Os Banhistas Zombies
Contrariando a tendência geral, gosto de ir à praia logo depois de o Verão acabar. O extenso areal fica quase deserto, mesmo nos locais geralmente mais procurados, como as sombras das falésias.
Sento-me nas cadeiras vazias do ultra moderno Coconut Club, que se encontra fechado durante o dia, fora das épocas balneares, pego num livro, e leio-o durante algum tempo. Depois, levanto-me, descalço-me, e meto os pés na areia.
Ignoro os avisos que há dispersos, nesta altura, um pouco por toda a praia: “Cuidado Com os Banhistas Zombies”. Já me habituei.
O fenómeno dos Banhistas Zombies ainda não está devidamente explicado e documentado, mesmo pelos especialistas. Não se sabe exactamente em que altura aparecem. Ao contrário do que diz a sabedoria popular, presente em antigos ditados como o famoso “Não vás no Outono para a areia, que aparece o Banhista Zombie, com a maré cheia”, existem relatos de avistamentos destas criaturas durante outras Estações, como em certas manhãs de Março, antes do início da Primavera, durante o Natal, ou mesmo na Época Alta, no cume do Verão. Alguns autores mais ousados sugerem, mesmo, que a presença dos Banhistas Zombies na praia é uma constante ao longo de todo o ano, e que estes se confundem com a multidão, e que apenas são notados quando há menos gente na praia.
O ditado padece de outras incongruências. Não é verdade que surjam somente durante a maré cheia. Neste momento, está maré baixa, e já vejo, lá ao fundo, a andar em direcção à costa, uma família inteira destes espécimes.
Posso afiançar-vos, desde já, que os avisos na praia pecam por serem excessivos e alarmistas. Ao contrário do que acontece com os terríveis proboscídeos com pernas de aranha, que todos os anos reclamam, pelo menos, a vida a meia dúzia de incautos veraneante desprevenidos, nunca ouvi falar de ataques perpetrados por Banhistas Zombies. Pelo contrário, até são muito simpáticos.
Hoje, por exemplo, perguntaram se queria jogar futebol, ao que acedi. É bom jogar contra eles, as algas nos seus pés fazem-nos escorregar diversas vezes no chão, e as articulações, amadurecidas pelo sal, ao longo dos anos, ficam endurecidas, e impedem-nos de se movimentar lestamente. Ganhei facilmente a partida, tal como nos jogos de cartas, “O Burro em Pé”, e o “Peixinho”.
Depois, ficámos, como sempre, a conversar um pouco. Disse-lhes que a estrada para a praia já estava alcatroada, que a velha casa em ruínas que ficava a meio do caminho dera lugar a um Hotel de Charme de 6 Estrelas, que o dono do antigo Bar de Praia se reformou há muito, e que vendeu ao actual proprietário do Coconut Club a concessão do seu espaço, bem como o anterior pinhal que lhe estava adjacente, e que foi transformado num enorme parque de estacionamento.
Os banhistas zombies esquecem-se sempre dessas notícias, que lhes conto vezes sem conta. Falam-me, antes, das dunas da praia, ou dos pálidos vestígios que delas restam, após Invernos sucessivos de fortes enxurradas.
Explico-lhes que há muitos anos eu ia para lá brincar com as outras crianças da altura, e fingíamos que éramos piratas do Século XVII, à procura de um tesouro escavado no meio da areia. Reparo nos rostos carcomidos dos Banhistas Zombies, e num brilho que se forma nos que resta dos seus olhos.
Oferecem-me comida, mas recuso. Propõem-me jogar mais partidas de futebol, ou de ténis, ou de cartas. Perguntam se não quero nadar, com eles até à linha do horizonte.
Mas estou cansado. O seu entusiasmo juvenil, e as suas brincadeiras acabam por me fatigar. Já se aproxima o fim da tarde, vou para casa fazer o jantar, a minha mulher deve estar a chegar do trabalho. Além disso, apetece-me ler este livro, e ainda vou acabar uns processos, que tenho de entregar amanhã.
Por isso, com um sorriso, despeço-me deles. Digo-lhes “até para o ano”, meto os auscultadores do ipod nos ouvidos, e sigo em direcção ao carro. Ainda olho para trás, uma última vez, e vejo, lá ao longe, os Banhistas Zombies, a brincar no areal, lutando desenfreadamente pelas colinas, dunas de areia a fundo perdido, navegando para lá da linha do horizonte.
Sento-me nas cadeiras vazias do ultra moderno Coconut Club, que se encontra fechado durante o dia, fora das épocas balneares, pego num livro, e leio-o durante algum tempo. Depois, levanto-me, descalço-me, e meto os pés na areia.
