O pequeno Renato -uma história bucólica - parte 1
Estes factos ocorreram durante o período dos intercâmbios de
conhecimentos.
Dona Georgina foi intercambiar os seus conhecimentos para
bem longe, um pouco para lá do país dos hexágonos amarelos e um tanto ou quanto
ao largo do Estado das Valquírias em pé-de-vento.
À distância, as coisas têm um outro encanto e os hexágonos
amarelos, que tanto fascinaram Dona Georgina em criança, desde o dia em que os
descobriu numas fotos saídas em revistas de postais ilustrados, pareceram-lhe,
à hora da sua chegada, uns meros pentágonos salpicados em tons de amarelo já um
pouco descorado, um pouco a dar para o cinzento.
Das Valquírias não viu nem vestígios, deviam ter marchado
para outras paragens mais auspiciosas, mas os pés-de-vento sopravam bem forte,
já não eram apenas pés, surgiram mãos e troncos de vento, que carregavam todo e
qualquer objecto que aparecesse pela frente.
(Na imagem de cima, Dona Georgina prepara-se para combater as Valquírias pé-de-vento)
Por isso, quando Dona Georgina não se encontrava a
trabalhar, trancava-se a sete chaves dentro do pequeno quarto, sem fazer
barulho e punha-se a contar os tostões que haveria de mandar ao seu pequenino
Renato, o filho que deixara para trás, na terra natal.
Dona Georgina enviava
pelo correio, religiosa e pontualmente, todo o dinheiro que conseguia juntar,
para que nada obstasse à educação e bem-estar do pequeno Renato.
Nos primeiros tempos do período dos intercâmbios de
conhecimentos, o dinheiro de Dona Georgina era de qualidade, uma moeda forte e
deslizante, que se deslocava bem em todo o tipo de mercados.
Quando emigrou para terras distantes, a Dona Georgina deixou
o pequenito Renato a viver num casebre, rodeado de um pequeno e inóspito terreno.
O casebre não passava mesmo de um pardieiro, quatro paredes
sujas, em madeira, sem água corrente e electricidade nem o mais elementar
saneamento básico.
Porém, a primeira tranche da injecção económica enviada pela
Dona Georgina provocou melhorias substanciais no casebre:
Em primeiro lugar, as infra-estruturas básicas:
Água, electricidade e rede de saneamento.
Uns meses mais tarde, o casebre estava transformado num edifício
de 15 divisões, sem contar com os anexos, tudo decorado com estátuas e pinturas
neo-clássicas, mas com temas rústicos. Havia, por exemplo, uma estátua de David
a montar um cavalo selvagem ou uma pintura da Deusa Atena a caçar leitões.
(Na imagem de cima - o casebre e a estátua de David, antes de o casebre se transformar em mansão e antes de David montar cavalos selvagens)
O pequeno e inóspito terreno, que antes se encontrava ao
abandono, foi transformado numa moderna quinta agrícola, limpa, arejada, um
regalo para os olhos.
O dinheiro da Dona Georgina serviu para comprar os terrenos limítrofes.
Também serviu para comprar equipamentos topo de gama, máquinas agrícolas vindas
do estrangeiro, materiais de construção só do mais que bom e do melhor que bom,
uma categoria, que só visto, nem vale a pena andar com palavras mansas a
descrever tudo.
O terreno patrocinado pela Dona Georgina tornou-se uma
quinta e peras.
A quinta não se especializava num trabalhinho ou outro, ai
isso é que não. Pelo contrário: a palavra era apenas uma: diversificar.
Por isso, a quinta especializou-se no ramo da Pecuária, ou
seja, na criação de gado, domesticação e reprodução de animais.
Mas a quinta não se especializou apenas num tipo de animal.
Na quinta de Dona Georgina e do pequeno Renato havia avestruzes,
bois, bezerros, burros, bodes, cabras, cabritos, coelhos, cães, cisnes, cavalos,
cordeiros, carneiros, corvos, galinhas, galos, gansos, garnizés, gatos, éguas,
faisões, leitões, mulas, ovelhas, patos, perus, pintainhos, porcos, pombos,
potros, ratos, vacas, vitelos.
Mas a quinta da Dona Georgina e do pequenito Renato não se
especializou apenas na Pecuária.
A quinta tornou-se uma referência no domínio da Agricultura,
ou seja, o conjunto de técnicas utilizadas para cultivar plantas, com diversos
objectivos, tais como:
Obter alimentos, obter fibras, energia, matéria-prima para
todo o tipo de roupas, incluindo têxtil (algodão, seda, linho, lã, couro),
construções, medicamentos, ferramentas ou apenas para contemplação estética.
