quarta-feira, abril 29, 2009

Stroszek e a Galinha Dançarina, o Coelho Bombeiro, etc

terça-feira, abril 28, 2009

Resolução Saxofónica do Dia


sexta-feira, abril 24, 2009

Os Novos Cantores de Intervenção

Ouvem-se, todos os dias, relatos e queixas por parte da Sociedade Civil, em geral, acerca das Gerações mais novas. Tal como a Geração da PGA foi apelidada de “rasca” pelo jornalista “genial” Vicente Jorge Silva, a Gera Rebelde e bué marada nascida em finais dos anos 80 e inícios dos loucos anos 90, é apelidada de “egoísta” e “acéfala”. Diz-se, também, que não possui o mais pequeno vestígio de uma consciência político-social.
Como para contrariar estas impressões, recebemos, recentemente, na nossa Redacção, uma maquete de um novo grupo português, de seu nome “OS ANARCO-PRATICANTES”. No seu texto de apresentação, dizem-se dispostos a cantar o seu grito de revolta e a mudar a situação vigente. A maquete chama-se “UM COCKTAIL E UM MOLOTOV NA REFEIÇÃO DA REVOLUÇÃO” .O tema de apresentação, “Grito da Revolução”, já pode ser ouvido no myspace da banda, e no youtube.
Para celebrarmos o dia da Revolução, apresentamos, já de véspera, e de antemão, o sucesso radiofónico desta Primavera:

Depois de Março, e das suas águas
Chegou Abril, com mil mágoas.
Mas do pranto da Ditadura,
Surgiu, com candura, e sedução
O Canto da Revolução.


Depois, metemos o PREC no caixão,
Prendemos o cravo
Com uma fechadura,
E de toda a ruptura
Apenas ficou um leve travo.

Agora, temos de resolver este dilema:
Se quisermos entrar em acção,
E na Revolução meter o pé,
Temos de ir ao cinema
E comprar o bilhete p’ró filme do Che.

A vida está torta,
Mas não dá para sair dos cafés,
E andar p’rai aos pontapés,
Ou a chamar as pessoas p’rá rua,
Dizer que a luta continua,
Nem dá p’ra bater de porta em porta
Pois a nossa mão, está morta.

Refrão:
Dêem-nos novas filosofias, ideologias,
Pensamentos brutais,
Para fazer graffitis nos murais,
Uma epifania, revelação,
Mensagem de apresentação
Alguma coisa bué zen
Para meter no meu msn!!!

Temos bué pena
Desta cena!
Tu não sabes, ou não vês!
Ou então, és um tecla 3!

(solo de guitarra)

Vamos é fazer uma canção!
Umas quantas estrofes
Um refrão
Eu toco à guitarra
E vocês, fazem uma desgarrada

Daremos um tiro certeiro
Nestas águas paradas
Eu serei o Companheiro!
Vocês os camaradas!

Cantaremos com vozes animadas!
Para acordarmos este pardieiro!
Eu darei um si-bemol
E vocês responderão com um LOL!!

quinta-feira, abril 23, 2009

Na Pandra Bomba Ainda Jinga a Hidra Samba- 5ª, e Última Parte

Publico agora a 5ª (e última) parte do texto co-escrito com o camarada Boécio. Salientamos, obviamente, que se trata de uma interpretação particular e pessoal dos textos dos Mler Ife Dada. Não falámos com Nuno Rebelo ou com Anabela Duarte.

