sexta-feira, julho 08, 2011

A verdadeira história do Doutor Maçanetas

Personagens:

JOVEM ESCRITOR: Com uma idade de jovem escritor

EDITOR: com uma idade de editor

VELHA: com uma idade de velha.

HOMEM: com uma idade de homem, digamos 50 anos ou 60 anos ou talvez 42 anos

Praça central de uma cidade de província. Tarde de sol. Ao longo da praça estão montados alguns pavilhões, dentro dos quais se encontram várias mesas com livros. No centro da praça há uma mesa rectangular, com uma cadeira, onde está sentado um JOVEM ESCRITOR. Em cima da mesa vemos 10 livros e há um papel, com a inscrição: “SESSÃO DE AUTOGRÁFOS – APRESENTAÇÃO DO LIVRO “AS AMEIXAS DO POLÍCIA” DAS 17 ÀS 18.30”.

JOVEM ESCRITOR (com um ar sonhador e falando entredentes) - e não é que já são 17 e….(olhando para o relógio) 17 horas e 20 minutos e ainda não apareceu uma alminha sequer no centro desta praça ajardinada desta bela e pacata cidade de província. Mas não faz mal. Dá para apreciar melhor a natureza e olhar com atenção para estes belos edifícios de estilo gótico. Ou serão barrocos? Confesso que não percebo muito de arquitectura. Tenho de ler mais coisas sobre esses assuntos. “O saber não ocupa lugar”. E que calma! Consigo ouvir as andorinhas e as rolas a cantar. Ou serão pombas? Confesso que não percebo grande coisa de aves. Tenho de ler mais coisas sobre esse assunto, “burro velho, mais vale matá-lo que ensiná-lo” e eu, com a devida graça divina a quem muito agradeço, sou um jovem escritor. Ou melhor, ambiciono ser escritor, acabei de lançar uma modesta obra, fruto do labor de muitos anos e estou agora a apresentá-la. Não falarei muito sobre ela, até porque “as palavras voam e a escrita fica”. E espero que a minha escrita fique no coração de pelo menos um querido leitor, é só isso que peço. Não tenho pressa, até porque “as cadelas apressadas parem cães tortos.” Olha! Está ali uma velhinha à janela! Vou acenar-lhe. Adeus, querida senhora, como está? Olha, não me respondeu. Não faz mal, não me deve ter visto. Que horas são? (olha para o relógio) O quê? Já são 17 horas e 30 minutos? Que pena! Gostaria de ficar aqui eternamente, a contemplar este pedaço de paraíso. Anda tudo apressado, acham que “em tempo de guerra não se limpam as armas”, mas eu sou pelo amor e pela paz. A propósito, ainda não fiz o meu agradecimento diário:

Querido mundo, agradeço-te por me teres colocado neste país e por me teres ajudado a lançar esta modesta obra de estreia.

Querido país: obrigado por me ajudares a servir-te.

Querido Deus: obrigado por teres criado o mundo e este país e por me teres dado o dom da escrita.

Querida escrita: obrigado por existires.

Querido Guttenberg: obrigado por teres inventado a prensa ou algo do género.

Queridos antepassados remotos: obrigado por terem gerado os meus antepassados menos remotos.

Queridos antepassados menos remotos: obrigado por terem gerado os meus antepassados recentes.

Queridos antepassados recentes: obrigado por terem gerado os meus avós e pais.

Queridos pais: obrigado por me terem gerado.

Queridos professores de toda a minha vida: obrigado por me terem ensinado tudo o que me ensinaram e por terem contribuído para me tornar o que sou hoje.

Queridas todas as pessoas com quem já me cruzei: mil obrigados, sem mais palavras.

Queridas pessoas da editora: obrigado por terem confiado em mim e por terem depositado tantas esperanças neste ser pecador e pecaminoso, com tendências para….

(entretanto, aproxima-se o EDITOR)

EDITOR – querido amigo escritor, peço tantas e tantas desculpas!

JOVEM EDITOR – bons olhos te vejam, meu amigo EDITOR. Ainda agora estava a fazer a minha prece diária, mencionando o teu nome. Lá diz o ditado: “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”, mas meu amigo EDITOR, tu és magnífico e eu sou um pobre diabo, que não mereço estar junto do chão que pisas.

EDITOR (com lágrimas nos olhos) – não digas isso, amigo escritor! Eu trouxe-te aqui, a esta cidade de província, onde não está ninguém, e não aparece sequer uma alma para tu assinares um autógrafo….

