Amores De Verão
O Ruizinho sempre fora um rapaz frágil, com a morte à espreita. Desde tenra idade que sofria de todo o género de maleitas: quando lhe pegavam ao colo, arranjava logo um torcicolo, um braço partido, quando jogava uma partida de futebol, ou uma insolação, caso apanhasse um pouco de sol. Uma pequena rabanada de vento provocava-lhe logo uma constipação, ou pneumonia. Por isso, não foi de estranhar que, já no final da adolescência, um desgosto amoroso lhe tenha causado um sopro no coração, que logo ficou tão inchado que rebentou quase todas as suas artérias. A situação era grave, exigia um transplante, e foi imediatamente internado. Todavia, cedo se percebeu que não havia coração de nenhum dador que suportasse o tamanho da dor do seu triste fado.
A sua mãe bem lhe disse: “querido filho, gosto muito de ti, mas gosto ainda um pouco mais de mim, não te cedo o coração. Quando muito, posso dar-te um rim”.
Depois de alguma hesitação, os seus médicos resolveram colocar-lhe, junto ao coração, uma bexiga de porco. Ao fim de algumas horas no bloco operatório, o Ruizinho ficou com duas bexigas, uma com a sua função normal, outra para auxiliar o sistema circulatório.
Como o leitor comum saberá, e segundo a Wikipedia, Bexiga é o órgão humano no qual é armazenada a urina, que é produzida pelos rins. É uma víscera oca caracterizada pela sua distensibilidade. Na bexiga, encontra-se a uretra (o ducto que exterioriza a urina produzida pelo organismo).
No caso do Ruizinho, a bexiga servia para guardar o excesso de sangue produzido pelo seu acalorado coração. Quando sentia uma nova paixão, e o coração era impiedosamente bombeado, logo grande parte do sangue era directamente enviado para a bexiga, para aí ser armazenado, e logo expulso pela uretra.
Por ser um assunto complexo, e de demorada explicação, poupo aos leitores os pormenores exactos sobre o modo como o sangue era expelido do corpo do Ruizinho. Posso apenas afiançar que a operação correu muito bem e, ao fim de poucas semanas, já podia levar uma vida normal, e apaixonar-se.
Os anos passaram e o Ruizinho arranjou muitos amigos e conheceu muitas mulheres.
É habitual encontrá-lo à mesa de um bar, onde segue com o olhar qualquer mulher que por lá esteja sentada, ou que acabe de entrar. Depois, confidencia aos amigos “acho que estou apaixonado”, e suspira profundamente. Bebe mais uns copos, e dirige-se à casa de banho. Regressa mais aliviado, pede mais bebidas, e paga uma rodada a todos. Em seguida, volta a ficar com um olhar ausente, distraído, e balbucia, volta e meia, as mesmas palavras de sempre. Depois, levanta-se, e dirige-se de novo à casa de banho. Desculpa-se, dizendo que bebeu muito, mas todos sabem que vai esvaziar o excesso de peso acumulado no coração.
O ritual repete-se várias vezes, quase todas as noites. Apesar de tudo, o Ruizinho é um rapaz normal, agradável, e trabalhador. Anda a pagar uma casa a prestações, e diz à mãe, com quem vai almoçar a um restaurante, todas as semanas, que há-de casar em breve, com uma mulher por quem se apaixone, e que terá muitos filhos.
A mãe dá-lhe conselhos, diz-lhe que não deve ser tão tímido, e que não deve beber tanto, parece mal um rapaz tão pacato e trabalhador sentar-se, todas as noites, a beber, à mesa de um bar.
O Ruizinho não lhe responde. Está permanentemente distraído, a olhar para as outras mesas, e responde-lhe, apenas: “acho que estou apaixonado”.
A mãe cala-se, e fica satisfeita. Pensa que o filho se há-de casar em breve. Olha, atenta, para as outras mesas, à espera de cruzar o seu olhar com o da sua futura nora. Depois, cansa-se, e pede a conta, enquanto o filho vai, de novo, à casa de banho.
