quinta-feira, junho 28, 2007

Soma

O desenho da letra, o corpo-a-corpo, o corpo do texto, o corpo de delito, preto-no-branco-branco-no-preto, eis o meu corpo, o-corpo-é-que-paga, cubro o teu corpo, circundo, circuncisão. E'vry byte and bit of a binary scale will cum alive. A letra morta mostra os dentes monstruosos e ri.

Seppuku

Ó! meus irmãos! Ouvi um riso que não era um riso de homem... e agora devora-me uma sede, uma ânsia que nunca se aplacará.
Devora-me a ânsia daquele riso. Ó! Como pude eu viver ainda? E como poderia agora morrer?”

(Friedrich Nietzsche, Also sprach Zarathustra – Ein Buch für Alle und Keinen)

O Pinguim Sombrio

A Luisinha anda sempre atarefada, corre esbaforida, e fica cansada, está sempre triste, transtornada, pobre rapariga, alma penada.
Compra todos os jornais e editoriais, que tenham fotografias de artistas mortos prematuramente.
Ela só gosta de um homem, que tenha morrido jovem ou de repente, com um cadáver belo e sorridente, e que fique bem nas capas das revistas.
Tem o seu quarto carregado com centenas de posters e postais ilustrados, com as caras e os retratos dos seus artistas velados.
Na parede do lado esquerdo é o Kurt Cobain, a Marilyn Monroe, o Hart Crane e o Edgar Allan Poe.
Mais adiante, em tamanho gigante, uma foto do Jeff Buckley, que morreu afogado.
Em baixo, o Elliot Smith, que foi esfaqueado, o John Lennon, baleado, o Belushi, que se passou com uma overdose, e o Phil Lynott, que sucumbiu à cirrose.
Na outra parede temos os Ramones e o Brian Jones;
o Marvin Gaye, que o pai sacrificou com uma espingarda;
e o António Variações, a quem de nada valeu o anjo da guarda.
Junto ao divã, um exemplar de "A Morte é uma Flor", do Paul Celan.
No leitor de Cd's, o Ian Curtis, que morreu enforcado, e o Robert Johnson, que foi envenenado.
Tem um blog com fotografias e um livejournal de poesia, do Daniel Faria, Miguel Rovisco e Antero de Quental.
A estes passatempos, tomou-lhes o gosto. Talvez por isso se tenha esquecido do meu aniversário, por estar entretida a ler o obituário de mais um ídolo decomposto.

quarta-feira, junho 27, 2007

Resoluções Para Quando Envelhecer

Não casar com mulher nova.
Não procurar a companhia da gente moça, a menos que ela o queira.
Não ser impaciente, nem rabugento, nem desconfiado.
Não depreciar o presente, as suas concepções, modas, homens, guerras, etc.
Não estar sempre a contar a mesma história às mesmas pessoas.
Não ser avarento.
Não ser influenciado, nem dar ouvidos a ditos e mexericos, seja de quem for.
Não estar sempre a dar conselhos, a menos que mos peçam.
Pedir a alguns bons amigos que me apontem, entre outras resoluções, aquelas que eu não tiver cumprido, ou tiver negligenciado, e em quê; e modificar-me de acordo com essas críticas.
Não falar demais, sobretudo de mim.
Não me gabar da minha beleza passada, da minha força, nem do meu valimento junto das damas, etc.
Não dar ouvidos à lisonja, nem pensar que posso ser amado por uma jovem, "et eos qui hoereditatem captant, odisse ac evitare".
Não ser categórico nas minhas afirmações, nem teimoso.
Não me dispor a cumprir todas estas regras, por receio de não observar nenhuma delas.