Mas a quinta da Dona Georgina e do pequeníssimo Renato não
se especializou apenas na Pecuária e na Agricultura.
Também se especializou no cultivo.
Mas não estamos só a falar de um pequeno aspecto de todo o
enorme universo do cultivo.
A quinta da Dona Georgina ocupava-se de todas as tarefas
relacionadas com o cultivo.
Fazia-se colheita de soja, colheita de milho, criação de
gado, cultivo das terras, plantação e colheita de grãos, ordenha de gado
leiteiro, corte de cana, implantação de cercas ao redor da propriedade.
Mas a quinta de Dona Georgina e do pequenote Renato não se
especializava apenas na pecuária, agricultura e cultivo.
A quinta era um autêntico viveiro de todos os espécimes da
condição humana, um open space cheio de janelas onde espreitava a oportunidade
de um futuro risonho para cada um dos felizes filhos de Deus que trabalhavam na
quinta.
Porque, para encetar todo este género de trabalhos, era
necessária a mão-de-obra humana.
Por isso, a quinta de Dona Georgina e do pequeno Renato
especializou-se na tarefa de ordenar, conduzir, manejar e liderar toda uma
panóplia de seres humanos que passou a habitar na bem-aventurada quinta.
E havia trabalhadores de todo o tipo:
Havia trabalhadores autónomos, avulsos, cooperados, empregados,
estagiários, eventuais, voluntários, temporários…
Por serem de tantas e tão variadas espécies, havia que os
ordenar, até porque cada um dos humanos tem o seu mister.
Como tal, foram ordenados por equipas:
Havia a equipa da Pecuária, que albergava várias
sub-equipas.
Dentro da equipa da Pecuária, havia, por exemplo, a
sub-equipa da suinicultura.
E dentro da sub-equipa da suinicultura, havia vários
sectores, até porque porcos há muitos e na quinta da Dona Georgina e do
pequenote Renato houve, desde sempre, a vontade de trabalhar com todo o tipo de
porcos: desde o simples porco doméstico (Sus domesticus), passando pelo Duroc,
o Large white, o pietram, o HampShire, mais as raças suinas brasileiras (piau,
moura), todos eles habitavam os ilustres chiqueiros de Dona Georgina e do
pequeno Renato.
Saindo dos porcos e voltando outra vez para os inquilinos
humanos da quinta desta nossa história, cada um dos sectores era formado por
diversos indivíduos.
Havia todo o género de indivíduos. Mas, para facilitar as
coisas, passaram a ser todos tratados por “Zé”.
(Na imagem de cima, os "Zés")
Os “Zés” distinguiam-se pelo sector que ocupavam. Um Zé que
trabalhasse no sector do porco selvagem, no turno entre a meia-noite e o meio-dia
era, por exemplo, o Zé.PoSel.00-12.00
(Zé – Porco Selvagem; 00-12, ou seja, turno entre as 0 e as
12).
Os funcionários tratavam-se entre si pelos nomes de
trabalho.
À hora do almoço, podia-se ouvir esta conversa entre os
funcionários da sub-equipa da suinicultura:
- Ó Zé PoSusdom.16.00-22, foste sair este fim-de-semana?
- Yá, foi fixe, fui tomar um copo. Sabes quem é que
encontrei?
- Não.
- O ZéPoDuroc.18.00-23.00 e o Zé.Po.Pietram.02.00-10.00
- A sério? Pensava que os gajos não se curtiam.
- Também eu!
- Ontem vi o Zé.Po.Piau.13.00-19.00 com uma gaja podre de
boa. Fónix. Até me babei só de olhar para ela.
- O Zé.Po.Piau. 13.00-19.00? Pensava que o gajo era boiola.
- Népias. Estás a confundir com o Zé.Po.Piau.01.00-06.00. O
gajo até andava a comer o Zé.Vac.Loucas.00.00-08.00, daquele outro sector.
- Yá, é isso, estava a confundir.
O sector dos trabalhadores funcionava mais ou menos assim.
Mas história que se preze tem de ter uma miúda com um papel
relevante.
Vamos falar dela, da futura Sra. Mulher do pequeno Renato,
no capítulo que se segue.
Aposto que, com esta informação, o caro leitor começou a
tomar atenção à nossa história!
Um abraço amigo do vosso narrador.