JOVEM ESCRITOR – querido editor! “A ambição cerra o coração”! A minha ambição, se é que lhe podes chamar assim, é apenas partilhar dois dedos de conversa contigo, neste paraíso terrestre desta cidade magnífica…

EDITOR – amigo escritor, mas “a barriga não tem fiador”, deves estar com fome…

JOVEM ESCRITOR – alimento-me das trovas do vento e que passa e da tua presença e da alegria de ter editado um livro…

EDITOR – sim, mas “a cada boca uma sopa”…

JOVEM ESCRITOR – basta-me apenas uma sopa. Não preciso de vender nada. “A boca do ambicioso só se fecha com terra de sepultura”.

EDITOR – mas há que tentar vender um livrinho ou outro, não?

JOVEM ESCRITOR – só se for para te agradar. Achas então que deveremos tentar vender alguma coisa?

EDITOR – hum…que tal um livrinho ou dois?

JOVEM ESCRITOR – então vamos tentar vender alguma coisa! Mas atenção: “a fama soa longe. E mais depressa a má que a boa”.

EDITOR- concordo, amigo jovem escritor. Mas como vamos vender um exemplar que seja?

JOVEM ESCRITOR – “se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé”. Iremos de porta em porta tentar vender o produto do nosso modesto trabalho.

EDITOR –oh, jovem escritor! Como és bondoso e proactivo!

JOVEM ESCRITOR –mas vamos já! “a laranja, de manhã é de ouro, de tarde é de prata e à noite mata”.

(o JOVEM ESCRITOR levanta-se da cadeira, pega nos 10 exemplares dos livros e começa a andar, na companhia do EDITOR)

JOVEM ESCRITOR – olha, vamos tentar falar com aquela simpática velhinha que está à janela.

(aproximam-se da janela da velha)

JOVEM ESCRITOR –amiga senhora de idade, boa tarde! Eu sou um jovem que está agora a iniciar-se na aprendizagem da arte da escrita e anda a vender de porta em porta o fruto do seu trabalho, editado pelas graças deste meu fantástico amigo. Não quererás comprar-me um exemplar para me ajudar a matar a fome?

(a velha não responde e afasta-se da janela)

JOVEM ESCRITOR (falando para o editor) – a simpática velhinha vai abrir-nos a porta!

EDITOR –oxalá!

(a velha volta à janela e atira com um penico cheio de fezes para a cabeça do escritor, provocando-lhe um golpe na cabeça).

VELHA –vão trabalhar, seus madraços! Delinquentes! Ficam aí a vadiar e no fumício e depois os governantes têm de tirar as pensões dos pobres velhinhos que andaram a trabalhar a vida toda! “A ociosidade é a mãe de todos os vícios”! Rua! Rua! E não se atrevam a acampar no meio da praça, que isto não é o Rossio! Polícia!

EDITOR – parece impossível! Esta velha deve ter votado no partido liberal, 60% dos habitantes desta cidade votaram no partido liberal e já se sabe, os velhos são fascistas! Isso! Fica aí em tua casa a gozar a reforma mínima! Deves ter ido votar no…

JOVEM ESCRITOR (interrompendo-o) – calma, amigo EDITOR! Não vamos caluniar a senhora. Olha, vamos tentar bater de porta em porta, mas sem dizermos logo que estamos a vender livros…sei lá, podemos dizer que somos de alguma religião, ou que vamos instalar um novo sistema de TV Cabo. “à primeira, qualquer cai. À segunda, cai quem quer”.

(o JOVEM ESCRITOR e o EDITOR afastam-se. A velha ainda tem tempo de atirar um martelo à cabeça do JOVEM ESCRITOR).

JOVEM ESCRITOR (contorcendo-se de dor) – AAAAAI! Não faz mal! “Antes martelo que bigorna”!

(entretanto, aproxima-se uma pessoa, que pára em frente do JOVEM ESCRITOR e do EDITOR. Olha para os livros)

HOMEM – é o primeiro livro?

JOVEM ESCRITOR – perdão, meu amigo?

HOMEM – perguntei se era o primeiro livro que escreve…

JOVEM ESCRITOR – é sim, publiquei-o agora mesmo, saiu há duas semanas…

HOMEM – e já começou a escrever o segundo?

JOVEM ESCRITOR – perdão?

HOMEM – perguntei se já começou a escrever o segundo livro. É importante não parar.

JOVEM ESCRITOR – meu caro amigo, tem toda a razão! “ A conselho amigo, não feches o postigo! “A preguiça morre à sede, andando a boiar”. Vou já começar a escrever o segundo livro neste instante!

HOMEM – aproveito e posso contar-lhe umas histórias. O meu caro amigo pode usar estas histórias para fazer uns contos.

JOVEM ESCRITOR – ora nem mais! Sabe, o escritor é uma esponja! Absorve tudo o que vê e o que lhe contam. É claro que eu não daria o merecido brilho que as suas histórias hão-de merecer. Olhe, meu querido amigo. Nós vamos vender uns livros de porta em porta. Não nos quer acompanhar e aproveita para nos contar uma das suas magníficas histórias? Nada me faria mais contente!