(Jonathan Swift- 1699)

terça-feira, junho 26, 2007

Esboço

- Olá.
- Olá.
- Tás bom?
- ...
- Não tás com boa cara!
- ...
- Queres bater-me?
- Sim.
- Bate-me aqui (aponta para o nariz).
- Não, aí não.
- Então aqui (aponta para a boca).
- Não, aí também não.
- Então aonde?
- ...
- Queres violar-me?
- Sim.
- Aqui? À frente de toda a gente?
- Não.
- Então ali, naquela casa-de-banho pública?
- Também não.
- Então?, em minha casa? No meu Quarto?
- Não.
- Então aonde?
- Queres que eu me ponha de joelhos?
- Sim.
- Tá bem. (ajoelha-se) Assim tá bem?
- Não.
- (curva-se até lhe tocar com a cabeça nos pés) E assim?
- Não.
- (levanta-se) Queres que eu esteja calado?
- Sim.
- (alguns segundos depois) Assim?
- (saca de uma adaga árabe e espeta-lha no pescoço).
- Tás parvo! Queres que eu morra?
- Não, só quero que estejas calado.
- (ouve-se um último estertor antes de as luzes se apagarem)

O nosso bem-haja a leitores de blogs, críticos de arte, sopeiras, desempregados, vagabundos e afins

O Ângulo Saxofónico foi considerado pela UQBAR (Union for the Quality of Blogs Along the Road) “the most valuable blog” na categoria de Blog Criativo Escrito a Espaços Por Três Elementos e Consultado Irregularmente Por Outros Tantos Leitores Ocasionais de Blogs. Foi-lhe ainda outorgada uma menção honrosa, surgindo destacado na poll dos Blogs Mais Crípticos Cujas Piadas Indecifráveis Roçam Por Vezes o Mau Gosto e a Estultícia Revelando Uma Aversão Patológica à Realidade Bem Como à Actualidade. Os Prémios serão entregues na gala anual da TLON (Totally Liar Organization of the North) que decorrerá no Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, e a cerimónia contará com a presença dos magníficos Orbis Tertius. Um bem-haja a todos vós.

O amor via SMS -2

Ktkero k te keria k m kiseras axim.

Conselho Saxofónico do Dia

Não te mexas. Não abras a boca. Principalmente, não te atrevas a mexer os dedos ou a desviar o olhar. Elimina gradualmente tudo o que possa ser supérfluo para a inanidade.

next to of course god america

"next to of course god america i
love you land of the pilgrims' and so forth oh
say can you see by the dawn's early my
country 'tis of centuries come and go
and are no more what of it we should worry
in every language even deafanddumb
thy sons acclaim your glorious name by gorry
by jingo by gee by gosh by gum
why talk of beauty what could be more beaut-
iful than these heroic happy dead
who rushed like lions to the roaring slaughter
they did not stop to think they died instead
then shall the voice of liberty be mute?"

He spoke. And drank rapidly a glass of water

(e.e.cummings)

segunda-feira, junho 25, 2007

O estranho caso do Doutor Joaquim e do Senhor Esconde

Estava eu a arrastar uns documentos para a reciclagem do meu computador quando ouço gritos de desespero: “Não, por favor, não!”, “Pára, não queremos ir para o lixo.” Primeiro pensei que se tratava do fulgor da minha imaginação – é que, para além de eu ser muito inovativo (inovative no original) também sou bastante imaginativo – e só depois realizei (realized no original) que os documentos estavam a falar comigo. Meu deus, gritei eu, e no último segundo Hollywoodiano (the last hollywodesque second, no original) poupei os pobres documentos que já estavam a estrebuchar de tanto sofrimento. Para me certificar de que eu não estava no meio de uma experiência onírica, de uma trip (trip, no original) de um qualquer alucinogéneo ou no meio de um livro de Burroughs, resolvi abrir os documentos, porque essa era uma tarefa fazível (feasible, no original). Eram os documentos relativos ao meu curso superior (my grade, no original): words de relatórios, powerpoints de apresentações, excéis de tabelas de cálculo, etc. De cada vez que eu abria um dos documentos eles saltavam e contorciam-se e eu dava-me conta de que nada tinha sentido, nem o conteúdo nem a forma dos documentos, nem a estúpida tentativa de escrever um texto sobre nada com o pretexto de se tratar de um exercício satírico, de uma certa forma de incorporar a cultura que vem de fora. Lição cultural a reter: no tempo dos gregos esse movimento chamava-se helenização, no tempo dos romanos, romanização, no tempo dos portugueses não sei, no tempo dos americanos, americanização, ou como querem alguns, ângulo-saxofonização. Fiquem bem e não stressem (don’t stress, no orginal), acima de tudo (above all, no original).