.....Cremos que o desdobramento da enunciação levado a cabo durante o gesto semiótico permite que o tipo de assimilação a que corresponde o segundo gesto não se materialize numa simples tradução mimética, mas sim numa multiplicação dos regimes de signos que povoam a matriz ou o meio de expressão, através de uma operatividade real de signos-partículas heterogéneos. Ambos os gestos convergem num terceiro gesto (há que fazer notar que estas distinções que propomos não equivalem a uma sequência temporal de gestos, que são evidentemente simultâneos, mas apenas a uma distinção analítica), gesto este que corresponderá à produção de um tipo singular de enunciação que não é uma mera mescla ou bric-à-brac, mas sim uma reinvenção operativa do meio de expressão, e que dá origem a uma língua nova. Assim, os jogos fonéticos de “Zuvi Zeva Novi” misturam-se com as palavras em português («ele aí cai, zuvi vai ver»), ou mesmo com algumas expressões em inglês («Taste a mar, hortelã gel»), segundo uma organização interna dos regimes de signos, de tal forma que o efeito produzido não causa estranheza, mas forma uma língua comum. Esta língua comum é fabricada por uma máquina discursiva com o nome próprio “Mler Ife Dada”, que é já em si uma enunciação nessa mesma língua. E é esta língua que opera livremente segundo um regime de signos heterogéneos (melódicos, rítmicos, sintácticos, etc.), e não meramente como uma mistura de padrões linguísticos autónomos entre si, mesmo nas letras aparentemente mais convencionais da banda, que se tornam assim irredutíveis tanto a uma interpretação semântica fechada, como a uma redução a constantes de significação. O que se ouve em “Sinto em mim” ou em “Choro do Vento e das Nuvens” são as diferenças intensivas de velocidade das analepses (como a imagem comum do vento a sussurrar), que põem em fuga o significado do texto; no último verso de “Erro de cálculo” («Subo devagar/ Se te queres matar mata-te/ Eu sou invisível/ Depressa/ Eu sou invisível/ Ou devagar»), o funcionamento autónomo de cada uma das partes («Subo devagar/ eu sou invisível» e «Se te queres matar mata-te/ depressa/ ou devagar»), não pretende corrigir o “erro de cálculo” ao reunir os enunciados anteriores (os versos em que a narradora diz, em português, que anda no ar e os versos, em inglês, em que fala do seu amor distante), mas sublinhar a operatividade comum dos elementos heterogéneos que trabalham o texto.
É através deste gesto de enunciação que põe as partículas-signo heterogéneas a modelar o texto, ao invés das elementos nucleares, que é possível a desconstrução dos significantes comuns e a consequente libertação da dívida que estes impõem. Em “Alfama” ou “À Chuva”, por exemplo, a enunciação do cliché faz-se através do cruzamento de diferentes regimes de signos que perturbam o seu reconhecimento e reinventam, assim, o próprio enunciado. Não é na sua função de constantes que as aliterações de “Alfama” («Alfama de cacos pintados de tintas e trocas e ventos no rio de pontos picantes e pontas de faca com laca e alpaca de Alfama com alma de alfafa e gente de fama que cai na galhofa do pátio da esquina da Feira da Ladra de cacos picantes e contas correntes de tretas e pintas de gente com laca nas pontas da fama e ventos de faca que cortam Alfama em portas pintadas com a fama do fado») ou que os efeitos das expressões performativas que compõem “À Chuva” (passou, olhou, sorriu, subiu, segui, fugi) abrem linhas de fuga na produção linear de sentido, mas sim na sua função operativa, que é imanente à pragmática discursiva da máquina de escrever “Mler Ife Dada”, esta definindo-se apenas pelos regimes de signos que põe a funcionar em variação contínua, regimes de signos estes que, tal como fazem notar Deleuze e Guattari, «se definem assim pelas variações interiores à própria enunciação, mas permanecem exteriores às constantes da linguagem e irredutíveis às categorias linguísticas»
[1].
É esta libertação das constates linguísticas ou do meio de expressão ou do seu significante transcendental que é, a nosso ver, a revolução particular dos Mler Ife Dada, na medida em que opera uma transformação real e imanente na linguagem do Pop-Rock português, segundo uma enunciação específica, mas reconhecível, que se singulariza em relação à enunciação geral ou a uma mera tradução directa desta
[2]. E é este fenómeno que Nuno Camarinhas identifica no que ele chama “Pop experimental” portuguesa, e que define como «a procura de criar música de uma forma nova, marcadamente europeia, senão mediterrânica, explorando universos tão distintos como o das músicas do mundo, ambientes de cabaret e cinematográficos, uma certa portugalidade pós-‑moderna, ambientes de quase-esquizofrenia, propostas dançantes directamente direccionadas ao cérebro, exploração e manipulação de sons em estúdio»[3].
Subtracção e redução (ao absurdo) dos significantes comuns, incorporação de elementos heterogéneos e produção de variantes contínuas são os três gestos ou operações sobre o meio ou a matriz de expressão que identificamos na nova vaga portuguesa de meados dos anos 80 e, mais particularmente, nos Mler Ife Dada. Estes três gestos fundam um tipo de enunciação local, colectivamente operante e reconhecível, que pode funcionar como um dialecto dentro da língua maior e universalizada do Pop-Rock, uma espécie de “linguajar” específico da cultura popular portuguesa. A pragmática deste tipo de enunciação que, uma vez mais, não é subjectiva mas colectiva na heterogeneidade dos signos que põe a operar, produz as tais coisas que fascinam porque o seu sentido é irredutível às constantes que dela se podem extrair («alors ça me fascine parce que je ne/ sais pas grand chose»). Sem dúvida que na pandra bomba ainda jinga a hidra samba.


Fim

[1] «Les régimes de signes se définissent ainsi par des variables intérieures à l’énonciation même, mais qui restent extérieures aux constantes de la langue et irréductibles aux catégories linguistiques», Deleuze, G., Guattari, F., Mille Plateaux, p. 175.
[2] Esta distinção poderá talvez corresponder à distinção que Deleuze e Guattari propõem entre um tratamento maior e um tratamento menor da linguagem, o primeiro operando por extracção de constantes e o segundo por variação contínua: «Le mode major et le mode mineur sont deux traitements de la langue, l’un consistant à en extraire des constantes, l’autre à la mettre en variation continue», Deleuze, G., Guattari, F., Mille Plateaux, p. 135.
[3] Camarinhas, Nuno, Rádio Pirata, 30 de Janeiro de 1999, http://anos80.no.sapo.pt/art001.htm.

quarta-feira, abril 22, 2009

Na pandra bomba ainda jinga a hidra samba- 4ª Parte

Publica-se agora a 4ª parte. Fica a faltar o 5º, e último trecho do texto.