HOMEM –vou à apresentação do equipamento do VITÓRIA FC SPORT CLUB E PROGRESSO e depois vou a um picnic organizado por uma grande superfície comercial, mas ainda tenho uma meia horita e posso acompanhar-vos.

JOVEM ESCRITOR – então bora lá!

(nisto começa a cair uma forte chuvada)

JOVEM ESCRITOR – não faz mal! “Abril águas mil”

EDITOR – mas não estamos em Abril!

JOVEM ESCRITOR – “água de Julho, no rio não faz barulho”. Em frente, companheiros.

(começa a nevar)

JOVEM ESCRITOR – “ano de nevão, ano de pão”

(os nossos três amigos começam a andar, sob um forte nevão. O JOVEM ESCRITOR canta canções de louvor, para animar os seus companheiros).

JOVEM ESCRITOR (olhando para o relógio) – que horas são? 18 horas? Como o tempo passa! Apressemo-nos, queridos irmãos! Meus amigos, vão contando umas histórias para eu apontar no meu bloco de notas!

HOMEM – conhecem a história do Doutor Maçanetas?

(cai mais chuva, neve e granizo mas os nossos amigos continuam a andar, alegres, mas não gracejam. Sorriem, apenas e contam uma ou outra anedota ligeira ou uma chalaça inocente. Afinal, não querem fazer stand up comedy).

quinta-feira, julho 07, 2011

A verdadeira história do Tio Firmino

Nota: este texto, embora foque uma ou outra situação autobiográfica (todos os textos contêm referências autobiográficas), não corresponde, no seu todo, aos pensamentos e vivências do autor.

O autor vive num clima de grande satisfação a nível profissional e aproveita para agradecer a todos os que o ajudaram na sua longa jornada pelos meandros da escrita. É fantástico e gratificante poder publicar um livro.

Criei este personagem mimado e fútil (e suspeito, pouco talentoso) para poder apenas brincar com a imagem do jovem escritor auto-centrado. É claro que a graça aumenta (para mim) se misturar certos aspectos autobiográficos.

E é isso!

Obrigado a todos os leitores e a todos os que me têm acompanhado. As minhas obras pertencem-vos também e adoro-os!

Um Xi-coração do vosso autor!!

E agora segue-se a farsa;

3

2

1

Levanta-se o pano


Personagens:

JOVEM ESCRITOR: Com uma idade de jovem escritor

HOMEM: com uma idade de homem, digamos 50 anos ou 60 anos ou talvez 42 anos

Praça central de uma cidade de província. Tarde de sol. Ao longo da praça estão montados alguns pavilhões, dentro dos quais se encontram várias mesas com livros. No centro da praça há uma mesa rectangular, com uma cadeira, onde está sentado um JOVEM ESCRITOR. Em cima da mesa vemos 10 livros e há um papel, com a inscrição: “SESSÃO DE AUTOGRÁFOS – APRESENTAÇÃO DO LIVRO “AS AMEIXAS DO POLÍCIA” DAS 17 ÀS 18.30”.

