sexta-feira, abril 30, 2010

Fragmentos de um desencanto- 2ª Parte, e Conclusão

Dia 14
Já me andam a pressionar, lá na revista, para que lhes mande um texto.
Expliquei-lhes que andava com dificuldades de concentração, e que não conseguia concluir um conto.
Propuseram-me escrever um poema, cuja temática se debruçasse em temas da actualidade.
Pedi-lhes para me darem alguns exemplos de temas actuais, e mandaram-me, de seguida, alguns tópicos, por mail:
1-A Igreja, a visita do Papa a Portugal, pedofilia.
2-Crise económica, o desinteresse e a alienação da sociedade, e dos jovens.
3-O vulcão islandês.
4-Indie Lisboa.
5-Futebol- Benfica; José Mourinho; Campeonato do Mundo.
Amanhã começo a escrever um poema, que verse sobre esses assuntos.

Dia 15
Levantei-me tarde. Estava calor, saí de casa, resolvi escrever numa esplanada.
Encontrei alguns amigos, e duas colegas da Revista. Parece que também não conseguem escrever, nem trabalhar.
Copos.
Amanhã começo a escrever o poema.

Dia 16
Crise de inspiração.
Saí de casa, e fui dar uma volta.
Cinema, e copos.
Amanhã começo a escrever o poema.

Dia 17
Crise de resultados, no Championship Manager.
Terceira derrota consecutiva.
O meu novo reforço, Yannick Djaló, ainda não se integrou por completo no esquema táctico da equipa. Penso que terei de abandonar o sistema 4-4-2.

Dia 18
Escrevi as seguintes linhas, com o auxílio de um Dicionário de rimas:

Portugal, país riscado do mapa.
Andas por aí aos perdidos,
E a aguçar os sentidos,
Para a vinda do Papa.
Ergues o cravo à toa,
Agarras-te à crise como uma lapa,
E vais ao Indie Lisboa,
Enquanto te roubam à socapa.

Fiquei cansado, ao escrever estas linhas, e fui sair, para tomar um copo.

Dia 19
Tenho a certeza de que alguém me controla, de facto, o cérebro.
Chego ao fim do dia, e não me recordo de nada do que faço.
Hoje, só escrevi estas sete linhas:

“Oh, Portugal, país da saudade,
Em vez de pensares na produtividade,
E de almejares a modernidade,
És vendido a preço de saldo,
E ficas aí sozinho,
A venerar o Mourinho,
E o Cristiano Ronaldo.”

Tenho a certeza de que alguém me controla, de facto, o cérebro.
Chego ao fim do dia, e não me recordo de nada do que faço.
Conclusão:
Estou a transformar-me num zombie.
Segundo a wiki brasileira, “um zumbi é um morto reanimado, ou um ser vivo irracional. É um ser humano que permanece em estado catatónico, criando insegurança e medo nos vivos”.

Dia 20
O meu estado piora de dia para dia.
Hoje, só escrevi as seguintes linhas:

“Antes viver sob o chão português
Que debaixo de um vulcão islandês”

Não faço a barba, e deixei de tomar banho, com a preocupação de entregar os textos aos “Rapunzeís da Modernidade”.
Eles mandam-me mensagens, todos os dias, e perguntam-me quando lhes entrego os textos.
Ao que parece, nenhum deles escreveu, também, o seu texto.
O feiticeiro que me controla deve estar a fazer mais vítimas zombies.
Boas notícias:
A minha equipa de Championship Manager, o Foggia, passou à eliminatória seguinte da Taça de Itália, depois de ter vencido a Udinese, já no prolongamento.
Substituí o Ronaldinho Gaúcho pelo Nani, que marcou o golo da vitória.

Dia 21
Devido à minha condição de zombie diurno, deixei de escrever.
Tive uma ideia: se calhar, o feiticeiro que me controla, não consegue aceder aos meus sonhos, e só entro na sua esfera de poder alguns minutos depois de acordar.
Resta-me, apenas, uma solução: apontar, logo que acorde, as ideias que possa vir a ter durante o sono. Construirei os meus contos a partir daí, sem qualquer interferência exterior.

