sexta-feira, março 16, 2012

Eu li um macaco

É oficial: parece que há mesmo um revivalismo dos anos 90. Começaram a aparecer tímidos sinais há uns anos, cartazes nas paredes a indicar “festa anos 90 no Santiago Alquimista”, trintões barrigudos a abanar a cabeça em discotecas trendy um pouco por todo o país, quando o DJ de serviço metia o Smells Like Teen Spirit. Os barrigudos trintões deixavam de abanar a cabeça e começavam a fazer mosh quando o DJ de serviço colocava em seguida o Killing in The Name, dos Rage Against The Machine. As discotecas enchiam-se com os berros cantados a plenos pulmões, “Fuck You – I Won’t do what you tell me”.

Depois de os ouvirmos nas discotecas, ouvimo-los ao vivo e a cores. As bandas dos anos 90 regressam em força aos palcos. Aprendemos que os Helmet lançaram um disco “mítico” nos anos 90, chamado “in the meantime”, disco esse que até há bem pouco tempo julgava eu ser um tanto ou quanto banal.

Do norte de Portugal regressa outra banda mítica, os Ornatos Violeta, com o seu mítico vocalista, com a sua mítica voz e as suas míticas músicas tornadas ainda mais míticas nos últimos anos, com a sua passagem até à exaustão em rádios míticas como a Comercial ou em míticos programas, como os Ídolos, apresentados por míticas figuras da música portuguesa.

A mania dos anos 90 tinha de voltar em força com o indie rock bubblegum.

Nos anos 90 houve uma editora caseira chamada BeeKeeper, que lançou um álbum Do IT Yourself chamado Teenagers From Outer Space, com uma tiragem de algumas centenas de exemplares.

O álbum era mesmo Do It Yourself, as gravações feitas em garagens e estúdios manhosos, as vozes desafinadas e as guitarras minimalistas e com o volume de som a baixar sempre que era ligado o pedal da distorção.

Eram exactamente assim os Pinhead Society, pontas de lança do movimento bubblegum, um grupo simpáticos de 2 rapazes e 2 raparigas de Telheiras.

As meninas tinham um ar fofinho e imberbe e cantavam coisas importantes como “a mosquito on the Wall is not a reason to be scared” ou “woke up really late, don’t wanna go to school”.

Lançaram uma maquete manhosa, em formato cassete, com um som roufenho, mas com uns desenhos giros de abelhas e meninas com laçarotes no toutiço.

Foi um sucesso entre a crítica, que ficou embevecida. Fizeram capa no mítico jornal Blitz, capa essa que ficou mítica.

Era oficial: os Pinhead Society transformaram-se na nova esperança da música portuguesa.

Depois vieram tempos difíceis. As cassetes desapareceram de moda, o indie rock das naves espaciais e dos laçarotes no toutiço deixou de ser moda.

Até que de há uns anos para cá apareceu a nova reivindicação de cantar em português, com argumentos bem explicados em muitos textos. Por isso, também não me vou alongar muito sobre os prós e contras de se cantar na língua do Camões.

Só serve isso para explicar um pouco melhor o novo fenómeno da música tuga: a música tuga cantada na língua de Camões, mas que fala da escola e de acordar tarde.

Ou seja, trata-se de um revivalismo das bandas dos anos 90, mas com a variante de ser cantada em português, talvez para ser mais “autêntico” ou para “passar melhor a mensagem”.

E regressam as bandas do antigamente, agora com novas roupagens e novas carinhas larocas do indie rock, adaptado ao tempo moderno.

Os novos pontas de lança deste movimento são duas miúdas e chamam-se “Pega Monstro”.

Já não dizem o velhinho e tão 90’s “A mosquito on the wall is not a reason to be scared” e adaptam-no para o bem mais actual “eu vi um macaco”.

O velhinho jornal Blitz já deixou de existir, por isso as Pega Monstro têm de aparecer no Ípsilon, o suplemento cultural do jornal Público.

E quem mais do que o mítico João Bonifácio, famoso por míticas crónicas, como aquela do ombro do cão e outras pérolas jornalísticas para fazer a cobertura do fenómeno?

A palavra ao escriba, que descreve um concerto da banda: “foi um daqueles momentos a que umas dezenas de pessoas assistiram e que anos depois centenas dirão ter visto”. Ena.

E as letras? João Bonifácio: as Pega Monstro têm um “trato precioso da linguagem de rua”.

Fiquei curioso. Decidi ler um pouco mais o que diz o escriba. Percebi que quando a cantora grita a plenos pulmões “o meu cão morreu e já não quero outro igual”, parece a mais profunda das orações.

Ou quando dizem “hoje em dia faz tudo tão mal/ não comas carne, peixe ou vegetal/ porque nada faz bem”, estão a fazê-lo com uma camada de significados, que escondem um mal-estar maior (será que é como no Artista da Fome, de Kafka, que confidencia no final que nunca comeu nada porque nunca encontrou alimento que o tivesse agradado?).

Ou quando cantam “não tenho amigas/só amigos/e a minha irmã”, tocam, segundo Bonifácio, “numa ferida, a da identidade feminina que está prescrita às meninas”.

Esperemos que as mensagens subliminares e cheias de uma proverbial sabedoria não escapem ao público em geral, como aconteceu com os hoje esquecidos Pinhead Society.

Segundo João Bonifácio, se a coisa correr bem poderão vender, no máximo, dois milhares de discos.

Para já, e se estiverem à espera de que quem as ouve são só “slackers ganzados semi-suburbanos”, que se engane. No tal concerto mítico que daí a uns anos todos dirão ter assistido, estava “gente sofisticada”, “artistas, gente da moda, pessoal das galerias, biólogos, tradutores, engenheiros”.

Talvez a sofisticação das letras dos Pega Monstros passe paulatinamente para o resto do país e do mundo. Para que daí a muitos anos se cante a plenos pulmões nas discotecas, por entre um mosh improvisado: “eu viiii um macacooooo”.