Mais uma história de Zombies
- Muito boa tarde. Linha erótica “Eterno Prazer”. Daqui fala a Solange. Em que posso ser útil?
- Hum…bem, quer dizer, não acho que este seja um início de conversa muito promissor…
- Muito promissor? Como assim? Fui antipática? Desejei-lhe boa tarde, disse de onde falava, indiquei-lhe o meu nome, e ofereci-lhe os meus préstimos…
-Não coloco isso em causa, mas não podíamos começar de um modo um bocadinho menos formal? Para já, podias tratar-me por “tu”, como se eu fosse o teu namorado, ou…ou…
- Ou amante?
- Sim, isso.
- Para isso, tinhas de dizer o teu nome. Ainda não te apresentaste.
- Não necessariamente. Bastava teres atendido, com um “olá, querido”. Olha… trata-me por “Rolf”.
- Rolf? Isso não é nome de cão?
- Achas? Rolf é um nome muito bonito.
- Pronto, olá, Rolf querido, fico muito feliz por ouvir a tua voz! Está melhor assim?
- Muito melhor! Mas com esta introdução toda, já perdemos um minuto e, neste caso, tempo é dinheiro! Vamos despachar-nos, até porque estou a ligar do telefone fixo, de minha casa, gasto dinheiro e, daí a pouco…hum…terei de desligar…por isso…o que trazes vestido?
- Queres saber o que eu trago vestido, Zé Carlos?
- Zé Carlos? Como é que tu sabes o meu…quer dizer, trata-me por Rolf, já te disse!
- Zé Carlos, a Luisinha está quase a chegar a casa, vinda do trabalho…
- Já te disse, trata-me por “Rolf”, e…que disparates são esses…como é que sabes que a minha mulher se chama…quer dizer, quem é a Luisinha?
- Oh, Zé Carlos, não fiques tão embaraçado! E não precisas de me mentir! Posso, também, garantir-te que a Luisinha ainda vai demorar uns 15 minutos a chegar a casa!
- Como é que sabes?
- Zé Carlos...já nem reconheces a voz da tua querida sogra? Fico triste…
- O quê? Dona Graciete?
- Muito bem, Rolf, acertaste!
- Que brincadeira vem a ser esta? Não podes ser a Dona Graciete, ela nunca trabalharia numa linha erótica, além disso…
- Oh, que preconceito parvo, Rolf! Isso nem parece teu! Tu estavas sempre a recriminar-me por votar nos partidos conservadores, por ser contra o aborto, os preservativos, a pederastia e a pedofilia, e por guardar um retrato do Salazar na mesa-de-cabeceira, ao lado da Bíblia…
- Mais um motivo para não acreditar que a Dona Graciete, tão religiosa, esteja a trabalhar numas linhas eróticas, para mais, depois de ter…
- Vá, vamos parar com essas conversas, que a minha filha deve estar quase a chegar a casa, Zé Carlos! Passemos aos preliminares: sabes o que eu tenho vestido? Um cinto de ligas, e uma lingerie irresistível…de pantera! Gostas? Já provaste pantera?
- Dona Graciete!
- Sim, querido?
- A Dona Graciete morreu há um ano!
- Sim, querido, é verdade. Mais precisamente, há um ano, e sete meses. Mais um motivo para estar excitada, já não faço sexo há muito tempo. Rolf, que cuecas usas? Estás com tesão? Descreve-me a tua pila! É grande? Circuncidada?
- Dona Graciete, vou repetir: a senhora está morta, eu próprio me certifiquei, de que ficava bem enterrada!
- Oh sim, Rolf, enterra-ma toda, já!
- Dona Graciete, pare com essa linguagem ordinária, credo! A Dona Graciete que me perdoe, mas a senhora já não era nenhuma beleza, quando me casei com a Luisinha. A senhora ainda era mais feia, 5 anos depois de nos termos casado. Agora, um ano e sete meses depois de estar defunta, nem quero imaginar a sua aparência…
- Não gostas de mulheres magras, Rolf?