Dia 22
Saída nocturna. Bares. Discotecas.
Bebi demasiado, e vomitei.
Como tal, não consegui pregar olho.
Amanhã, dormirei, no mínimo, 12 horas, e apontarei todos os meus sonhos.

Dia 23
Dormi mais de 15 horas.
Esqueci-me de colocar uma folha, e uma caneta, ao pé da minha cama.
Não apontei ideia nenhuma.
Amanhã, sem falta, começarei a escrever o conto.

Dia 24
Apontei as ideias, mas só me saíram coisas estapafúrdias.
Eis uma delas:
“O cordel do peixe é falso se o atarmos a uma nêspera
E o combate de mongos começa sempre com o mesmo sinal:
Entrar a matar”
Ou outra:
“O Tetris joga-se dentro da caverna;
Entre estalactites e mitocôndrias
E por entre festins carnais”
Tive, igualmente, uma série de sonhos eróticos e húmidos.
Conclusão: acho que estou a ser atacado por Súcubos.

Dia 25
À beira do esgotamento. Adio a hora de ir para a cama, embriago-me, e tomo drogas recreativas, para atenuar a aflição. Já não consigo ler.
Só saio de casa ao final da tarde, para tomar uns copos com os amigos, durante os instantes em que não fico sob a influência zombie, e antes de sofrer um ataque de súcubos.
Os meus colegas da revista também andam com um ar pálido, e derrotado.

Dia 26
O Foggia desceu à segunda divisão, depois de uma época desastrosa. Terei de vender os melhores jogadores.

Dia 27
Reunião de “Os Rapunzéis da Modernidade”, à mesa de um bar.
Decidimos pôr termo à revista, devido à inexistência de textos publicáveis.
Alguns dos membros do grupo literário vão espairecer, um ano ou dois, para o estrangeiro.
Dizem que não há condições, neste país miserável, para a criação de uma revista de vanguarda, como a dos Rapunzéis.
Com o fim da revista, termino a minha actividade literária. Vou-me dedicar, a tempo inteiro, à carreira de treinador, no Championship Manager.

Dia 28
O Foggia está a recuperar, e tem boas hipóteses de poder subir de divisão. O meu novo reforço, Sinama Pongolle, tem marcado alguns golos decisivos.

Dia 29
Voltei a sair à rua, e fiquei algumas horas no café. Acho que estou um pouco melhor.

Dia 30
Conheci no café um grupo de pessoas deveras interessante. Tal como eu, adoram cinema. Ficámos a falar durante várias horas.

Dia 31
Os meus novos amigos são muito simpáticos. A certa altura, eu disse-lhes que, desde há muitos anos, tenho a ambição de produzir um filme.
No final da noite, tivemos uma ideia: vamos criar um grupo cinematográfico, que fará críticas de filmes, escreverá guiões de cinema, e produzirá filmes. Já temos um nome: vamos chamar-nos “Fitzcarraldo Produções”, em jeito de homenagem ao filme do Herzog.

Dia 32
O Foggia regressou à primeira divisão.
Estou bastante motivado com o meu novo projecto.
Amanhã começarei a escrever um guião para o filme.



6 Comments:

Anonymous stay sick said...

(re)conheço...e...

gostei bastante do(s) texto(s).

4/30/2010  
Blogger E. A. said...

Pois, as rapunzéis da modernidade só poderiam entreter-se a fazer rasta das suas tranças sujas, porque os príncipes salvadores nem ‘mortos-vivos’, em pesadelos, já vêm.

5/01/2010  
Blogger V. ou uma Raquel said...

os dias 14 e 19 são sempre geniais em si, querido Lambones

5/03/2010  
Blogger Lugones said...

Esta história das rapunzéis a fazerem rastas das suas tranças sujas é capaz de me ter dado uma ideia!

5/04/2010  
Blogger V. ou uma Raquel said...

ora deixem cá as Rapunzéis da modernidade em paz, sáchavor que mui têm que cerzir. Lugones vou ter que te inflingir um correctivo à maneira das Doroteias se tocares num fio de cabelo da rasta

5/05/2010  
Blogger V. ou uma Raquel said...

o errol ali é porque eu gosto do flynn, é isso L. muah muah

5/05/2010  

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