.....Para compreendermos esta nossa hipótese, há que tentar destrinçar em que consiste o “meio de expressão” ou a “matriz linguística” para uma banda Pop-Rock portuguesa de meados dos anos 80. O “meio de expressão” ou a “matriz linguística” de uma tal tipologia não podem ser encaradas como uma gramática homogénea prestes a servir um determinado enunciado. Pelo contrário, o “meio de expressão” em que se desenvolveu o Rock português de meados dos anos 80 é necessariamente atravessado por diferentes “regimes de signos”, noção que tomamos de empréstimo de Deleuze e Guattari, e que estes autores definem, em Mille Plateaux, como toda e qualquer «formalização específica da expressão»[1]. Não pretendemos seguir aqui a argumentação desenvolvida por Deleuze e Guattari, mas tão só aproveitar a operatividade desta noção, que sugere a anterioridade das funções de enunciação em relação às constantes que constituem a cadeia significante de um determinado meio. Contudo, a extracção dessas constantes, ou significantes comuns, pode constituir um primeiro momento possível de uma pragmática dos regimes de signos que atravessam um determinado meio de expressão. Chamemos a este primeiro momento o “momento semiótico”, consistindo este na redução da expressão a uma sintaxe de significantes comuns identificados pela própria enunciação. Assim, diríamos que musicalmente este momento corresponde à adopção da estrutura convencional da canção Pop-Rock (com um determinado tempo e uma determinada organização interna, com um uso de determinados instrumentos, etc.), ao passo que liricamente pressupõe a adopção de uma determinada métrica (ou forma de expressão) que, por sua vez, serve uma determinada semântica (ou forma de conteúdo), ambas inseparáveis do regime musical. No caso particular dos Mler Ife Dada, este momento não é puramente semiótico na medida em que nos parece que a operação de redução aos significantes comuns implica uma tomada de posição estratégica, que desdobra desde logo a enunciação: exemplos disto serão “Dance Music” (do álbum Espírito Invisível), uma espécie de paródia à adopção do inglês como língua de enunciação («Why do you have to hear/ This song in English language/ If you’re not English/ And this ain’t no English song»), visto ser a tradição Pop-Rock uma tradição originalmente anglo-saxónica; nas canções onde são usados mais do que um idioma, normalmente estruturados em rimas convencionais (“Zuvi Zeva Novi”, “Passerelle”, “Canção do Homem que Anda (Walkman Music)” ou “Erro de Cálculo”), que sublinham a arbitrariedade dos significantes e a tradutibilidade infinita da linguagem universalizada do Pop-Rock; ou ainda nos ready-mades (“Oito Doces”, “Festa da Cerveja”), que mais não são do que respostas ou negociações com a matriz herdada da tradição dos cantautores na sua eleição do sentido da mensagem como padrão do texto cantado. Este desdobramento da enunciação é bastante comum nesta vaga do Pop-Rock português, sendo exemplos disto o uso intencional de palavras de ordem absurdas por parte dos Ocaso Épico ou as letras baseadas em nomes comuns e nomes próprios dos Pop dell’Arte.
Haverá um segundo gesto de negociação com o meio de expressão por parte dos Mler Ife Dada, e que é também um denominador comum do Pop-Rock dito “experimental”, e que poderia ser catalogado com o nome dado pelos Pop dell’Arte ao seu primeiro álbum, Free Pop (1987). Este gesto consistiria na incorporação de elementos heterogéneos à matriz convencional, multiplicando os regimes de signos. Musicalmente, deu-se a tentativa de assimilação de músicas de diversas culturas ou de outras tipologias, tal como faz notar Vítor Rua: «no rock isto reflectia-se na abordagem a músicas não europeias (especialmente a africana e a indiana), citações de músicas contemporâneas ocidentais, ou ainda, recorrendo à música concreta e electrónica, influenciados por Pierre Henry, Schaffer, Stockausen, Cage»
[2]. Tal assimilação sugeriu igualmente a tentativa de incorporação da fonética própria de idiomas estranhos, ou como é declarado no texto que citámos do primeiro álbum, entre as coisas que fascinam estão «as línguas estrangeiras, tanto mais fascinantes quanto mais incomuns e indecifráveis»[3]. Exemplos disto são “Desastre de automóvel em varão de escadas” (que introduz a “língua” alemã «Was ist los?/ Darf ich fotografieren?/ Was ist passiert?/ Das ist ein Unfall mein Freund, ein Unfall!», juntamente com a utilização de algumas frases em português, num registo absolutamente non sense, «Muito bem, muito bem!/ O terreno também é escorregadio…/ Muito escorregadio»), a versão de uma canção popular arménia, «Loosin Yelav» no segundo álbum (a partir de arranjos de Luciano Berio), mas principalmente os temas em que as supostas línguas estrangeiras têm um tratamento puramente fonético, ou seja, em que são inventadas línguas incomuns e indecifráveis. Exemplos disto são “À sombra desta pirâmide”, um tema que teve origem numa captação de uma rádio árabe, cujo sample é repetido algumas vezes, durante a música, nos momentos das pausas instrumentais, para em seguida a banda cantar, em coro, uma ladainha pseudo-arábica, ininteligível, intercalada com os nomes de alguns pintores; mas também “Pandra-Bomba” (de onde tirámos o título da nossa comunicação), o tema “brasileiro” do primeiro álbum, cuja sonoridade “tropical” é complementada com o uso de algumas palavras que nos levam nesse caminho (“surucucu”, por exemplo), e onde as expressões fonéticas engendradas (“pandra”, por exemplo) se confundem com outras palavras retiradas do léxico português, usadas fora do seu sentido comum («E a pedra bomba rebenta num espanto; Na sala zomba o quadro do canto»), o que resulta numa mescla, onde se torna difícil, a certa altura, destrinçar as palavras “inventadas” das palavras “reais”, ambas produzidas em constantes aliterações; ou ainda “Siô Djuzé” (também do primeiro álbum), que parece ser uma retribuição que os Mler Ife Dada fizeram aos GNR, Anabela Duarte canta em dueto com Rui Reininho um breve tema claramente inspirado em melodias cabo-verdianas, e no qual o grupo aproveita para “traduzir” o nome da banda (que já tinha um significado meramente fonético), “adulterando-o” para cabo-verdiano: «Fala Cuma mudjeri/ Lá dos Meri Dada». Mesmo o tema anterior, “Valete de Copas”, sendo cantado totalmente em português, faz uso de uma estrutura pouco comum na linguagem Pop‑Rock, tanto através da figura de estilo do hipérbato («Deboche ouve-se aqui/ De beijos enches-me a mim»), como de novos jogos fonéticos, que se sobrepõem a um significado concreto que a letra possa ter («E leva assim meia hora/ Andei irei gente aura/ Lamento ai onde cai/ Da selva onde quero ir»). .....