Os Nervos e as árvores

Tenho de escrever.
Escrever algumas palavras
para impedir os nervos de me aniquilarem.
Eu tenho um sistema nervoso.
Um sistema nervoso é o sistema responsável
pela preservação dos organismos mais evoluídos
na natureza. Organismos móveis.
As árvores não se movem.
Não necessitam de sistema nervoso.
E, por isso,
não escrevem.

sábado, junho 23, 2007

Receita Saxofónica Do Dia

Para cozinhar Lolitas, precisamos de um pouco de açafrão, coentros, rebentos de soja, mais uns pedaços de pão, tudo bem regado em azeite e uma pitada de vinho da casa, carrascão, juntamos alho, orégãos, quatro folhas de um trevo, para ajudar à digestão, mais uns pedaços de milho, tomates, cebola, queijo ralado e duas colheres de grão, salsa, pepinos, abacaxis, tudo o que estiver à mão.
Quando ficar bem quente o forno, atira-se a Lolita para dentro do caldeirão.
Depois, esperamos uns minutos, trauteando uma canção.
A Lolita chamar-te-á quando estiver pronta para a acção.
Acendem-se umas velas, para criar ambiente, e começa a refeição.

quarta-feira, junho 20, 2007

Pos-diálogo

Um ser post-metafísico encontra-se com um ser post-moderno e entabulam o seguinte post-diálogo:

Post-metafísico: Olá, como vais, post-moderno?
Post-moderno: Olá, vou bem e tu?
Post-metafísico: Comigo tudo corre pelo melhor. Olha, tenho um jogo para te propor. Na verdade, ou melhor, na post-verdade é um post-jogo.
Post-moderno: Então diz lá qual é. A que post-regras obedece?
Post-metafísico: É simples. Eu proponho-te um tema e depois debatemos acerca desse tema. Bem, não é propriamente um tema, mas um post-tema.
Post-moderno: Ok, tudo bem. Podes começar.
Post-metafísico: Lembras-te do massacre do Virgina High-tech?
Post-moderno: Do quê?
Post-metafísico: Pois, já esperava. Foi uma cena que aconteceu há muito tempo... acho eu. Mas acho que tenho uma cena mais fácil de recordar.
Post-moderno: Ya, diz lá.
Post-metafísico: Desapareceu uma miudinha no Allgarve, não há muito tempo. Se bem me lembro chamava-se Maddie. recordas-te?
Post-moderno: Hummm, não tou a ver...
Post-metafísico: Já esperava. Eu também já não me lembro muito bem, por isso é que estava a pedir-te auxílio. Este jogo, no fundo é como um auxiliar de memória, mas já vi que não vai resultar. Espera aí, já sei. Tens mais ou menos presente na memória a altura em que se deu a Terceira Guerra Mundial, ou não, aquela que arrasou tudo e por causa da qual nos ensinam na escola que temos que viver dentro destes tubos de ensaio?
Post-moderno: Humm, não me parece...
Post-metafísico: Deixa lá isso. Vamos mas é ali ao Chemical Brothers tomar uns shots de tintura de iodo. Tou cá com uma secura.
Post-moderno: Ya, boa ideia. Bora lá.
Post-metafísico: Bute.

domingo, junho 17, 2007

Provérbio Saxofónico do dia

As teimas tiram-me o tempo, o tempo tira-me as teimas.

quinta-feira, junho 14, 2007

Festival de Verão - Space Rock in Paris-China Border

O NME acaba de anunciar, na versão online, que o tão aguardado Space Rock in Paris China Border Summer Festival se irá realizar entre os dias 20 e 25 de Agosto. Está já confirmada a presença do exciting MC Homem-Gargalhada, dos magníficos X Generation and the Belivers e do mítico Valdju, que nos últimos anos tem andado hibernado, à procura do som sublime. Ainda não confirmada é a presença de um grupo de Ursos Amestrados a tocarem versões de Syd Barrett. A não perder...