A sua mãe bem lhe disse: “querido filho, gosto muito de ti, mas gosto ainda um pouco mais de mim, não te cedo o coração. Quando muito, posso dar-te um rim”.
Depois de alguma hesitação, os seus médicos resolveram colocar-lhe, junto ao coração, uma bexiga de porco. Ao fim de algumas horas no bloco operatório, o Ruizinho ficou com duas bexigas, uma com a sua função normal, outra para auxiliar o sistema circulatório.
Como o leitor comum saberá, e segundo a Wikipedia, Bexiga é o órgão humano no qual é armazenada a urina, que é produzida pelos rins. É uma víscera oca caracterizada pela sua distensibilidade. Na bexiga, encontra-se a uretra (o ducto que exterioriza a urina produzida pelo organismo).
No caso do Ruizinho, a bexiga servia para guardar o excesso de sangue produzido pelo seu acalorado coração. Quando sentia uma nova paixão, e o coração era impiedosamente bombeado, logo grande parte do sangue era directamente enviado para a bexiga, para aí ser armazenado, e logo expulso pela uretra.
Por ser um assunto complexo, e de demorada explicação, poupo aos leitores os pormenores exactos sobre o modo como o sangue era expelido do corpo do Ruizinho. Posso apenas afiançar que a operação correu muito bem e, ao fim de poucas semanas, já podia levar uma vida normal, e apaixonar-se.
Os anos passaram e o Ruizinho arranjou muitos amigos e conheceu muitas mulheres.
É habitual encontrá-lo à mesa de um bar, onde segue com o olhar qualquer mulher que por lá esteja sentada, ou que acabe de entrar. Depois, confidencia aos amigos “acho que estou apaixonado”, e suspira profundamente. Bebe mais uns copos, e dirige-se à casa de banho. Regressa mais aliviado, pede mais bebidas, e paga uma rodada a todos. Em seguida, volta a ficar com um olhar ausente, distraído, e balbucia, volta e meia, as mesmas palavras de sempre. Depois, levanta-se, e dirige-se de novo à casa de banho. Desculpa-se, dizendo que bebeu muito, mas todos sabem que vai esvaziar o excesso de peso acumulado no coração.
O ritual repete-se várias vezes, quase todas as noites. Apesar de tudo, o Ruizinho é um rapaz normal, agradável, e trabalhador. Anda a pagar uma casa a prestações, e diz à mãe, com quem vai almoçar a um restaurante, todas as semanas, que há-de casar em breve, com uma mulher por quem se apaixone, e que terá muitos filhos.
A mãe dá-lhe conselhos, diz-lhe que não deve ser tão tímido, e que não deve beber tanto, parece mal um rapaz tão pacato e trabalhador sentar-se, todas as noites, a beber, à mesa de um bar.
O Ruizinho não lhe responde. Está permanentemente distraído, a olhar para as outras mesas, e responde-lhe, apenas: “acho que estou apaixonado”.
A mãe cala-se, e fica satisfeita. Pensa que o filho se há-de casar em breve. Olha, atenta, para as outras mesas, à espera de cruzar o seu olhar com o da sua futura nora. Depois, cansa-se, e pede a conta, enquanto o filho vai, de novo, à casa de banho.
17 Comments:
Os cientistas andam a ver se conseguem ajustar geneticamente os corações de porco para serem transplantáveis aos humanos. Isso solucionaria muita coisa. Já agora, porque não um coraçãozinho de vaca? Era o fim de todas as arritmias e palpitações! :)
...para as mulheres, não para o seu protagonista, de quem n senti compaixão. :)
A propósito deste comentário, fiz uma pesquisa rápida no google sobre o coração das vacas. Pesam cerca de 2250 gramas (ao contrário do coração dos humanos, que pesa entre 200 a 425 gramas), mas a média de batidas por minuto entre um coração humano e um coração de vaca é mais ou menos o mesmo.
O coração de uma vaca é maior que o humano, e é mais ou menos proporcional ao peso.
As mulheres ficariam com um enorme coração. Poderiam, assim, dizer mais facilmente a expressão: "sinto um grande peso no coração"!
