quarta-feira, outubro 14, 2009

Histórias Para Crianças, Com Finais Felizes- 1

Naquele dia, a Rainha respondeu, confiante, ao seguinte Quiz: de entre todos os seus amigos de Facebook, há algum mais belo do que você?
A resposta não tardou, e enraiveceu a Rainha: havia, de facto, entre os seus contactos, uma mulher mais bonita do que ela: tratava-se da Branca Deneuve, famosa por ser famosa, e por usar belos colares de diamantes, fabricados pelo seu séquito mais próximo de admiradores, uma bizarra trupe de anões.


“Ah, mas isto não pode ficar assim”, pensou a terrível Rainha. E resolveu acabar com a saúde da pobre Branca Deneuve.
Para isso, empregou-se como sua Criada, e Assistente Pessoal. A anterior Assistente de Deneuve fora despedida, de véspera, e havia uma vaga.


A Rainha disse que vinha do Leste da Europa, o que agradou sobremaneira à bela Deneuve, que achava “giro” falar com pessoas desse país tão distante, e com um nome tão esquisito, como “Leste da Europa”.
“Como é que se chamam os habitantes do Leste da Europa? São os Lestos?”.
“Lesta vou ser eu a acabar-te com o sebo, sua idiota”, pensou a Rainha.


A Branca Deneuve começou a ditar algumas das tarefas da sua futura Assistente Pessoal.
“Olha, em primeiro lugar, fica a saber que eu sou actriz, e apresentadora de programas juvenis. Mas não consigo decorar palavras, eu sou, tipo, uma jovem que curte movimento e tar sempre a mexer-me, e sou bué desconcertada, não consigo ler duas linhas de palavras, tás a ver? Assim, vais ter de me ler os textos todos para um microfone, que está ligado a um oracular na minha orelha, pa eu ouvir e dizer tudo bem, vais ser, portanto, a minha orácula, yá?”.
“Yá, respondeu, enfastiada, a Rainha”.
“Em segundo lugar, eu curto bué frutas, mas não curto tar a tirar as garinhas das uvas, ou a tirar os caroços das cerejas. Por isso, vais fazer isso pa mim, tá? Se quiseres, podes comer as garinhas e as cascas das furtas, aí no Leste devem passar bué fome, não é?
“Yá”, respondeu, irritada, a Rainha.
“Vá, agora vai mas é trabalhar”.


A Rainha teve de fazer todos os serviços domésticos - lavar, varrer, cozinhar, e era alvo de deboches e malvadezas. Mas não esperou pela vingança. Um belo dia, pediu aos seus amigos, os animais da floresta - passarinhos, ratinhos e esquilos, para lhe trazerem uma enorme quantidade de cerejas, com os maiores caroços que encontrassem.

E assim foi. Na manhã seguinte, havia dois caixotes cheios de enormes e suculentas cerejas.
Depois, a Rainha chamou Branca Deneuve:
“Querida Patroa, veja o que a minha família me mandou, lá da Europa de Leste, em Sua Honra!”.
“Oh, que bonito!”, respondeu a nossa heroína. “Não sabia que havia tanta comida no teu País! E tem um ar tão suculento! Pensava que no teu País, a comida devia ter moscas à volta!”.
“Garanto que a fruta está toda tratada!”, respondeu a Rainha. “E já tirei todos os caroços!”.
Nem foi preciso dizer mais nada. Branca Deneuve engoliu, de um só trago, umas vinte cerejas.
Depois, empalideceu, e caiu redonda, no chão, pois ficou sufocada com os caroços da fruta.
“Oh!Oh!Oh!”, disse a Rainha, antes de se ir embora, à pressa, para casa, experimentar os novos Sapatos de Cristal que ia usar essa noite, num Baile.


O corpo de Branca Deneuve ficou inanimado, no chão. Não tardou que os anões a encontrassem. Mas não pensaram que estivesse morta. Acharam que estava, somente, a dormir. Isto porque os anões tinham estudado Teologia, e tinham lido muito Kierkegaard, que lhes tinha dado a volta à cabeça. Eram grandes fãs de “Ordet”, de Carl Dreyer. Não perceberam nada da leitura de Kierkegaard, e adormeceram a meio do visionamento de “Ordet”, mas acharam, por bem, guardar o corpo num caixão de vidro, até aparecer alguém que dissesse a Palavra que salvasse a sua patroa.