- Dona Graciete, tem de concordar que um esqueleto vestido de pantera não deve ser propriamente a coisa mais apetecível…
- Oh Rolf, tu também não tens muito que falar…
- Como assim, Dona Graciete?
- Rolf, eu sei que tu eras bom rapaz, quando te casaste, mas não eras propriamente uma beleza…aquela pele meio escamada…
- São eczemas!
- Aqueles olhos, que é impossível adivinhar para onde se estão a fixar…
- Chama-se estrabismo!
- Aquele mau hálito insuportável…
- É por causa de uma úlcera…
- E, principalmente, a tua cara, Rolf! Parece que sofreu uma mutação do homem-elefante!
- É genético! Tive um tio-avô assim…
- Deves ter tido uma infância muito infeliz, Rolf!
- É verdade…
- As crianças deviam gozar contigo…
- Sim…
- E bater-te…
- Sim…
-E as miúdas riam-se da tua cara…
- Sim…
- Até os teus pais, não deveriam suportar a tua presença…
- Isso é mentira, mandaram-me viver com os meus avós para bem da minha saúde, para apanhar bons ares, na aldeia…
- Numa aldeia ao lado de uma central eléctrica, e de um matadouro?
- Pelo menos, cresci ao pé dos animais…
- Sejamos frontais, Rolf…os teus pais odiavam-te…
- Não exageremos…
- Os teus avós também te odiariam, caso não fossem cegos…
- Mesmo assim, também me batiam…
- Por isso, é que resolveste aplicar-te nos estudos, e fizeste tudo muito bem, Rolf! Tiraste o Curso de Economia, com uma média de 17 valores, e estás a trabalhar no mesmo escritório, há uma data de anos, a ganhar bom dinheiro, apesar de não teres amigos, e de os teus colegas te odiarem! Parabéns, Rolf!
- Obrigado…
- Como é que conheceste a minha filha? Ah já sei, ela tinha feito um aborto, o namorado deixou-a, e eu recriminei-a, estás a ver, Rolf, na altura em que eu era muito religiosa, e disse-lhe que era castigo de Deus, e que devia fazer penitência. Eu disse-lhe que ela tinha de casar com o homem mais feio à face da Terra, e ser-lhe fiel, e não conseguir praticar actos sexuais com o marido, por ele ser tão repugnante, e grotesco, e impotente…
- Dona Graciete, está a ir longe demais! Eu não sou impotente!
- Não és? Já fizeste sexo com a Luisinha? Vá! Não me mintas!
- Oh, Dona Graciete, uma vez estive quase, quando…
- Estiveste quase? Oh Rolf, por favor…
- É verdade, uma vez em que eu e ela estávamos nus, e eu ia…
- Ah, já sei ao que te referes! Foi quando quiseste ver a minha filha nua e, para isso, tiveste que pedir a um amigo, o Rui, para entrar num ménage à trois…pensaste que ela vos confundiria, no meio do escuro, e…
- Passemos à frente, Dona Graciete, não quero falar de tristezas, hoje tive um dia cansativo…
- Nem me fales disso, Rolf, eu também…
- Estou farto do meu trabalho…todos os dias, é a mesma coisa, e já anunciam despedimentos…
- Comigo, acontece a mesma coisa, Rolf…aqui, nas linhas eróticas, anda a entrar cada vez mais gente…só caras bonitas, sem currículo…agora, contrataram umas adolescentes, que morreram num autocarro, a caminho da viagem de finalistas, em Lloret del Mar…
- A sério? Aquelas que apareciam nas notícias?
- Sei lá, Rolf, já nem vejo notícias…são só desgraças…
- Pois, nem eu…só falam de despedimentos, escândalos sexuais na Igreja…
- Só vejo as notícias desportivas!
- Também eu!
- Como é que anda o Porto?
- Mal…anda a jogar pessimamente. As contratações não convencem, nem mesmo o Ruben Micael. O único de jeito que compraram foi o Falcão.