(continua)




[1] «On appelle régime de signes toute formalisation d’expression spécifique […]», Deleuze, Gilles, Guattari, Félix, Mille Plateaux. Capitalisme et Schizophrénie 2, Minuit, 1980, p. 140.
[2] Rua, V., “Improvisos sobre o Rock em Portugal”, http://anos80.no.sapo.pt/art007.htm.
[3] Rebelo, N., Coisas que Fascinam, Polygram, 1987.

terça-feira, abril 21, 2009

Na Pandra Bomba ainda Joga a Vida Bamba- 3ª Parte ( já estava farto de colocar sempre "Na Pandra Bomba Ainda Jinga a Hidra Samba)

Aqui fica a 3ª parte do texto. Esta é mais curta, pois antecede um longo trecho, que seria inconveniente cortar. Em breve, colocarei a 4ª parte.

....Feita de montagens de estilhaços de palavras, aliterações, onomatopeias, fonemas incompreensíveis e de escrita automática, a poética dos Mler Ife Dada faz jus ao nome da banda ao recuperar o non-sense e o ready-made dadaístas. A influência dos poemas sonoros de Hugo Ball ou Kurt Schwitters, os quais são constituídos unicamente por fonemas sem significado, são claras em temas como “Zuvi Zeva Novi” (onde o título da música é repetido várias vezes, até à exaustão, em constantes aliterações) ou em “À sombra desta pirâmide” e “Xwé Xwé” (nas quais a sintaxe tende a simular a fonética de idiomas indecifráveis que são sugeridos pela estrutura melódica, uma ladainha pseudo-arábica no primeiro caso e um dialecto africano, no segundo). O uso do ready‑made, por sua vez, pode ser encontrado em “Oito doces” (a letra não é mais do que a literal enunciação de oito doces: bolo de laranja, cassata, pudim de coco, pastel de nata, arroz doce, tarte gelada, doce de pêra e goiabada), em “Festa da Cerveja” (inicialmente concebido como jingle de 20 segundos para uma marca de cerveja alemã, que acabou por se recusar a ouvir o trabalho, levando Nuno Rebelo a cortar a fita multipistas com uma tesoura, de modo a deixar de fora o nome da marca e mantendo unicamente frases-chavão associadas ao produto, distribuídas por duas partes iguais, cada uma com uma mistura diferente: «Linda cerveja vem nesta bandeja/ Bela caneca que os meus lábios beija/ Espuma de oiro requinte plena sedução/ Festival da total satisfação/ Baviera, tradição») ou ainda em “Alfama” (que enuncia, em tom narrativo, os clichés associados à temática do fado). Estes exemplos mostram, sem dúvida, e à primeira vista o humor da banda, que assume assim a ligeireza associada à música popular e a função primordial que a acompanha, que é a de divertir: levar esta função até ao limite implica, no seu caso, esvaziar a lírica de conteúdo semântico e subjugá-la ao ambiente criado pela base musical. Contudo, esta postura não pode deixar indiferente o meio de expressão, fundando assim uma vertente que podemos denominar de “operativa” e que não deixa também de se inscrever num certo gesto dadaísta, sublinhado outrora por Hugo Ball («Para nós, a arte não é um fim em si mesmo [...] mas é uma oportunidade para a verdadeira percepção e crítica da época em que vivemos»[1]), mas também indirectamente por Tristan Tzara («DADA não é loucura, nem sabedoria, nem ironia, olha para mim, gentil burguês»[2]): se Ball encarava a arte como um meio de acção política, Tzara não podia deixar de reconhecer que as forças aparentemente niilistas que alimentavam as performances dadaístas eram simultaneamente disparos contra as instituições artísticas (mesmo as ditas “de vanguarda”) e linhas de fuga que apontavam novas direcções....

(continua)



[1] « For us, art is not an end in itself […] but it is an opportunity for the true perception and criticism of the times we live in», Ball, Hugo, Flight Out of Time: a Dada Diary, University of California Press, 5 June 1916.
[2] «DADA n’est pas folie, ni sagesse, ni ironie, regarde-moi, gentil bourgeois», Tzara, Tristan, “Manifeste de Monsieur Antipyrine”, Lampisteries précédées des Sept Manifestes Dada (1924), Jean‑Jacques Pauvert, p. 16.

sexta-feira, abril 17, 2009

As Aventuras do Incrível Romualdo Castelo- nº10- As Mensagens de Telemóvel Enguiçadas

