segunda-feira, julho 29, 2013

Conto de Verão




Era para aí uma da manhã, andava eu a chatear-me a contar as melgas da parede, à espera que o sono chegasse, enquanto o Lamed Wufnik, o meu burro a pilhas, comprado a um vendedor ambulante, roncava bem alto, lá dentro do seu caixote de cartão.

De repente, ouvi um barulho, vindo do corredor, que me pôs alerta.
Pareceu-me um “ploc ploc” contínuo, um barulho semelhante ao que fariam vários pares de meias, que decidissem sair ainda molhados de dentro da máquina de lavar e que se metessem a andar pelo meio do soalho de madeira do corredor.

Acordei o Lamed Wufnik e perguntei-lhe:
-Ouviste?
O raio do burro não gosta que o acordem e deu-me conta disso mesmo, ao responder-me mal-humorado:
- Ouvi o quê, caralho?
- Aquele barulho que vem do corredor. Ploc ploc.
- Ploc ploc?
-Sim. Ploc ploc”
-Que raio de barulho é um ploc ploc?”
-Não sei, mas estou a ouvir um ploc ploc”
-Deve ser o frigorífico”
-O frigorífico não faz ploc ploc”
-Então são os canos”
-Os canos não fazem ploc ploc”
- Então é o vizinho de cima”
-Achas que o senhor Manuel faz ploc ploc?”
-Então é o vento”
-vento não é certamente, que não faz ploc ploc”
-então vai-te foder e não me chateies”
O Lamed Wufnik terminou assim o seu diálogo e retomou o seu sono.
Eu estava decidido a voltar à minha contagem de melgas na parede se um ruído ensurdecedor não tivesse surgido, de repente, do corredor que vai dar acesso à sala.
Não havia dúvidas: era uma banda de free jazz. E das boas, uma mistura bem esgalhada de Pharoah Sanders, Wayne Shorter, John Klemmer e Sun Ra.
Gostei do que ouvi. Decidi investigar.
Levantei-me e dirigi-me ao corredor. Ouvi, de novo, o já familiar som dos ploc plocs e confirmei: tratava-se, de facto, das minhas meias, que se dirigiam animadamente para um local específico do corredor. Desapareciam a meio, por entre a penumbra (descobri que entravam num alçapão secreto).
Avencei lentamente pelo corredor, o som da música aumentava de volume, mas não vislumbrei nenhuma banda.
De repente, vi uma luz, por entre as frinchas de madeira do soalho.
Aproximei-me, baixei-me e olhei. Não havia dúvidas. Por baixo do chão do meu corredor havia um pequeno clube nocturno.
Foi assim que descobri que as minhas meias saem todas as noites da máquina de lavar e reúnem-se num clube nocturno, por onde entram através de um alçapão, escondido no meio do corredor que vai dar à sala de jantar.
Dentro do clube, uma meia branca de raquetes tocava saxofone, uma meias às riscas amarelas e vermelhas tocava trompete e uma meia preta já com alguns buracos pelo meio tocava bateria.
Fiquei à escuta, maravilhado. As meias desemparelhavam-se e dançavam despudoradamente umas com as outras.
O espectáculo durou só mais uns cinco minutos. As meias devem ter pressentido a minha presença e seguiram, desemparelhadas, por um túnel desconhecido, em direcção ao meu quarto.
Sei disso porque voltei a ouvir o já familiar som da banda de free jazz, desta vez, vinda directamente do meu quarto.
Levantei-me a correr, mas bati com o nariz na porta. Tentei abri-la, mas estava trancada.
Olhei pelo buraco da fechadura e vi o safado do Lamed Wufnik, já bem acordado, a dançar todo animado com umas leggings transparentes. O Lamed Wufnik sempre se safou bem com as mulheres. Gritei, pedindo que me abrisse a porta, mas o raio do burro a pilhas não fez caso disso.
Desisti. Acontece-me sempre isto. Fico sempre no limiar da entrada da animação.
Tanto movimento deu-me fome. Dirigi-me ao frigorífico. Talvez houvesse por lá alguma festa.
Abri o frigorífico, mas o único sinal exterior de vida vinha do bolor, que começa a devorar-me os alimentos.
Puxei de uma cadeira e sentei-me. À espera que