E passaram os anos. O Caixão de Branca Deneuve ficou mais concorrido que o de Lenine, e tornou-se o ex-libris da cidade. O Arquitecto Frank Gehry construiu um bonito Edifício para albergar o seu Mausoléu. O Edifício continha, também, um Auditório, para nele se realizarem Peças de Teatro de Revista, e um Casino, com muitas roletas, mesas de jogo, e bonitos espectáculos de StripTease.

Não eram poucas as celebridades que iam lá tirar fotos. O corpo de Branca Deneuve continuava belo e imaculado, e surgiram várias Associações Religiosas Pró-Canonização da pobre mártir.
As pessoas assistiam a Peças no Teatro de Revista, e saíam de lá, de joelhos, até ao Túmulo de Branca Deneuve, para pedirem um milagrezinho, uma ajuda para os males de amor, ou para ganhar na roleta.
Muitos tiravam fotos, a dar um beijo ao corpo inanimado da Nossa Heroína, depois de pagarem uma quantia à Organização do Espaço.


E eis que apareceu o Príncipe do costume, belo, viril, mas bondoso e sensível, sem ser homossexual, que se apaixonou perdidamente pela pobre Deneuve.
O Prìncipe ajoelhou-se, a chorar, junto do seu leito. Os anões segredaram-lhe ao ouvido: “Príncipe, a Branca Deneuve não está morta, está só a repousar. Para ela acordar, tens de a beijar, e dizer-lhe A Palavra”.
O Príncipe pareceu não compreender o que os anões lhe diziam. Limitou-se a beijar os lábios vermelhos, e gelados de Deneuve.
De seguida, segredou-lhe ao ouvido: amo-te!
Nesse instante, os olhos de Branca Deneuve abriram-se, e ela abriu a boca, dizendo: “Tenho fome! Não me descascam umas uvas, ou umas cerejas?”.
O Príncipe riu-se, e começou a descascar-lhe todo o tipo de fruta que encontrava. E foram felizes para sempre.

Epílogo


Para sempre? Não! Isto porque, durante a noite de núpcias, no momento em que o falo do Príncipe ia provar os outros lábios de Branca Deneuve, um enorme meteorito chocou contra a Terra, matando, de rajada, toda a sua população. De rajada, não, porque muitas pessoas, incluindo a Branca Deneuve sobreviveram, agonizando, durante uma meia hora, que pareceu durar Séculos, devido às insuportáveis dores físicas de que padecia. Deneuve ficou quase totalmente desfigurada, mas conseguiu, ainda, ver que do seu amado Príncipe apenas restava a cabeça, que estava grotescamente desfeita. Deneuve acabou por falecer quando um candeeiro em chamas lhe caiu em cima, e morreu canonizada, perdão, carbonizada.

Mas isto não foi o fim. O violentíssimo choque do meteorito provocou um desvio da rota da Terra, que colidiu com o Planeta Marte. Como num jogo de dominó Inter-Planetário, Marte chocou contra Jupiter, e assim sucessivamente, até que o Sistema Solar e todo o seu conjunto de corpos celestes, incluindo os planetas anões, asteróides e cometas, se desfizeram, numa enorme bola de fogo. O Sistema Solar chocou contra outras Estrelas da Via Láctea. Todas as seis partes que constituem a Via Láctea (núcleo, bulbo central, disco, braços espirais, componente esférico e halo) ficaram destruídas, tal como os 400 biliões de Estrelas que compunham a Via Láctea.
A via Láctea chocou contra a Galáxia mais próxima, que aniquilou a Galáxia seguinte, e assim, sucessivamente.


Todo o Universo ficou destruído. Na hora do Juízo Final, descobriu-se que, afinal, havia mesmo milhões de Civilizações Inteligentes, com Criaturas encantadoras, e cheias de esperança num futuro melhor.

Mas a Morte não foi o fim.

Em breve, todas as Civilizações do Universo descobriram que havia, de facto, vida após a morte. Mas descobriram também, para seu horror, que não existia nenhum Deus bondoso à sua espera, com anjos a tocar harpa, e cordeiros a pastar na relva.
No seu lugar, perfilava-se aquilo a que poderíamos chamar “Demónio”.


