segunda-feira, abril 13, 2009

Na Pandra Bomba Ainda Jinga a Hidra Samba- 1ª Parte

Sobre a temática das poéticas pop rock em Portugal, eu e o Artista Que Responde Geralmente pelo nome de Boécio escrevemos uma dissertação sobre os Mler Ife Dada que, por ser um pouco longa, vou agora publicar aqui, em várias partes, após pedidos insistentes de centenas de fãs.
Na 1ª parte, fica uma breve análise do contexto histórico pré-Mler Ife Dada. Segue-se uma análise filosófica das letras, em capítulos posteriores. Aqui vai:

Antes de nos debruçarmos propriamente sobre a singularidade da lírica dos Mler Ife Dada, propomo-nos adiantar e explicitar, desde já, uma premissa: discutir as poéticas do Rock português equivale quase inevitavelmente a traçar um campo de estudo a partir do início da década de 80, altura em que se deu uma eventual apropriação singular de um idioma musical externo e que o fenómeno das bandas teve uma verdadeira repercussão na cultura popular do nosso país.
É claro que a importação do Pop-Rock aconteceu desde que este se tornou numa linguagem universalmente reconhecida, ou seja, desde a década de 60. Contudo, esta importação não foi acompanhada por uma generalizada apropriação reinventiva, ficando-se, na maioria dos casos, pela reprodução mais ou menos fidedigna dos modelos externos, dando origem ao chamado “yé-yé”, maioritariamente praticado por conjuntos de origem académica que faziam versões, em português, de êxitos anglo-‑saxónicos para animar os bailes e as festas juvenis. Há que ressalvar, sem dúvida, as esporádicas excepções do Quarteto 1111 ou da Filarmónica Fraude, estas sim meritórias de uma atenção singular.
Na década seguinte, e por razões políticas óbvias, a música popular portuguesa foi essencialmente desenvolvida pelos cantautores de intervenção, que lutavam contra o Antigo Regime. Com a queda do regime, e uma vez que a divulgação da maior parte do filão destes autores era até então proibida, este fenómeno conheceu uma popularidade ainda maior. Os grupos de Rock só voltaram a aparecer, timidamente, por volta de 1976/1977, através da importação das sonoridades progressivas dos Yes ou dos Genesis por parte de bandas como os Arte e Ofício ou os Tantra, numa altura em que no resto da Europa era já o Punk-Rock que ditava as regras.
No início dos anos 80 tudo mudou com o chamado boom do Rock português. Curiosamente, este boom surgiu, em parte, devido a uma greve dos músicos de estúdio da chamada “Velha Guarda”, que se prolongou durante meses. Nessa época, os artistas dependiam, em grande parte, desses músicos de estúdio, os músicos “de sindicato”, pilares do grande evento musical da época, o “Festival da Canção”. Com os músicos tradicionais longe dos estúdios, estes ficaram vazios, dando assim oportunidades a novos grupos e autores, como foi o caso dos UHF, do Rui Veloso ou dos GNR. Aliado a este facto, existe ainda um outro factor que explica a mudança de panorama no meio musical português: no final dos anos 70, os chamados “músicos de intervenção”, desiludidos, e em crise, foram desaparecendo, aos poucos, da cena musical. Com a mudança da conjectura política, as letras panfletárias perderam muito do seu sentido e abriram o caminho para uma “nova” linguagem musical. Pode dizer-se que o famoso êxito de Rui Veloso, “Chico Fininho”, marca definitivamente esta mudança de paradigma. O Rock português tinha condições finalmente para fundar um idioma próprio, que foi capaz de atrair a colaboração de pessoas de outros meios que não a música, como Miguel Esteves Cardoso, que começa a escrever letras para os Sétima Legião ou para Manuela Moura Guedes. Embora, por exemplo, Vítor Rua discorde que alguma vez em Portugal se tenha criado uma gramática própria do Rock que desse origem a um fenómeno que pudesse ser genuinamente descrito como “Rock português” (e não meramente “Rock feito em Portugal”)
[1], o facto é que foi essencialmente a partir desta época que a associação entre a nossa língua e este meio de expressão se tornou facilmente reconhecível pela cultura popular. O número de bandas multiplicou-se, bem como a distribuição geográfica, que deixou de se limitar aos centros urbanos para proliferar também pelo interior, onde antigos grupos de baile de aldeias e vilas remotas se transformavam, à pressa, em bandas de Rock português. As editoras e os concursos de música começaram também a surgir às centenas, um pouco por todo o lado. Como seria de esperar, a qualidade musical e lírica da maioria dos grupos era bastante sofrível.
O boom durou cerca de dois anos, até 1983/1984, altura em que as editoras se deram conta de que o filão se esgotara. De entre os grupos existentes, apenas os melhores sobreviveram. É então que surge uma nova etapa na história do Rock português, aquela que aqui nos interessa particularmente, e que está intimamente relacionada com a criação do Rock Rendez Vous, que albergou seis concursos com a designação de “Concursos de Música Moderna”. Foi nestes concursos que surgiram ao vivo, pela primeira vez, bandas como Ocaso Épico, Croix Sainte, Radar Kadhafi, Linha Geral, M’as Foice, Pop Dell’arte, Mão Morta e, claro, Mler Ife Dada....

(continua)


[1] «Quando se fala em “Rock Alemão”, não se está somente a referir o facto desse rock ser geograficamente realizado na Alemanha, mas, sim, porque no rock alemão existe uma linguagem e uma tecnologia, que o distinguem de, por exemplo, um rock inglês ou americano. Nesse sentido, não existe “rock português”, como não existe “rock espanhol” ou “marroquino” ou “rock italiano”, existe sim um rock feito em Portugal, uma vez que nunca nesta tipologia se conseguiu criar uma gramática musical (adoptada por vários músicos ou grupos de músicos), que fosse própria da nossa tradição musical», Rua, Vítor, “Improvisos sobre o Rock em Portugal”, Jornal Blitz, Suplemento Manifesto, 1992, http://anos80.no.sapo.pt/art007.htm.


4 Comments:

Blogger Maria Ostra said...

Jingaste a Hidra Samba muito bem, não foi preciso benevolência :)
Fica um reforço desta ostra para que se repita a iniciativa. Afinal, e ao contrário do que muitos pretendem sugerir, o Rock/Pop português existe e pensa!

4/13/2009  
Blogger Ela said...

OMG!!outra vez?!e a saga continua!LOL!

4/14/2009  
Blogger Abssinto said...

Prenderam-me a atenção. Fico à espera dos próximos capítulos (e a assim já não fico a zeros em relação à iniciativa "Poéticas do rock").

abraços

4/14/2009  
Blogger E. A. said...

Muito interessante... e mais n posso dizer, pq é-me um tema quase alheio. Seguirei os próximos andamentos. :)

4/15/2009  

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