Naquela tarde, Romualdo Castelo estava a trocar uma série de mensagens por telemóvel com Marta A., sua amiga de longa data.
Acabara de lhe mandar uma mensagem a confirmar o horário do filme que iam ambos ver, nessa noite, ao cinema, quando recebeu outra mensagem de Marta A., que rezava o seguinte:
- “Amo te. Ouves?”
Mais nada, nenhuma explicação, ou uma nota prévia que explicasse esse assomo amoroso.
Romualdo ficou uns momentos a matutar no que acabara de ler. Conhecia Marta A. há vários anos, e nunca tinha pensado nela como possível namorada. Apesar de tudo, Marta A. até era bastante engraçada.
Romualdo decidiu que seria de mau tom deixar de responder a tal mensagem, tal como achou de mau tom que uma mulher bonita e interessante como Marta A. pudesse não ser correspondida amorosamente. Como tal, respondeu-lhe, com a seguinte mensagem:
- “Eu também te amo, percebes?”
Acabara de lhe mandar essa mensagem, quando recebeu, quase simultaneamente, nova missiva de Marta A., que dizia apenas o seguinte:
-“ Desculpa, Romualdo, enganei-me no número! LOL! O cinema fica combinado para as 22.30, então! Abraço”
Romualdo ficou lívido, compreendendo que tinha metido o pé na poça. Recebeu de imediato, uma mensagem de Marta A.:
- “Amas-me, Romualdo? K conversa é essa? Eu tava a mndar a mensagem p o meu namorado.”
Romualdo ficou uns segundos a pensar. Até que mandou a seguinte resposta:
- “Pensava que a mensagem que tinhas mandado era dirigida a mim, e q tavas a dizer q me amavas, como amigo. Eu respondi que te amo, mas como amigo ou como se fôssemos irmãos. Além disso, tb tenho namorada!! LOOOOL!Bejos”.
Esta mensagem tinha um pequeno senão, para além de ser um pouco rebuscada. O senão consistia no facto de Romualdo não ter, naquele momento, namorada. Por isso, olhou para a sua lista telefónica, e viu o número a seguir ao de Marta A. Tratava-se de Marta D., que também conhecia há alguns anos, não tantos como Marta A., mas, mesmo assim, uma velha amiga, com quem Romualdo tivera, em tempos, um caso. Marta D. era engraçada, e simpatizava bastante com Romualdo, era uma boa altura para lhe pedir em namoro, e para salvar a face perante Marta A., pois, ao namorar com Marta D., Romualdo ficaria com um bom álibi para justificar a anterior resposta por telemóvel.
Com estes pensamentos em mente, Romualdo não tardou em mandar a seguinte mensagem para Marta D:
- “Amo te. Ouves?”
Passado uns minutos, Romualdo recebeu a seguinte mensagem de Marta D:
- “ k é isso,pah? Sabes k simptizo kntigo, mas agora tnho namorado. Tás-me a pô n1 situação difícil”.
Romualdo viu que tinha metido, de novo, o pé na poça. Marta D., além de não poder namorar consigo, naquele momento, sentir-se-ia, a partir de agora, constrangida com toda a situação.
Para piorar as coisas, subsistiam os problemas com Marta A., que mandava, agora, insistentes mensagens, a perguntar quem era a “felizarda” que namorava com Romualdo.
Por isso, tratou de pensar no plano C, e olhou, de novo, para a lista telefónica. Havia uma Marta M., antiga colega de trabalho, que sempre se tinha mostrado muito apaixonada por Romualdo. Contudo, este nunca lhe respondeu ao assédio, devido ao facto de Marta M., mau grado a simpatia, ser pouco atraente fisicamente. Para além disso, tinha uma gaguez aflitiva, que provocava risos descontrolados por parte de Romualdo, sempre que tinham alguma conversa.
Todavia, para salvar duas velhas amizades, Romualdo decidiu sacrificar-se, e dar o grande passo. Para tal, mandou, primeiro, para Marta D., a seguinte mensagem:
- “Oooops! Enganei-me! A mensagem era para outra Marta, a minha namorada! Lolada! Tá tudo bem? Bjx”
De seguida, mandou para Marta M. a já habitual mensagem:
- “Amo te. Ouves?”
Marta M., quando recebeu a mensagem, teve dois minutos e meio de felicidade intensa. Porém, e uma vez que sabia que Romualdo lhe devotava, somente, uma simpatia sarcástica, não tardou em compreender que a mensagem lhe fora, provavelmente, enviada por engano. Até que se lembrou da sua velha amiga, Marta R.
Uma vez, quando Marta M. passeava na rua com Marta R., viu Romualdo a passar, por acaso. Acabaram por tomar café todos juntos, e Marta M. reparou, com raiva, que Marta R. olhava embevecida para Romualdo.
Enfurecida, Marta M., chegou rapidamente à conclusão de que a mensagem se dirigia, provavelmente, para a sua velha amiga. Como tal, mandou a seguinte mensagem a Marta R:
- “Podes ficar com ele, sua porca! A partir de hoje, acabou a nossa amizade”.
Para Romualdo já não mandou mais nenhuma mensagem, pois ficou sem saldo. Romualdo ainda esperou um bocado, sem saber o que fazer, e farto de receber mensagens de Marta A. e Marta D., a perguntarem quem era a sua nova namorada, acabou por deixar o telemóvel em casa, e sair, para ver sozinho, a sessão das 22.30.
Nem se importou muito. Gostava de se sentar nas filas da frente, para ver melhor o ecrã, o que irritava as suas companhias de cinema, que se queixavam de ficar com dores no pescoço.

quinta-feira, abril 16, 2009

Na Pandra Bomba Ainda Jinga a Hidra Samba- 2ª Parte

Nesta segunda parte do texto, começamos a falar do caso concreto dos Mler Ife Dada e das "Coisas Que Fascinam" o seu Universo. Passaremos, em seguida, na 3ª Parte, a discutir, especificamente, as suas letras:

Falando do caso particular dos Mler Ife Dada, e dado que é a banda objecto do nosso estudo, será interessante centrarmo-nos um pouco nas suas raízes. O líder desta banda, e principal compositor e letrista, é o baixista Nuno Rebelo, oriundo de Cascais e antigo membro dos Street Kids, uma banda new-wave que, curiosamente, cantava de início em inglês, no momento da afirmação do Rock cantado em Português (as primeiras gravações dos Street Kids datam de 1980). Em 1982, os Street Kids resolveram optar pela língua de Camões, e começaram a escrever letras com maior intervencionismo social. Do seu único álbum, com o título Trauma, fazem parte músicas com títulos auto explicativos, como “Tropa Não”; “Propaganda”ou “Nunca Pensei que te anulasses tão bem”. O primeiro verso de “Propaganda” rezava, por exemplo, o seguinte: «Ontem fui ao Supermercado/ Ontem fui ao Super Popular/ Fiz Compras aos preços actuais/ Notei subidas nas tabelas gerais». O grupo acabaria pouco depois e Nuno Rebelo, após uma breve colaboração com os GNR (grupo com o qual se viria a cruzar várias vezes), formou os Mler Ife Dada, em 1984. Da formação inicial faziam parte (para além de Nuno Rebelo) Augusto França, Kim, e o vocalista Pedro D’Orey. Esta formação gravou, em 1985, o primeiro máxi-single da banda, que continha três temas: “Zimpó” (cantado num misto de várias línguas), e os temas em inglês “Stretch my Face” e “Spring Swing”. Pedro d’Orey abandonou a banda pouco depois, tendo sido substituído pela vocalista Anabela Duarte, que entrou a tempo de gravar o segundo single da banda, "L'amour va bien, merci", editado na Ama Romanta, Editora Independente, formada por João Peste, dos Pop Dell'arte.
A propósito desta canção, vale a pena recordar as palavras de Anabela Duarte acerca do processo de gravação: «Esse single é uma pérola. Uma mina de ouro, na melhor das hipóteses... Adorei cantar, adorei o estúdio de oito pistas, adorei a capa. Adorava os músicos e diverti-me imenso a ver pelo vidro do estúdio a cara de prazer e de gozo do João Peste, enquanto eu ia inventando o meu discurso em francês transcendental, falando na devida desproporção entre emoção e sexo e cães a ladrar e política liberal e de como o chá faz mal à garganta e outras coisas importantíssimas!...»[1]. Parece-nos importante salientar, a propósito desta afirmação, o seguinte: em primeiro lugar, surge uma “declaração de intenções” acerca das “coisas que fascinavam” os Mler Ife Dada; em segundo lugar, confirma-se a existência de uma forte ligação entre os dois projectos mais importantes da Ama Romanta inicial (e, também, dos dois grupos de Pop-rock dito “experimental” mais importantes de sempre da música portuguesa), patenteada numa certa proximidade entre o universo da lírica dos Pop Dell’arte e dos Mler Ife Dada. Como que a confirmar esta afinidade estética, convém lembrar que o álbum de estreia dos Pop Dell’arte foi produzido justamente por… Nuno Rebelo.
Uma outra “declaração de intenções” da banda pode ser lida no texto que acompanha o primeiro álbum, Coisas que Fascinam, de 1987, gravado já para uma editora maior, a Polygram, no qual são supostamente enumeradas (algumas) das “coisas que fascinam” os Mler Ife Dada: «A muralha da China. Os papagaios que falam. A lua e o céu à noite. A trovoada, os relâmpagos. O arco-íris e as manchas de óleo numa poça de água. O brilho cegante dos soldadores. O mar e os sons da água nos rios (fechar os olhos e ouvi-los em stereo), fazer o mesmo com os carros que passam e as pessoas que falam. Confusões de vozes numa festa (esquizofrenia sonora). O Jardim Zoológico e o Aquário (as cores dos peixes). O fantástico mundo submarino. As conchas. Os cogumelos, os fungos e líquenes nas árvores. As lagartas brancas nos cadáveres. Os cristais de resina nos pinheiros. Os frutos tropicais e as ilhas exóticas. Comidas deliciosas. Roupas extravagantes. Os samurais, os egípcios, os romanos, a fábula de Veneza. A tragicomédia de Nova York. Aquela pessoa, porque é bonita. Aquela outra, porque diz coisas interessantes e inesperadas. Ainda outra pessoa por ser assim como é. Espaços amplos, espaços completamente claustrofóbicos. Espaços construídos, espaços destruídos. Mil coisas que se encontram no ferro velho. Os cristais de quartzo, estaurolitos, minérios brutos. As línguas estrangeiras, tanto mais fascinantes quanto mais incomuns e indecifráveis. O fogo, a idade média», fragmentos de realidade sem aparente relação entre si mas de cuja heterogeneidade imana talvez a totalidade do mundo («Toda a história do mundo [...] Luzes, cores, sons, povos, espaços, o tempo»), não como uma unidade de sentido, mesmo que indecifrável, mas como os signos parciais que povoam a própria superfície do real, entendida como uma linha contínua e ilimitada de produção de sentido (donde «os sintetizadores e o futuro»). Esta enumeração não categorial, finita mas ilimitada, sugere desde logo que o fascínio não pode advir da representação ou reprodução significantes, pois que «são um nada as coisas que eu compreendo e essas não me fascinam»
[2]. A declarada alergia à semiótica aproxima, por um lado, os Mler Ife Dada do movimento modernista que ostentam no nome (o dadaísmo) e, por outro lado, acciona, tal como tentaremos mostrar, uma negociação específica com os significantes que estruturam a matriz da linguagem do Pop-Rock....
(continua)

