texto que se digne a um aprimorado entendimento. No que se refere a algo particularmente implícito, o latim sempre atribui a qualquer texto uma forma mais ousada, é certo, mas sem nunca cair no meramente espontâneo. Porém, queria que lessem o meu mais recente conto. Trata-se de uma pequena aventura de um servo chamado Petruchka. Todavia, a história não tem pés nem cabeça, pelo que agradecia que comentassem (pelo menos uma sugestão). Obrigado.
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