Mas este Demónio nada tinha a ver com a Criatura inofensiva imaginada por Bosch, Lovecraft, e tantos outros. O verdadeiro Demónio era bem mais maligno, o “Ser Pior do Que o Qual Nada Pode Ser Pensado” (segundo as palavras de Santo Anselmo).
As almas de todas as Criaturas do Universo foram alojadas em pequenos, e miseráveis compartimentos. Branca Deneuve e o Príncipe eram, agora, vizinhos de um Ser vindo de Andrómeda.


As almas, que cumpriam, a todo o momento, penosas tarefas, que lhes eram incumbidas pelos Demónios, mantiveram, até à Eternidade, a aparência que tinham, no momento do seu falecimento. Como tal, Branca Deneuve ficou, para sempre, com a aparência de um corpo semi-desfeito, e carbonizado. Para além disso, tinha de fazer praticamente todos os trabalhos que eram delegados no Príncipe, uma vez que deste apenas restava a cabeça, o que não era muito prático para a realização de tarefas físicas.

De todos os trabalhos, e tormentos por que tinha de passar Branca Deneuve, havia um que lhe causava um terror bem superior a todos os demais:
Todos os dias, até ao final dos tempos, Deneuve teve de descascar milhões de frutos. Isto porque os Demónios gostavam de os comer, mas não eram parvos, e não queriam ter a trabalheira de estar a tirar-lhes o caroço e as grainhas.



quinta-feira, outubro 08, 2009

A Fome do Artista

Quando a minha namorada foi viver para o estrangeiro, com uma Bolsa de Estudo, resolvi acompanhá-la. Em princípio, ficaríamos um ano fora. Eu estava desempregado, nada me prendia à Cidade-Berço, nem os amigos, de quem me fartara há muito, nem os bares, discotecas, ou as escassas ofertas culturais que havia ao dispor. Além do mais, não me apetecia deixar a minha namorada durante um período tão longo, conhecia a fama da sua cidade de acolhimento, e dos habitantes locais. Deste modo, ficaria por lá um ano, a viver com ela, sempre podia tentar arranjar um trabalho em Part-Time, ou poderia começar a pensar na Tese de Doutoramento.


Chegámos no final do Verão, e instalámo-nos num Apartamento, no centro. Ao princípio, tudo correu bem. Gostávamos da cidade, arranjei um emprego, como Tradutor, e com o meu dinheiro, mais a Bolsa de Estudo da minha namorada, podíamos pagar a Renda, e viver desafogadamente. O Apartamento era pequeno, mas mais do que suficiente para os dois – um quarto, uma sala, uma pequena cozinha e casa de banho.


E assim se passaram alguns meses. Deixei de comunicar com a família, e com os velhos amigos. Depressa me esqueci deles, e suponho que o esquecimento foi mútuo.


Foi numa manhã de Inverno que tive a discussão com a minha namorada. Nem recordo os motivos, mas suspeito que foi por algo fútil, como, por exemplo, eu não ter comprado um pacote de leite, na véspera, ou um qualquer filme, que víramos em DVD, na noite anterior, e sobre o qual tivéramos uma interpretação diferente. Seja como for, nessa noite, ela não regressou a casa. Nem no dia a seguir, nem no outro a seguir. Telefonei-lhe várias vezes para o telemóvel, mas estava sempre desligado, fui à sua Universidade, mas ninguém me conseguiu fornecer informações.


Quando já pensava na possibilidade de me deslocar a uma Esquadra de Polícia, ela apareceu, vinda do nada, com um ar tranquilo. Disse-me apenas que não se ia demorar, era só o tempo de pegar na mala, enchê-la com as suas roupas, e objectos pessoais, e pôr-se a andar.


Explicou-me apenas que se apaixonara por um lindo rapaz que morava noutra cidade, na ponta oposta daquele País, e que ia viver com ele.
“Podes ficar com a casa”, “para não dizeres que eu sou uma cabra megera insensível, informo-te que já paguei, adiantada, a Renda dos próximos três meses”, explicou-me, à laia de despedida, antes de fechar calmamente a porta.