[1] Duarte, Anabela, http://anos80.no.sapo.pt/mlerifedada.htm.
[2] Rebelo, Nuno, Coisas que Fascinam, Polygram, 1987.

terça-feira, abril 14, 2009

Músicas feitas por homens que dançam de forma esquisita-1- Jonathan Richman


segunda-feira, abril 13, 2009

Na Pandra Bomba Ainda Jinga a Hidra Samba- 1ª Parte

Sobre a temática das poéticas pop rock em Portugal, eu e o Artista Que Responde Geralmente pelo nome de Boécio escrevemos uma dissertação sobre os Mler Ife Dada que, por ser um pouco longa, vou agora publicar aqui, em várias partes, após pedidos insistentes de centenas de fãs.
Na 1ª parte, fica uma breve análise do contexto histórico pré-Mler Ife Dada. Segue-se uma análise filosófica das letras, em capítulos posteriores. Aqui vai:

Antes de nos debruçarmos propriamente sobre a singularidade da lírica dos Mler Ife Dada, propomo-nos adiantar e explicitar, desde já, uma premissa: discutir as poéticas do Rock português equivale quase inevitavelmente a traçar um campo de estudo a partir do início da década de 80, altura em que se deu uma eventual apropriação singular de um idioma musical externo e que o fenómeno das bandas teve uma verdadeira repercussão na cultura popular do nosso país.
É claro que a importação do Pop-Rock aconteceu desde que este se tornou numa linguagem universalmente reconhecida, ou seja, desde a década de 60. Contudo, esta importação não foi acompanhada por uma generalizada apropriação reinventiva, ficando-se, na maioria dos casos, pela reprodução mais ou menos fidedigna dos modelos externos, dando origem ao chamado “yé-yé”, maioritariamente praticado por conjuntos de origem académica que faziam versões, em português, de êxitos anglo-‑saxónicos para animar os bailes e as festas juvenis. Há que ressalvar, sem dúvida, as esporádicas excepções do Quarteto 1111 ou da Filarmónica Fraude, estas sim meritórias de uma atenção singular.
Na década seguinte, e por razões políticas óbvias, a música popular portuguesa foi essencialmente desenvolvida pelos cantautores de intervenção, que lutavam contra o Antigo Regime. Com a queda do regime, e uma vez que a divulgação da maior parte do filão destes autores era até então proibida, este fenómeno conheceu uma popularidade ainda maior. Os grupos de Rock só voltaram a aparecer, timidamente, por volta de 1976/1977, através da importação das sonoridades progressivas dos Yes ou dos Genesis por parte de bandas como os Arte e Ofício ou os Tantra, numa altura em que no resto da Europa era já o Punk-Rock que ditava as regras.
No início dos anos 80 tudo mudou com o chamado boom do Rock português. Curiosamente, este boom surgiu, em parte, devido a uma greve dos músicos de estúdio da chamada “Velha Guarda”, que se prolongou durante meses. Nessa época, os artistas dependiam, em grande parte, desses músicos de estúdio, os músicos “de sindicato”, pilares do grande evento musical da época, o “Festival da Canção”. Com os músicos tradicionais longe dos estúdios, estes ficaram vazios, dando assim oportunidades a novos grupos e autores, como foi o caso dos UHF, do Rui Veloso ou dos GNR. Aliado a este facto, existe ainda um outro factor que explica a mudança de panorama no meio musical português: no final dos anos 70, os chamados “músicos de intervenção”, desiludidos, e em crise, foram desaparecendo, aos poucos, da cena musical. Com a mudança da conjectura política, as letras panfletárias perderam muito do seu sentido e abriram o caminho para uma “nova” linguagem musical. Pode dizer-se que o famoso êxito de Rui Veloso, “Chico Fininho”, marca definitivamente esta mudança de paradigma. O Rock português tinha condições finalmente para fundar um idioma próprio, que foi capaz de atrair a colaboração de pessoas de outros meios que não a música, como Miguel Esteves Cardoso, que começa a escrever letras para os Sétima Legião ou para Manuela Moura Guedes. Embora, por exemplo, Vítor Rua discorde que alguma vez em Portugal se tenha criado uma gramática própria do Rock que desse origem a um fenómeno que pudesse ser genuinamente descrito como “Rock português” (e não meramente “Rock feito em Portugal”)
[1], o facto é que foi essencialmente a partir desta época que a associação entre a nossa língua e este meio de expressão se tornou facilmente reconhecível pela cultura popular. O número de bandas multiplicou-se, bem como a distribuição geográfica, que deixou de se limitar aos centros urbanos para proliferar também pelo interior, onde antigos grupos de baile de aldeias e vilas remotas se transformavam, à pressa, em bandas de Rock português. As editoras e os concursos de música começaram também a surgir às centenas, um pouco por todo o lado. Como seria de esperar, a qualidade musical e lírica da maioria dos grupos era bastante sofrível.
O boom durou cerca de dois anos, até 1983/1984, altura em que as editoras se deram conta de que o filão se esgotara. De entre os grupos existentes, apenas os melhores sobreviveram. É então que surge uma nova etapa na história do Rock português, aquela que aqui nos interessa particularmente, e que está intimamente relacionada com a criação do Rock Rendez Vous, que albergou seis concursos com a designação de “Concursos de Música Moderna”. Foi nestes concursos que surgiram ao vivo, pela primeira vez, bandas como Ocaso Épico, Croix Sainte, Radar Kadhafi, Linha Geral, M’as Foice, Pop Dell’arte, Mão Morta e, claro, Mler Ife Dada....