- Pois, mas acho que o estilo de jogo dele não se enquadra no futebol do Porto. Deviam ter contratado alguém mais parecido com o Lisandro Lopez.
- Também acho! Mas segues o futebol? Desculpa…posso tratar-te por tu?
- Claro que podes! Olha…leio o Record online, antes de entrar em serviço. Mas os meus superiores já me chateiam. Bloqueiam páginas, e estou com um bocado medo de ser mandada embora…
- Mas porquê?
- Rolf, já morri com uma certa idade, agora não posso competir com pessoas novas, com outras vivências, como essas moças que apareceram aí, vindas da viagem de finalistas. Pedem experiência de vida, e juventude, proactividade, espírito de equipa…
-É como no meu escritório…
- E para quê? Onde é que arranjo motivação? Chego ao fim do dia, cansada, e vou para a minha nuvem…nem me apetece tocar harpa…e mesmo que quisesse, os meus vizinhos queixavam-se do barulho, são cá uns idiotas…
- Então, estás no Céu?
- Eu sei lá…se comparar a minha situação com a de algumas pessoas que conheço, até devo estar…lembras-te da Dona Alzira?
- Claro! A sua vizinha da frente, que morreu uns meses antes da Dona Graciete?
- Sim. Ela estava a trabalhar comigo, depois mandaram-na para um Call Center. Agora, anda a vender seguros, numa companhia qualquer, a Cardif, ou algo do género…e mesmo assim, está com medo de ser despedida, e que a mandem para um gabinete de assistência jurídica, por telefone…
- Credo! Coitada da Dona Alzira!
- E agora nem ando a conseguir dormir, com estas preocupações todas.
- Nem eu.
- Antes de ir para a cama, e para adormecer, tenho de ver, pelo menos, três vídeos no facebook, e fazer dois quizzes.
- Olha, acontece-me a mesma coisa!
- Tens facebook?
- Claro! Eu adiciono-te!
- Fixe! Eu não tenho amigo nenhum no facebook. Também tenho Myspace, e só sou amigo do Tom…
- Eu tenho Myspace, mas só o utilizo para divulgar a minha banda de Folk/Rock/Experimental/Alternativo/Cantado em Português…
- Depois tenho de ouvir isso…mas olha….já vamos numa data de linhas de diálogo, e continuo sem perceber qual é o objectivo disto tudo.
- Como assim?
- Sei lá…estes diálogos deveriam ter algum conteúdo, alguma mensagem subjacente, algo que nos fizesse matutar, e crescer enquanto seres humanos. Afinal, já estamos na sétima página, de letras com formato “Calibri”, tamanho 11 e, até agora, tratou-se, apenas, de uma conversa absurda entre um homem, e a sua sogra morta. Se isto fosse um texto de um curso de escrita criativa, teríamos de arranjar alguma coisa mais concreta. Por exemplo…sei lá…quem somos nós, para onde vamos…
- Quem somos? Já explicaste…um homem, e a sua defunta sogra…
- Hum…não é suficiente, tem de haver mais conteúdo…deixa-me pensar…e que tal se isto tudo fosse um diálogo sobre a Morte…vou tentar fazer alguma pergunta séria…hum…diz-me uma coisa: estar morto é o contrário de estar vivo?
- Eu diria que estar vivo não é o contrário de estar morto…
- Que resposta filosófica, Graciete. Começo a ficar verdadeiramente interessado em ti. Eu acho que isto é o início de uma bela amizade!
- Rolf, deixa-te dessas tretas de citações cinematográficas! Já estou farta de ver o Casablanca!
- Yá, também eu! De que género de filmes é que gostas?
- Sei lá…gosto de muitas coisas…gosto do Kaurismaki, do Herzog…e tu, Rolf?
- Trata-me por Zé Carlos! Eu, por acaso, adoro o Herzog…e o Pasolini…
- Sim, mas prefiro o Pasolini da fase inicial, mais neo-realista…
- Adoro o Accattone, por acaso…olha, Gracinda, posso fazer-te uma pergunta?
