quinta-feira, agosto 24, 2006
domingo, agosto 13, 2006
Onan
Enquanto o pó me ardia na pele, fantasiei com águas correntes por entre as coxas. Indolente, jazendo nesta tina gelada, sonhei com o calor branco dos astros celestes. Só e abandonada ao tempo, descobri a volúpia na afecção dos corpos inanimados.
A Preguiça
«A alma adora nadar. Para nadar, há que deitar-se de barriga. A alma despega-se e parte. Parte a nadar. (Se a vossa alma parte quando estais de pé, ou sentados, ou de joelhos, ou apoiados nos cotovelos, para cada posição corporal diferente a alma partirá com uma locomoção e uma forma diferentes, segundo concluirei mais tarde).
Fala-se muito em voar. Não é isso. O que ela faz é nadar. E nada como as serpentes e as enguias, nunca de outro modo. Há imensa gente que tem assim uma alma que adora nadar. Chamam-lhes vulgarmente preguiçosos. Quando a alma deixa o corpo pelo ventre para nadar, produz-se uma tal libertação de sei lá o quê, é um abandono, um gozo, uma descontracção tão íntima.
A alma parte a nadar no vão das escadas, ou na rua, consoante a timidez ou a audácia do homem, porque ela conserva sempre um fio que a une a ele, e se esse fio se quebrasse (às vezes é muito fino, mas só uma força terrível o poderia romper) seria terrível para eles (para ela e para ele).
Então, quando ela está entretida a nadar ao longe, escoam-se, por esse simples fio que liga o homem à alma, volumes e volumes de uma espécie de matéria espiritual, como lama, como mercúrio, ou como um gás - gozo interminável.
É por isso que o preguiçoso é incorrigível. Nunca mudará. É por isso que a preguiça é a mãe de todos os vícios. Pois acaso haverá coisa mais egoísta do que a preguiça?
Tem fundamentos que o orgulho não tem.
Mas as pessoas irritam-se com os preguiçosos.
Quando os vêm deitados, batem-lhes, mandam-lhes água fria à cabeça, eles têm de recolher a alma imeditatamente. Olham-vos então com esse olhar de ódio bem conhecido, que se vê sobretudo nas crianças.»
(Henri Michaux, 1929)
Fala-se muito em voar. Não é isso. O que ela faz é nadar. E nada como as serpentes e as enguias, nunca de outro modo. Há imensa gente que tem assim uma alma que adora nadar. Chamam-lhes vulgarmente preguiçosos. Quando a alma deixa o corpo pelo ventre para nadar, produz-se uma tal libertação de sei lá o quê, é um abandono, um gozo, uma descontracção tão íntima.
A alma parte a nadar no vão das escadas, ou na rua, consoante a timidez ou a audácia do homem, porque ela conserva sempre um fio que a une a ele, e se esse fio se quebrasse (às vezes é muito fino, mas só uma força terrível o poderia romper) seria terrível para eles (para ela e para ele).
Então, quando ela está entretida a nadar ao longe, escoam-se, por esse simples fio que liga o homem à alma, volumes e volumes de uma espécie de matéria espiritual, como lama, como mercúrio, ou como um gás - gozo interminável.
É por isso que o preguiçoso é incorrigível. Nunca mudará. É por isso que a preguiça é a mãe de todos os vícios. Pois acaso haverá coisa mais egoísta do que a preguiça?
Tem fundamentos que o orgulho não tem.
Mas as pessoas irritam-se com os preguiçosos.
Quando os vêm deitados, batem-lhes, mandam-lhes água fria à cabeça, eles têm de recolher a alma imeditatamente. Olham-vos então com esse olhar de ódio bem conhecido, que se vê sobretudo nas crianças.»
(Henri Michaux, 1929)
Circe Revisitada
Lembras-te, Circe, dos passeios vagos, dados por entre os escombros da cidade, debicando pedaços de histórias, encantos subnutridos? Lembras-te dos olhares trocados, por entre pedaços de gelatina ambiciosa, escorrendo por entre os dedos da nossa carne? E o crepúsculo não pertencia aos deuses, roubávamo-lo todos os dias e revíamo-lo à mesma hora, naquele local escondido, longe de todos os olhares indiscretos.
Agora, já nada resta, apenas o reflexo dos canaviais, que me recorda, de tempos a tempos, o teu rosto. No fundo do lago, somente a lembrança fugidia do teu corpo, que repousa por fim, alheio a tudo, à memória dos dias passados juntos e ao sorriso longínquo de quem, outrora, sonhou por ti.
Agora, já nada resta, apenas o reflexo dos canaviais, que me recorda, de tempos a tempos, o teu rosto. No fundo do lago, somente a lembrança fugidia do teu corpo, que repousa por fim, alheio a tudo, à memória dos dias passados juntos e ao sorriso longínquo de quem, outrora, sonhou por ti.