(continua)


[1] «Quando se fala em “Rock Alemão”, não se está somente a referir o facto desse rock ser geograficamente realizado na Alemanha, mas, sim, porque no rock alemão existe uma linguagem e uma tecnologia, que o distinguem de, por exemplo, um rock inglês ou americano. Nesse sentido, não existe “rock português”, como não existe “rock espanhol” ou “marroquino” ou “rock italiano”, existe sim um rock feito em Portugal, uma vez que nunca nesta tipologia se conseguiu criar uma gramática musical (adoptada por vários músicos ou grupos de músicos), que fosse própria da nossa tradição musical», Rua, Vítor, “Improvisos sobre o Rock em Portugal”, Jornal Blitz, Suplemento Manifesto, 1992, http://anos80.no.sapo.pt/art007.htm.


quinta-feira, abril 09, 2009

























(in Semiotext(e), V.II, 3, 1977)

sexta-feira, abril 03, 2009

O Ângulo, Secção "A minha cidade". Volume 1- A cidade de Pandrabombagrad

Vou-lhe falar agora da minha cidade, Pandrabombagrad.
Em Pandrabombagrad, os seres humanos não se relacionam uns com os outros. Ou melhor, os seres humanos definem-se pela roupa que usam cada dia, e as relações desenvolvem-se com base nas roupas. O meu melhor amigo, por exemplo, é um fato castanho, com uma camisa às riscas azuis, e uma gravata com desenhos de tartarugas. Chamo-lhe o “Zé”. Contudo, só por acaso é que as roupas que formam a “personalidade” do meu amigo “Zé” são sempre usadas pela mesma pessoa. Já me aconteceu, por exemplo, encontrar o “Zé” na rua, incorporado por um senhor de bigodes grisalhos, ou incorporado por um indivíduo louro gordo, de trejeitos efeminados.
A roupa que corresponde ao “Zé” determina, todos os dias, a personalidade do “indivíduo” que a veste (coloco a palavra indivíduo entre parêntesis porque na nossa cidade discute-se se o ser humano destituído de roupa tem uma personalidade definida).
Quando abordo os diferentes “Zés”, estes mostram, por vezes, surpresa, durante alguns segundos. Mas depois desenvolvemos a conversa como se nada de anormal se passasse.
A minha primeira mulher chamava-se “Madalena”, nome correspondente a um vestido de noiva branco Cai-Cai, com um corpino com suave drapeado, faixa em veludo em torno da cintura, rematada com um pregador de brilhantes e uma saia em tule com pequenos panos cortados em bico, que adornava um belo corpo louro, feminino e voluptuoso, que conheci uma vez à porta de uma igreja. Na manhã seguinte à noite de núpcias, cada um de nós se vestiu com outras roupas e foi à sua vida.
De vez em quando, encontro em restaurantes, ou a festejar o Copo de Água, ou à porta de outras igrejas, ou dentro de um carro com as inscrições “casados de fresco”, o vestido de noiva branco Cai-Cai, com um corpino com suave drapeado, uma faixa em veludo em torno da cintura, rematada com pregador de brilhantes e uma saia em tule com pequenos panos cortados em bico, e que corresponde à minha noiva “Madalena”. Nessas alturas, e quando me apetece, mostro aos presentes a minha foto de casamento, pego na “Madalena” e satisfazemo-nos no próprio local, ou numa pensão próxima. Depois, cada um vai para seu lado.
Costumo andar com uma mala de roupa, que levo para todo o lado. Nunca sei onde acordarei. Hoje de manhã, por exemplo, resolvi vestir umas calças pretas de ganga, uns ténis Allstar, e uma tshirt do “Super-Homem”, e fui abordado, só de manhã, por duas roupas femininas diferentes (Umas calças jeans azuis claras com cintura baixa, com uma camiseta em meia-malha cinza, a quem dei o nome de “Isabel”; umas calças jeans, de cor cinza, com brilho, e uma blusa com manga longa preta, a quem dei o nome de “Maria Rita”, cada uma reclamando ser eu o seu namorado).
Mas nem tudo foi positivo, pois um homem com cabelo oxigenado, e umas leggings apertadas aproximou-se, com um ar lascivo, e tive de fugir durante um bom bocado.
À tarde, tive de ir trabalhar, pois um senhor engravatado, e com ar de poucos amigos, chamado “Senhor Silva”, chamou-me de um restaurante, perguntando quando é que eu ia levantar as mesas.
Como vê, estabelecemos relações humanas diferentes, todos os dias. Não sei, todavia, se o termo “relações humanas” estará correcto, uma vez que as mesmas estão em constante mutação.
Também se pode levantar a questão do livre arbítrio. Mas, como disse atrás, se discutimos se um corpo despido de roupa é destituído de personalidade, só podemos falar de livre arbítrio no momento em que temos alguma roupa vestida (daí o facto de haver muitas pessoas, na nossa cidade, que fazem sexo de meias vestidas, para não perderem a personalidade).
Mas chega de conversas. Hoje vou dormir a casa da “Isabel”. Amanhã, talvez vista o meu casaco de cabedal preto, as minhas calças azuis, e a minha camisa vermelha. Talvez encontre a “Ana Li”, um vestido azul, às bolinhas brancas que, quando esteve incorporado numa morena escultural, me chamou de “meu tigrão”, e que me levou no seu descapotável vermelho, rumo aos limites orientais de Pandrabombagrad, a cidade onde os seres humanos se definem pela roupa que usam cada dia e a personalidade está, literalmente, à flor da pele.