- Claro, Zé Carlos?
- Gracinda, diz-me lá, outra vez, como estás vestida. A lingerie é mesmo de pantera?
- Pantera pura, Zé. E o meu cinto de ligas é preto.
- Hum…estou a tentar visualizar…parece-me delicioso…
- Já estás com tesão, Zé?
- Acho que sim…e o cabelo, está apanhado? E as unhas? Compridas?
- O cabelo está solto, e as unhas, pintadas de verniz preto…
- Oh, quem me dera ter-te aqui comigo, Graciete…
- Então, e a Luisinha, Zé?
- Ela não precisava de saber…eu escondia-te no armário…
- Oh Zé, que tonto…
- Olha, acho que a Luisinha está a chegar, tenho de desligar…Posso ligar-te mais vezes?
- Quando quiseres, querido…
- Podemos começar a falar de questões existencialistas, e do sentido da vida…
- Como quiseres, Zezinho! Olha, e para terminar, de que cor são as tuas cuecas?
-
10 Comments:
Gargalhei! :D Muito bom!!
Descabelado à la Lugones, mas no entanto, contudo, porém...
Heya Lugones, deu-me arrepios ler este texto, mas não de medo, mais de repulsa... Enfim, sou uma moralista. :)
Anyway: very good, as always.
hehehe,sim de facto um pouco repugnante, mas podia ser bem pior ao estilo do personagem "Allen" em "Happinness",em termos de conversação..com mais uma história "do além" devias considerar uma ida ao novo programa da Julia Pinheiro? :)de resto genial e divertido, como sempre! well done!
Concordo com os leitores, e acho o texto, de facto, pouco repugnante :)
Por acaso, quando o escrevia, lembrei-me do tal programa da Júlia Pinheiro (que nunca vi, mas ouvi falar).
No dia a seguir a ter escrito isto, li, por acaso, pelo menos duas notícias estranhas e/ou repugnantes:
http://aeiou.visao.pt/detidas-duas-mulheres-que-tentavam-embarcar-num-aviao-com-um-morto=f554376
http://sic.sapo.pt/online/noticias/pais/Psiquiatra+considera+imputavel+diminuido+suspeito+de+ter+morto+a+mae+em+Albergaria+dos+Doze.htm?wbc_purpose=baMODEld%25C2%252
Primeiro uma risadiha... Lingerie pantera... Ahahah!
E agora, porque eu já não tenho o hábito de aqui comentar, vou passar aquilo que mais aprecio fazer, que é corrigir: Afinal é Graciete ou Gracinda? ;P
Atente já perto do final, caro Lugones.
(Ou era para se certificar de quem lê ou não na diagonal?!)
;P
Já para não falar da sua resposta em que diz: "Concordo com os leitores, e acho o texto, de facto, pouco repugnante :)"
Não quereria dizer "um pouco repugnante"? :P
(Vá lá, deixe-me ter este gostinho)
Escuso de elogiar o texto, já sabe. Sofro sempre de bichos carpinteiros quando leio as suas pérolas. (Isto é um elogio!)
Ohoh
Tem toda a razão, de se lhe tirar o chapéu!
De facto, cometi um pequeno lapso, com os nomes. Mas agora, vou deixar assim, até gosto da variação de nome Graciete/Gracinda!
Quanto à parte do "pouco repugnante", reflecte, de certa forma, o meu pensamento sobre o tema.
Tentei colocar água na fervura, mas fugiu-me o pensamento para a verdade.
No próximo texto colocarei algo verdadeiramente repugnante :)
Repugne-me, repugne-me, se conseguir, ainda. ;P
Podia ser a banda sonora dos teus contos descabelados:
http://www.youtube.com/watch?v=j3rvRFzRrn4
muito bom o que se lê por aqui, caro Lugones (agora vou ali binocular para qualquer coisa mais focada e a cores que o enjôo marítimo a p6b dá-me cabo dos oculares)
voltei aqui e gargalhei em modo rebol
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