quinta-feira, abril 16, 2009

Na Pandra Bomba Ainda Jinga a Hidra Samba- 2ª Parte

Nesta segunda parte do texto, começamos a falar do caso concreto dos Mler Ife Dada e das "Coisas Que Fascinam" o seu Universo. Passaremos, em seguida, na 3ª Parte, a discutir, especificamente, as suas letras:

Falando do caso particular dos Mler Ife Dada, e dado que é a banda objecto do nosso estudo, será interessante centrarmo-nos um pouco nas suas raízes. O líder desta banda, e principal compositor e letrista, é o baixista Nuno Rebelo, oriundo de Cascais e antigo membro dos Street Kids, uma banda new-wave que, curiosamente, cantava de início em inglês, no momento da afirmação do Rock cantado em Português (as primeiras gravações dos Street Kids datam de 1980). Em 1982, os Street Kids resolveram optar pela língua de Camões, e começaram a escrever letras com maior intervencionismo social. Do seu único álbum, com o título Trauma, fazem parte músicas com títulos auto explicativos, como “Tropa Não”; “Propaganda”ou “Nunca Pensei que te anulasses tão bem”. O primeiro verso de “Propaganda” rezava, por exemplo, o seguinte: «Ontem fui ao Supermercado/ Ontem fui ao Super Popular/ Fiz Compras aos preços actuais/ Notei subidas nas tabelas gerais». O grupo acabaria pouco depois e Nuno Rebelo, após uma breve colaboração com os GNR (grupo com o qual se viria a cruzar várias vezes), formou os Mler Ife Dada, em 1984. Da formação inicial faziam parte (para além de Nuno Rebelo) Augusto França, Kim, e o vocalista Pedro D’Orey. Esta formação gravou, em 1985, o primeiro máxi-single da banda, que continha três temas: “Zimpó” (cantado num misto de várias línguas), e os temas em inglês “Stretch my Face” e “Spring Swing”. Pedro d’Orey abandonou a banda pouco depois, tendo sido substituído pela vocalista Anabela Duarte, que entrou a tempo de gravar o segundo single da banda, "L'amour va bien, merci", editado na Ama Romanta, Editora Independente, formada por João Peste, dos Pop Dell'arte.
A propósito desta canção, vale a pena recordar as palavras de Anabela Duarte acerca do processo de gravação: «Esse single é uma pérola. Uma mina de ouro, na melhor das hipóteses... Adorei cantar, adorei o estúdio de oito pistas, adorei a capa. Adorava os músicos e diverti-me imenso a ver pelo vidro do estúdio a cara de prazer e de gozo do João Peste, enquanto eu ia inventando o meu discurso em francês transcendental, falando na devida desproporção entre emoção e sexo e cães a ladrar e política liberal e de como o chá faz mal à garganta e outras coisas importantíssimas!...»[1]. Parece-nos importante salientar, a propósito desta afirmação, o seguinte: em primeiro lugar, surge uma “declaração de intenções” acerca das “coisas que fascinavam” os Mler Ife Dada; em segundo lugar, confirma-se a existência de uma forte ligação entre os dois projectos mais importantes da Ama Romanta inicial (e, também, dos dois grupos de Pop-rock dito “experimental” mais importantes de sempre da música portuguesa), patenteada numa certa proximidade entre o universo da lírica dos Pop Dell’arte e dos Mler Ife Dada. Como que a confirmar esta afinidade estética, convém lembrar que o álbum de estreia dos Pop Dell’arte foi produzido justamente por… Nuno Rebelo.
Uma outra “declaração de intenções” da banda pode ser lida no texto que acompanha o primeiro álbum, Coisas que Fascinam, de 1987, gravado já para uma editora maior, a Polygram, no qual são supostamente enumeradas (algumas) das “coisas que fascinam” os Mler Ife Dada: «A muralha da China. Os papagaios que falam. A lua e o céu à noite. A trovoada, os relâmpagos. O arco-íris e as manchas de óleo numa poça de água. O brilho cegante dos soldadores. O mar e os sons da água nos rios (fechar os olhos e ouvi-los em stereo), fazer o mesmo com os carros que passam e as pessoas que falam. Confusões de vozes numa festa (esquizofrenia sonora). O Jardim Zoológico e o Aquário (as cores dos peixes). O fantástico mundo submarino. As conchas. Os cogumelos, os fungos e líquenes nas árvores. As lagartas brancas nos cadáveres. Os cristais de resina nos pinheiros. Os frutos tropicais e as ilhas exóticas. Comidas deliciosas. Roupas extravagantes. Os samurais, os egípcios, os romanos, a fábula de Veneza. A tragicomédia de Nova York. Aquela pessoa, porque é bonita. Aquela outra, porque diz coisas interessantes e inesperadas. Ainda outra pessoa por ser assim como é. Espaços amplos, espaços completamente claustrofóbicos. Espaços construídos, espaços destruídos. Mil coisas que se encontram no ferro velho. Os cristais de quartzo, estaurolitos, minérios brutos. As línguas estrangeiras, tanto mais fascinantes quanto mais incomuns e indecifráveis. O fogo, a idade média», fragmentos de realidade sem aparente relação entre si mas de cuja heterogeneidade imana talvez a totalidade do mundo («Toda a história do mundo [...] Luzes, cores, sons, povos, espaços, o tempo»), não como uma unidade de sentido, mesmo que indecifrável, mas como os signos parciais que povoam a própria superfície do real, entendida como uma linha contínua e ilimitada de produção de sentido (donde «os sintetizadores e o futuro»). Esta enumeração não categorial, finita mas ilimitada, sugere desde logo que o fascínio não pode advir da representação ou reprodução significantes, pois que «são um nada as coisas que eu compreendo e essas não me fascinam»
[2]. A declarada alergia à semiótica aproxima, por um lado, os Mler Ife Dada do movimento modernista que ostentam no nome (o dadaísmo) e, por outro lado, acciona, tal como tentaremos mostrar, uma negociação específica com os significantes que estruturam a matriz da linguagem do Pop-Rock....
(continua)