Não sei porquê, lembrei-me da música da Ágata, “podes ficar com a casa do campo, o carro, mas não fiques com ele”. Sorri. Encostei-me no sofá, e adormeci durante umas horas.
Acordei cheio de fome, e acabei de devorar os parcos pedaços de comida que restavam no frigorífico.
Deixei-me ficar num estado de letargia crescente, ao longo de vários dias. Acabara de traduzir um livro há pouco tempo, e estava sem trabalho.
Com o dinheiro que me restava, comprei comida, que deu para uma semana.
Ao fim desse tempo, voltei a ficar cheio de fome. Mas não tinha coragem para pedir dinheiro emprestado, à família, talvez por uma questão de honra. Estive uns dois dias sem comer, e começava a ponderar hipóteses drásticas, como o suicídio, quando se deu o acontecimento, que, como se diz em tantas histórias e filmes, nesta frase batida, “iria mudar, para sempre a minha vida”.


Lembro-me que acordei irritado e desesperado, cheio de fome, depois de um longo e confuso sonho, que misturava comida, a minha namorada, e crocodilos que voavam (confesso que não entendi essa parte do sonho).
Num acesso de raiva, dei um pontapé na parede do meu quarto. Qual não foi o meu espanto e horror, quando reparei que, com o meu pontapé, nela abri um enorme buraco!
Peguei nos bocados de parede caídos no chão, e tentei remendar os danos. Mas reparei que os pedaços se desfaziam nas minhas mãos. Sem saber muito bem porquê (talvez um princípio de loucura provocado pela fome?), levei à boca os pedaços de parede arrancada.
Abri os olhos, de espanto: a parede do meu quarto era feita de chocolate!


Durante um dia e meio, devorei um pedaço inteiro de dois metros de largura por dois metros e meio de altura. Passado mais uns dias, já não havia qualquer separação entre o quarto e a sala.
Reparei que as paredes tinham composições diferentes: havia umas feitas de chocolate branco, outras com pedaços de nata, laranja cristalizada, ou Baileys. A mobília da casa também era saborosa - gostei particularmente da mesa de jantar, feita de chocolate negro temperado com cacau, ou do lavatório da casa de banho, feito de trufas de caramelo.


Ao fim de quatro meses, eu tinha engordado muitos quilos, e tinha devorado grande parte da casa, e da mobília.
Um dia, enquanto eu estava a comer um dos pés da cama, tocaram à porta. Era o Senhorio. Confesso que nem o reconheci, quando lhe abri a porta. Durante esses meses, mal saíra de casa, e deixara de ter contactos com os restantes membros da espécie humana. Mal me lembrava, sequer, da minha namorada. Muito menos me recordava da existência de um Senhorio, a quem tinha de pagar a renda do Apartamento que ocupava.


Penso que o meu aspecto o assustou, pois olhou-me de um modo estranho, inquieto, e balbuciou algumas palavras, como se não me quisesse incomodar.
“Peço perdão, mas notei que este mês não pagou a Renda, e…”….
Não acabou a frase. Nesse momento, já olhara em redor para todo o Apartamento. Ficou petrificado, durante um minuto ou dois.
Só conseguia dizer “o Senhor destruiu-me o Apartamento!”. Depois, abriu uma pasta, que trazia na mão, e mostrou-me um papel. “Leia!”, gritou alto.
Comecei a ler. Era o Contrato de Arrendamento da casa, que assinara, uns meses antes.
“Leia a Cláusula Quinta! Já!”.
Li a Cláusula Quinta, que rezava o seguinte: “não poderão ser realizadas obras no imóvel em questão sem prévia autorização do Senhorio”.
“Pediu-me autorização para partir o Apartamento todo, e para destruir e comer a mobília?” (nesse momento, ele olhou para o pedaço da cama, que eu ainda segurava com a mão, e que ia trincando distraidamente, enquanto lia o Contrato).
“Acho que não”, respondi-lhe.
“Eu também acho que não”, respondeu-me, colérico.


Não me recordo bem do que se passou a seguir. Sei, apenas, que houve muitos gritos, que o Senhorio me tentou atacar, que eu me defendi com uma faca de cozinha (não era feita de chocolate), e que a espetei no peito do Senhorio, que fez um estrondo ao cair no chão. Medi-lhe o pulso. Estava morto. Um rio de sangue corria, livremente, pela sala.
Sentei-me no chão, atordoado, e cansado. Depois, sem saber muito bem porquê, molhei o dedo no sangue do Senhorio, e provei-o. Era bom. Sabia a groselha.