Ignoro os avisos que há dispersos, nesta altura, um pouco por toda a praia: “Cuidado Com os Banhistas Zombies”. Já me habituei.
O fenómeno dos Banhistas Zombies ainda não está devidamente explicado e documentado, mesmo pelos especialistas. Não se sabe exactamente em que altura aparecem. Ao contrário do que diz a sabedoria popular, presente em antigos ditados como o famoso “Não vás no Outono para a areia, que aparece o Banhista Zombie, com a maré cheia”, existem relatos de avistamentos destas criaturas durante outras Estações, como em certas manhãs de Março, antes do início da Primavera, durante o Natal, ou mesmo na Época Alta, no cume do Verão. Alguns autores mais ousados sugerem, mesmo, que a presença dos Banhistas Zombies na praia é uma constante ao longo de todo o ano, e que estes se confundem com a multidão, e que apenas são notados quando há menos gente na praia.
O ditado padece de outras incongruências. Não é verdade que surjam somente durante a maré cheia. Neste momento, está maré baixa, e já vejo, lá ao fundo, a andar em direcção à costa, uma família inteira destes espécimes.
Posso afiançar-vos, desde já, que os avisos na praia pecam por serem excessivos e alarmistas. Ao contrário do que acontece com os terríveis proboscídeos com pernas de aranha, que todos os anos reclamam, pelo menos, a vida a meia dúzia de incautos veraneante desprevenidos, nunca ouvi falar de ataques perpetrados por Banhistas Zombies. Pelo contrário, até são muito simpáticos.
Hoje, por exemplo, perguntaram se queria jogar futebol, ao que acedi. É bom jogar contra eles, as algas nos seus pés fazem-nos escorregar diversas vezes no chão, e as articulações, amadurecidas pelo sal, ao longo dos anos, ficam endurecidas, e impedem-nos de se movimentar lestamente. Ganhei facilmente a partida, tal como nos jogos de cartas, “O Burro em Pé”, e o “Peixinho”.
Depois, ficámos, como sempre, a conversar um pouco. Disse-lhes que a estrada para a praia já estava alcatroada, que a velha casa em ruínas que ficava a meio do caminho dera lugar a um Hotel de Charme de 6 Estrelas, que o dono do antigo Bar de Praia se reformou há muito, e que vendeu ao actual proprietário do Coconut Club a concessão do seu espaço, bem como o anterior pinhal que lhe estava adjacente, e que foi transformado num enorme parque de estacionamento.
Os banhistas zombies esquecem-se sempre dessas notícias, que lhes conto vezes sem conta. Falam-me, antes, das dunas da praia, ou dos pálidos vestígios que delas restam, após Invernos sucessivos de fortes enxurradas.
Explico-lhes que há muitos anos eu ia para lá brincar com as outras crianças da altura, e fingíamos que éramos piratas do Século XVII, à procura de um tesouro escavado no meio da areia. Reparo nos rostos carcomidos dos Banhistas Zombies, e num brilho que se forma nos que resta dos seus olhos.
Oferecem-me comida, mas recuso. Propõem-me jogar mais partidas de futebol, ou de ténis, ou de cartas. Perguntam se não quero nadar, com eles até à linha do horizonte.
Mas estou cansado. O seu entusiasmo juvenil, e as suas brincadeiras acabam por me fatigar. Já se aproxima o fim da tarde, vou para casa fazer o jantar, a minha mulher deve estar a chegar do trabalho. Além disso, apetece-me ler este livro, e ainda vou acabar uns processos, que tenho de entregar amanhã.
Por isso, com um sorriso, despeço-me deles. Digo-lhes “até para o ano”, meto os auscultadores do ipod nos ouvidos, e sigo em direcção ao carro. Ainda olho para trás, uma última vez, e vejo, lá ao longe, os Banhistas Zombies, a brincar no areal, lutando desenfreadamente pelas colinas, dunas de areia a fundo perdido, navegando para lá da linha do horizonte.
2 Comments:
Este texto tem um bocado de "Piratas das Caraíbas" da Disney. Mas tb a mim me está a custar despedir do Verão e dos vestidos...
Olha a cara Papillon, que agradável surpresa! Como está?
Este texto tem, de facto, algo de Piratas das Caraíbas, pensando bem.
Curiosamente, eu estava mais a pensar no Peter Pan, quando o escrevi. A despedida de todos os Verões parece representar sempre o fim de um ciclo. Os fantasmas do passado encontram-se, todavia, amiúde, nomeadamente, no meio da praia semi deserta, em tardes outonais.
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