[1] Duarte, Anabela, http://anos80.no.sapo.pt/mlerifedada.htm.
[2] Rebelo, Nuno, Coisas que Fascinam, Polygram, 1987.

25 Comments:

Blogger Abssinto said...

Ça me fascine.

4/16/2009  
Blogger Lugones said...

Amigo abssinto, obrigado pelas palavras simpáticas!
Abraço

4/17/2009  
Anonymous stay sick said...

É pena haver só dois videos dos Mler Ife, no youtube...
Acho tanta piada aquela música deles:"Choro do Vento e das Nuvens".

Também gosto do "À Sombra Desta Pirâmide" e "L´Amour Va Bien, Merci" e ...
;)

4/17/2009  
Anonymous stay sick said...

(Ah, há qualquer coisa diferente neste blogue... Mudaram o aspecto?)

4/17/2009  
Blogger Alberto Colima said...

Mas que sobriedade!

4/17/2009  
Blogger Lugones said...

Aristotélico
Avenida ...., Lote..., nº...
Código Postal ....

Lisboa, 17 de Abril de 2009

Amigo Aristotélico,
Acaba de denunciar a nossa mais recente tendência blogueira de sobriedade. E eu que estava a gostar tanto de fazer estes posts mais solenes!
É por causa da Páscoa e do pós-Páscoa, meu caro (que também está presente no belo quadro que está no seu perfil).
Os excessos de celebração da Ressurreição levaram-nos a esta tendência mais recolhida.
Mas o Verão aproxima-se, e sob o manto diáfano palaciano do ângulo, surgirá a nudez forte saxofónica (seja lá o que isso for).

Subscrevo-me, com os melhores cumprimentos,

Atenciosamente

Leo Lou Go Ness

4/17/2009  
Blogger apartado said...

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4/19/2009  
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4/19/2009  
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4/19/2009  
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4/19/2009  
Blogger Safo said...

Na pandra bomba ainda jinga a hidra samba
Conga tom-tom bambu, num mundo pandra
Na sala zomba o quadro do canto
E a pedra bomba rebenta num espanto

Na pandra bomba ainda joga a vida bamba
Pandra de pau, tabu, magia zanga
No quarto grita o rádio do canto
E a pedra bomba rebenta num espanto

Zig zig zebra zeze e pó daqui
Espiral em arco-íris só para mim
Na sombra branca ainda brinca a pandra bomba
Sangra surucucu jingando a ganga
Na rua canta a estátua dum santo
E a pedra bomba rebenta num espanto.

Zig zig zebra zeze e pó daqui
Espiral em arco-íris só para mim

4/19/2009  
Blogger Safo said...

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4/19/2009  
Blogger Safo said...

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4/19/2009  
Blogger Safo said...

"À Sombra Desta Pirâmide"

Bô haranê mugund’ aláfahen haualá hate,
Alê elmikulia almimustiemin.
Habebinda!
Sahá, sebá
Eralê-á.

Lê muna am bô gini,
Ê hatlia gini al giná.
Bô gini, abebê lê munam
Bô gini al giná lêtli haliloi munam
Bô gini al giná lêtli haliloi haialê.

Uá uakevelik, lau-há lêrassan emin
Shehir dachme loha-nuen, hakoliseiton.
El maclodmink nahin hevi lau-há. Ua
Meinbi hebi essma. Abcurtz, Goya, Van
Gogh, Aracim, Renoir, Velasquez ua
Gauguin.

Lê muna am bô gini,
Ê hatlia gini al giná.
Bô gini, abebê lê munam
Bô gini al giná lêtli haliloi munam
Bô gini al giná lêtli haliloi haialê.

Enquanto a areia cai
E a água do Nilo vai,
A Esfinge dali não sai.

4/19/2009  
Blogger apartado said...

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4/19/2009  
Blogger Lugones said...