Entretive-me a esvaziar-lhe o sangue do corpo. Colocava-o em vários copos, que engolia de seguida, depois de os encher com gelo (o sangue era quente, como a água que fica esquecida, durante uns meses, no Verão, dentro das garrafas de plástico, nos automóveis).
Cortei-lhe o corpo em pedaços, que separei, meticulosamente, e guardei-o em vários Tupperwares. Por curiosidade, resolvi experimentar o seu sabor. O cérebro era bastante agradável, parecia feito de massa pão. Os intestinos sabiam a aletria, e o fígado fez-me lembrar um Almendrado do Algarve.


Quando estava a devorar o pulmão esquerdo, tocaram-me à porta. Cauteloso, espreitei, para ver de quem se tratava. Era a minha vizinha do lado, uma velha embirrenta.
Abri a porta, e perguntou-me, de chofre: “desculpe, mas há bocado ouvi uns gritos, vindos desta casa. Reparei que era a voz do Senhorio. Está tudo bem?”
“Está, claro! Mas entre, por favor!”, respondi-lhe.


O corpo da minha vizinha também tinha um sabor peculiar. O seu cérebro, por exemplo, sabia a farófias. Fiz uns batidos deliciosos com sucos gástricos, que misturei com pedaços das glândulas pituitárias. O seu exoesqueleto era estaladiço, e crocante.

Durante os dias seguintes, entretive-me a deitar mais paredes abaixo. Fiquei com todo o andar por minha conta. Devorei a mobília da minha vizinha, como o armário que sabia a Charlotte de chocolate, ou o tapete da sala, um fantástico crepe de alfarroba recheado com Chantilly.


Mas vamos acabar com a história, que vai longa. Provavelmente, já me estarão a ler na diagonal.
Ao longo dos meses seguintes, fui conhecendo os outros vizinhos do prédio. Devorei um número indeterminado de pessoas, e executei várias obras que chamaria “Obras Estruturais de Relevo”.
Até que me tornei o único Inquilino. As melhores iguarias do prédio também estavam todas devoradas. Restavam alguns pedaços que não me interessavam (deixei, por exemplo, de lado, as mobílias que sabiam a Doces Conventuais, que nunca apreciei).


Resolvi mudar de casa. Acumulei bastante dinheiro, que roubei aos Inquilinos falecidos.
Um dia, uma bela rapariga estava a mostrar-me um quarto, para arrendar, que ficava na sua casa, e começámos a conversar. Falei-lhe do meu país, e de outros assuntos, literatura, cinema, e doces.
Fiquei nessa casa, e começámos a namorar passado pouco tempo. Nessa altura, eu já tinha ido ao médico, e descobri que tinha Diabetes Mellitus do Tipo 2. Proibiu-me, veementemente, de comer qualquer tipo de doces.


Não me importo muito. Voltei a arranjar trabalho, continuo a morar com a minha namorada, e somos felizes. Aprendi a cozinhar uns magníficos pratos de Nouvelle Cuisine, e também faço um bom sushi.
Não me esqueço de comprar leite, todos os dias, e temos a mesma opinião sobre a música que ouvimos, os livros que lemos, e os DVD’s que vemos em casa, no sofá.
Mas às vezes ponho-me a pensar, e questiono-me se as outras casas, nesta cidade, também serão feitas de chocolate.


Também acontece acordar a meio da noite, e de olhar, faminto, para a minha namorada. Faço-lhe festas na cabeça, e começo a apalpar-lhe o corpo, pensando no lindo manjar que faria com ele (sempre achei que os seus seios devem ter o gosto de Doce de Abóbora com chila). Nesses momentos, a minha namorada acorda, estremunhada, e sorri.
Sorrio, também. Ela beija-me, carinhosamente, e pergunta-me:
“Gostas do meu corpo?”
“É delicioso”, respondo, e continuo a apalpá-la.
Ela ri-se, e sussurra-me, “és insaciável”. Depois, começamos a fazer sexo, até adormecermos, abraçados um ao outro.