N era para levar à letra! Mas acho q percebeu. :)
Incrível é como o porco por dentro é igualzinho a nós... é um bicho q n gosto nada e me mete nojo mesmo... talvez porque em criança ia com a minha avó dar-lhes de comer e ouvia-os a guinchar aflitivamente com a fome e depois a comerem com grande sofreguidão e a meterem o focinho todo na gamela: enfim, a executarem a sua natureza e a comerem que nem porcos! :)
*em cima n é "de quem", mas "por quem".
Os porcos também têm um faro notável, muito melhor do que o dos próprios cães, dizem os especialistas.
Além de que comem tudo o que lhes metem à frente- são muito úteis para fazer desaparecer cadáveres, por exemplo :)
Os homens seguem-lhes o exemplo, e aproveitam todas as partes do corpo do porco para serem comidas.
Até sinto uma certa compaixão por esses bichos inegavelmente inteligentes. Todavia, ainda estou longe de os afastar por completo da minha dieta alimentar.
E lá estou eu a fazer comentários à letra sobre os bichos em questão :)
Que tal um coração de melão?
É? Olhe, eu afasto o porco ao máximo do meu metabolismo, pelas razões ditas. Prefiro as vaquinhas, pastei-as e mugia-as algumas vezes, nos meus tempos na Arcádia (ou quase perto - ;)) e são muito meiguinhas. :)
Por isso, qd estiver em falência cardíaca, recuso determinantemente coração de porco glutão e roncador!
Viva amigo Lugones!
Antes de mais, parabéns pelo post! Está fixe! Queria também lhe dizer que lhe dediquei o manifesto do meu novo blog de contos: http://contosdoaristotelico.blogspot.com/(mas não me tome pelo outro amigo que lhe pedia para ler os contos. Rápido compreenderá que sou de outra louça).
Um abraço!
Devido ao facto de estar, há alguns dias, numa terra do interior português onde o acesso à internet é escasso, apenas agora estou a ver as novidades blogosféricas.
Concordo com a cara Else, também acho que as vacas são bastante meiguinhas, nomeadamente quando as vejo dentro de um pão, em pequenos pedaços :)
De qualquer forma, tenho a ambição de me tornar, um dia, vegetariano.
Infelizmente, em Portugal, a cozinha vegetariana ainda se inspira em demasia na macrobótica.
Já se vêem, contudo, e felizmente, alguns bons restaurantes.
Amigo Aristotélico, felicito-o pelo seu novo blog, e fico comovido com a dedicatória! Vou lê-lo com atenção, e já deixarei uma palavra!
Abraço
Pois, eu vegeteriana nunca, sou omnívora. :)
Um amor de Verão e com o feitiço do vestido (como o feitiço do bigode q falavamos da outra vez...)
http://vimeo.com/4338840
O sistema informático da idade da pedra que estou a usar por estes dias não me permite, por agora, ver esse vídeo! Mas fiquei curioso!
Eu tou pelos Algarves e com toda a performance e rede. :)
O Filme é o Robe d'Été do Ozon. Se calhar já viu. Eu vi há dias e gostei bastante. :)
Já vi alguns filmes do Ozon, mas não conheço esse, tenho de o ver!
Boa estadia nos Algarves, e não vá para o pé de rochas em perigo de ruir :)
Caro amigo Lugones, gostei muito do teu post! Resolvi então dedicar-te o meu último texto, até porque já vi que estamos em maré de dedicatórias.
Espero que esteja tudo bem contigo, suponho que em digressão pelo interior do país ;)
Até breve e um abraço,
Catarina
Cara Catarina, sinto-me lisonjeado com a dedicatória, ainda por cima sabendo que o teu texto é imensamente superior a este meu modesto conto de amores de Verão!
Para que os nossos leitores tenham o privilégio de ler o texto em causa (e os textos anteriores, também),aqui fica o link para o blog:
http://kairoscolloque.blogspot.com/
Mais uma dedicatória, para o Low:
sem truque trabalho
numa cantiga
trepo ao telhado
puxo a cortina
uma ideia
por resolver
coração torto
verão morto
e já não há nada
a fazer.
:p :p :p
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