Caro Luis Carlos, obrigado pelo comentário!
Quantos às letras dos Mler Ife Dada, a cara Safo já disponibilizou a "Pandra Bomba" e "À Sombra Desta Pirâmide".
As letras estão todas disponibilizadas, na íntegra, nos folhetos dos dois álbuns do grupo, "Coisas Que Fascinam" e "Espírito Invisível".
O próprio texto de apresentação, que falei neste post, está no folheto do primeiro álbum.
Quanto às letras, falamos delas na nossa análise, mas não na íntegra.
Contudo, até para os leitores compreenderem melhor o texto, é capaz de ser pertinente colocá-las.
De qualquer forma, se quiser mais alguma letra específica, podemos colocá-la aqui.
As letras que me disse que tinha fazem todas parte do primeiro álbum da banda (Coisas Que Fascinam).
Quanto ao tema "Ele e Ela", que fazia parte do lado B do single "L'amour va bien, merci", não foi, segundo sei, reeditado em qualquer formato. É uma das poucas músicas da banda (juntamente com Stretch my face, do primeiro single, e o último EP, com a vocalista Sofia Amendoeira) que ainda não saiu em CD.
Não sei onde poderá ser encontrada.

4/19/2009  
Blogger apartado said...

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4/19/2009  
Blogger apartado said...

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4/20/2009  
Blogger Lugones said...

Caro Luis Carlos, deveria fazer-se uma petição para os Mler Ife disponibilizarem a versão do "Eu e ela", nem que fosse no myspace da banda! Quanto às letras:

Erro de Cálculo (do álbum "Espírito Invisível)

A luz branca do meio-dia
Levou-me a andar no ar
Subi ali a voar
Ouvi o que me dizia

Assim que o sol começou a brilhar
Eu vi o que não via
Vi como a vida só se construía
Com gente a circular

Ah! Um erro de cálculo
Ah! Um erro de cálculo

Se mo tirassem…ainda o via
Se mo deixassem…não mais temia
Se me dissessem…desconfiava
E se mo dessem…não lhe pegava

Oh my sweet and tender love
You’re so far away
Far from here I’m so alone
It’s a long long way

A luz negra ao deitar
Lembrou-me o fim do dia
Não vi nada enquanto ia
Cantando ao luar

E quando a luz se apagou havia
Um espírito a vibrar
Que tanto espanto pôs no meu pensar
Enquanto eu ainda sorria

Ah! Um erro de cálculo
Ah! Um erro de cálculo

Se o chamassem…ele não ficava
Se o explicassem…não mais andava
Se o quisessem…ele gostaria
Se o matassem…eu morreria

Oh my sweet and tender love
You’re so far away
Far from here i’m so alone
That’s why I’m so afraid

Subo devagar Se te queres matar mata-te
Eu sou invisível Depressa
Eu sou invisível Ou devagar


Música do Homem Que Anda (do álbum Espírito Invisível)

Homem vermelho
Não posso passar
Continuo a andar

Caras diferentes
Em roupas iguais
E caras iguais em roupas diferentes
Continuo a andar

Montras que mostram
O que querem vender
E eu quero comprar, mas
Continuo a andar

Vejo o homem
De luz verde
Já posso passar
Atravessar a rua
Continuo a andar

Caras ao volante
Luz vermelha
Não podem passar
Mas eu posso
E continuo a andar
A música
No meu walkman
Já me faz dançar
Continuo a andar
Já quase a dançar
Continuo a andar

Olho com cuidado
Ando com cuidado
Avanço com cuidado

A andar com música no ar
No meu walkman

A andar com música no ar
No meu walkman
E continuo a andar

4/20/2009  
Blogger apartado said...

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4/20/2009  
Blogger apartado said...

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4/20/2009  
Blogger Lugones said...

Acho que se deve fundar um movimento cívico cibernético para recolher assinaturas de fãs! :)
Ou fazer muitos comentários nos dois myspace dos mler ife dada

4/22/2009  
Blogger Lugones said...

Outra hipótese, mais fácil:
não sei se conhece o site www.rateyourmusic.com, mas se for lá à página dos mler ife dada, verá que falam desse single.
Há um comentador, chamado jlebre, que, aparentemente, tem o single em vinil.
Se clicar no perfil dele, mostra o seu mail.
Talvez possa pedir-lhe uma cópia.

4/22/2009  
Blogger apartado said...

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4/22/2009  
Anonymous nuno rebelo said...

já passaram mais de dez anos desde que o seu texto foi publicado neste blog. Para mim foi uma agradável surpresa e foi com emoção que li as suas palavras acerca das minhas. Se a minha vida na música me tem gratificado, ao longo dos anos, com os mais rasgados elogios, poucas vezes alguém se debruçou sobre as palavras que escrevi. Seguramente nunca, como você o fez, de maneira tão profunda e acertada. O meu muitíssimo obrigado! Nuno Rebelo

1/12/2020  

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