terça-feira, abril 21, 2009

Na Pandra Bomba ainda Joga a Vida Bamba- 3ª Parte ( já estava farto de colocar sempre "Na Pandra Bomba Ainda Jinga a Hidra Samba)

Aqui fica a 3ª parte do texto. Esta é mais curta, pois antecede um longo trecho, que seria inconveniente cortar. Em breve, colocarei a 4ª parte.

....Feita de montagens de estilhaços de palavras, aliterações, onomatopeias, fonemas incompreensíveis e de escrita automática, a poética dos Mler Ife Dada faz jus ao nome da banda ao recuperar o non-sense e o ready-made dadaístas. A influência dos poemas sonoros de Hugo Ball ou Kurt Schwitters, os quais são constituídos unicamente por fonemas sem significado, são claras em temas como “Zuvi Zeva Novi” (onde o título da música é repetido várias vezes, até à exaustão, em constantes aliterações) ou em “À sombra desta pirâmide” e “Xwé Xwé” (nas quais a sintaxe tende a simular a fonética de idiomas indecifráveis que são sugeridos pela estrutura melódica, uma ladainha pseudo-arábica no primeiro caso e um dialecto africano, no segundo). O uso do ready‑made, por sua vez, pode ser encontrado em “Oito doces” (a letra não é mais do que a literal enunciação de oito doces: bolo de laranja, cassata, pudim de coco, pastel de nata, arroz doce, tarte gelada, doce de pêra e goiabada), em “Festa da Cerveja” (inicialmente concebido como jingle de 20 segundos para uma marca de cerveja alemã, que acabou por se recusar a ouvir o trabalho, levando Nuno Rebelo a cortar a fita multipistas com uma tesoura, de modo a deixar de fora o nome da marca e mantendo unicamente frases-chavão associadas ao produto, distribuídas por duas partes iguais, cada uma com uma mistura diferente: «Linda cerveja vem nesta bandeja/ Bela caneca que os meus lábios beija/ Espuma de oiro requinte plena sedução/ Festival da total satisfação/ Baviera, tradição») ou ainda em “Alfama” (que enuncia, em tom narrativo, os clichés associados à temática do fado). Estes exemplos mostram, sem dúvida, e à primeira vista o humor da banda, que assume assim a ligeireza associada à música popular e a função primordial que a acompanha, que é a de divertir: levar esta função até ao limite implica, no seu caso, esvaziar a lírica de conteúdo semântico e subjugá-la ao ambiente criado pela base musical. Contudo, esta postura não pode deixar indiferente o meio de expressão, fundando assim uma vertente que podemos denominar de “operativa” e que não deixa também de se inscrever num certo gesto dadaísta, sublinhado outrora por Hugo Ball («Para nós, a arte não é um fim em si mesmo [...] mas é uma oportunidade para a verdadeira percepção e crítica da época em que vivemos»[1]), mas também indirectamente por Tristan Tzara («DADA não é loucura, nem sabedoria, nem ironia, olha para mim, gentil burguês»[2]): se Ball encarava a arte como um meio de acção política, Tzara não podia deixar de reconhecer que as forças aparentemente niilistas que alimentavam as performances dadaístas eram simultaneamente disparos contra as instituições artísticas (mesmo as ditas “de vanguarda”) e linhas de fuga que apontavam novas direcções....

(continua)



[1] « For us, art is not an end in itself […] but it is an opportunity for the true perception and criticism of the times we live in», Ball, Hugo, Flight Out of Time: a Dada Diary, University of California Press, 5 June 1916.
[2] «DADA n’est pas folie, ni sagesse, ni ironie, regarde-moi, gentil bourgeois», Tzara, Tristan, “Manifeste de Monsieur Antipyrine”, Lampisteries précédées des Sept Manifestes Dada (1924), Jean‑Jacques Pauvert, p. 16.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

muito bom*****

4/21/2009  

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