terça-feira, junho 12, 2007

Conselho Saxofónico do Dia (cortesia do Algazel)

Constrói uma casa só para elas irem à casa de banho.

sábado, junho 09, 2007

A Ideia de Estudo

«... a mais extrema e exemplar incarnação do estudo na nossa cultura não é, nem a do grande filólogo, nem a do doutor da Lei. É antes a do estudante, tal como ele aparece em certos romances de Kafka ou de Walser. O modelo destes é o do estudante de Melville, que passa a vida numa mansarda baixa "em tudo semelhante a um túmulo", os cotovelos apoiados nos joelhos e a cabeça entre as mãos. E a sua figura mais acabada é a de Bartleby, o escritor que deixou de escrever. Neste caso, a tensão messiânica do estudo foi invertida, ou antes, está para lá de si mesma. O seu gesto é o de uma potência que não precede o seu acto, mas se lhe segue e o deixou para todo sempre atrás de si: é o gesto de um Talmud que não só renunciou à reconstrução do Templo, mas pura e simplesmente o esqueceu. Deste modo, o estudo liberta-se da tristeza que o desfigurava, para regressar à sua verdadeira natureza: não a obra, mas a inspiração, a alma que se alimenta de si própria.»

Giorgio Agamben, Idea della Prosa

sexta-feira, junho 08, 2007

O amor via SMS

Não te liga, o teu amor?
Então liga o Ipod
e põe o auscultador.

Não te liga, o teu amor?
Então põe bronzeador
e vai à praia, está calor.

Não te liga, o teu amor?
Então, liga o computador
e descarrega o tempo
em torrentes de dor.

quinta-feira, junho 07, 2007

Papel timbrado

Num farol sobre uma falésia a pico (talvez o de Rachilde), subindo três patamares, estava uma mesa pé-de-galo em cima da qual encontrei um pedaço de papel timbrado, rabiscado com estas notas soltas, talvez um plano para uma antologia:

+ Arturo Belano: Pistolas en el fondo del mar (poème)
- Clément Cadou:
Autoportrait
* Niels Runeberg: Den hemlige Frälsaren
- Roberto Moretti:
+ Ulisses Lima: ¿Cuántos hijos tuvo Diógenes el Cínico / amarrado al barril donde contaba puras leperadas?
- Paranoico Pérez: La Caverna
* Pierre Ménard:
§ Pánfilo Contreras: Antenosis: despertar-rayo-tremolar
+ Benno Von Archimboldi:
Lüdicke
+ Boris Ansky:
+ Cesárea Tinajero: Poema gráfico
Quem me ajuda a encontrar o resto?

terça-feira, junho 05, 2007

Algumas Ideias Sobre o Belo: Deus fala às criaturas

Foi agradável ver como toda a arte europeia desde a queda de Roma até à queda da Europa se orientou num sentido transcendente, isto é, para fora do Homem, mesmo sem este ter que perceber porquê. Eu, daqui deste lado, fui sempre patrocinando esses devaneios. Perguntam vocês, fazendo o quê? Ora bem, fazendo dessa arte uma arte bela por si. O que é que aconteceu depois? Devo confessar que ainda nem eu fui capaz de perceber bem, mas todos deixaram de acreditar em mim, e passaram a ter a certeza de não querer ter certezas. Ora bem, a partir de agora façam tudo sozinhos, o que é o mesmo que dizer de um modo imanente. Condeno-vos a carregar eternamente a ideia do belo perdido, mas nada disto é novo. Também os Gregos abandonaram os pais olímpicos, também os persas, também os egípcios, também...

sexta-feira, junho 01, 2007

Acabou-se

Não haverá mais citações do Diário Secreto de Puchkin. Se querem saber alguma coisa acerca da Fenda, se querem ouvir a voz desesperadamente sincera do pequeno poeta descubram primeiro a grande Maddie.