JOVEM ESCRITOR (com um ar enfadado e falando entredentes) - e não é que já são 17 e….(olhando para o relógio) 17 horas e 20 minutos e ainda não apareceu uma alminha sequer no centro desta praça empoeirada desta cidade de província. Ah, será que está a decorrer algum importantíssimo desafio de futebol? Será a apresentação oficial do novo equipamento do FC VITÓRIA CLUBE SPORT? Ou haverá alguma coisa mais importante noutro local da cidade? Já sei, foram todos ao Shopping, como se diz por aqui, comprar alguma coisa, talvez haja por lá outra sessão de autógrafos de algum escritor importante, como um futebolista, ou alguma coisa do género. Ou então foram à praia, resolveram passar o fim-de-semana fora, daqui até ao litoral é um pulinho, uma coisa de nada, o quê? Sessenta quilómetros, mais coisa menos coisa, e o pessoal foi todo para a praia apanhar sol, qual crise qual quê, queremos é estar todos divertidos, não é? O que interessa uma sessão de autógrafos de um escritor desconhecido, na praça central da cidade? Por acaso, é uma praça central bem bonita, aquelas árvores ao fundo, aqueles edifícios do estilo gótico, ou será barroco…eu, se morasse aqui, andaria sempre metido nesta praça, se pudesse. E a feira do livro? Tem um aspecto bastante aprazível, quem me dera morar cá, só para ir passear para esta feira do livro tão gira, com estes escritores promessa tão simpáticos, anunciados na nota de rodapé daquela revista que eu só comprei porque aparecia lá a referência ao meu nome. Mas pronto, que horas são? (olha para o relógio) 17 horas e 25 e cinco minutos!? Oh diacho, nesta terra, o tempo não passa, o tempo voa , senhoras e senhores, vejam lá o milagre da passagem do tempo, mas como diz o outro, quando a gente se diverte o tempo passa num esfregar de olhos e eu estou tão divertido a contar as pombinhas a comer o milho ou a olhar para aquela velha estúpida que está à janela daquele terceiro andar a mirar-me…o que é que foi, ó velha? Nunca viste um escritor promessa numa sessão de autógrafos de uma cidade de província vazia porque foi tudo ver a apresentação do novo equipamento do FC VITÓRIA SPORT CLUBE DESPORTIVO DA PUTA QUE O PARIU? Vai morrer longe, ó velha. Não tens dinheiro para me comprar o livro, é? Cortaram-te as pensões da reforma? Não tivesses votado no partido liberal, sim porque eu sei que nesta bela cidade à beira rio plantada, cerca de 60% das pessoas votaram no partido liberal e já se sabe que os velhos têm tendências fascistas, por isso, votaste no partido liberal, por isso agora lixas-te, oh velha, e só podes olhar pela janela e não podes ir aqui à praça central, a esta bela praça central, onde os pombos cantam como rouxinóis ou urinóis, mas não podes ir a esta praça central comprar-me o livro. Não é que isso sirva para alguma coisa, pois deves ser analfabeta, certo? Ou pelo menos meio cegeta e não ias perceber metade disto tudo. Mas também não deve ser o teu estilo, isto é um livro de contos, não é um guia das telenovelas nacionais nem fala do casamento do príncipe das Astúrias do Principado, por isso mais vale manteres-te afastada, a micar-me com o teu rendimento mínimo votado e legalizado nas urnas. E que horas são agora? 17 e 30? Fantástico! Como a gente se diverte por aqui!

(entretanto, aproxima-se uma pessoa do centro da praça. Trata-se de um homem com cerca de 50 anos ou 60 anos ou talvez mesmo 42 anos, aparentemente sem grandes traços distintivos)

JOVEM ESCRITOR – o quê? Será que os meus olhos me enganam? Será uma miragem, provocada por esta vaga de calor? Vejo um vulto a aproximar-se? Haverá vida por aqui? Como é que conseguiu surgir vida num local tão agreste e destituído de interesse? É milagre! Deus! Afinal EXISTES!


(o homem aproxima-se devagar e pára em frente à mesa do jovem. Fica a olhar para o papel e para a capa do livro. Até que começa a falar).

HOMEM – é o primeiro livro?

JOVEM ESCRITOR – perdão?

HOMEM – perguntei se era o primeiro livro que escreve…

JOVEM ESCRITOR – é sim, publiquei-o agora mesmo, saiu há duas semanas…

HOMEM – e já começou a escrever o segundo?

JOVEM ESCRITOR – perdão?

HOMEM – perguntei se já começou a escrever o segundo livro. É importante não parar.

JOVEM ESCRITOR – sabe…agora estou a promover este livro, é um livro de contos chamado…

HOMEM – oh jovem, eu sei o nome do livro, está aí escrito. Perguntei só se já tinha começado a escrever o segundo livro. É importante não parar.

JOVEM ESCRITOR – olhe, as coisas não são assim tão simples. Repare, para começar a escrever um livro, é preciso saber exactamente do que vai tratar.

HOMEM – o importante é não parar.

JOVEM ESCRITOR – certo. Tem toda a razão. É importante não parar, mas no mundo editorial e neste mundo actual em que vivemos, onde somos inundados por informação e por novas edições, não podemos estar sempre a editar livros, há que saber esperar…

HOMEM não podemos esperar, sem continuar a escrever. O importante é não parar.

JOVEM ESCRITOR – e tem toda a razão! Mas já leu o livro?

HOMEM – eu não! Não tenho tempo para essas coisas, tenho a vida muito ocupada.

JOVEM ESCRITOR – tem toda a razão, a vida agora ocupa-nos muito, estes dias com 24 horas são tramados…

HOMEM- pois, mas isso não é desculpa para deixar de escrever. O importante é não parar. Olhe, devia estar a escrever neste momento.

JOVEM ESCRITOR – agora?

HOMEM –sim, agora mesmo, neste preciso instante. O importante é não parar.

JOVEM ESCRITOR – mas neste momento estou a falar consigo.

HOMEM – sim, mas escreva enquanto fale. Aponte ideias.

JOVEM ESCRITOR – quais ideias?

HOMEM – quais ideias? Tudo! Olhe, até pode escrever sobre esta conversa!

JOVEM ESCRITOR – qual conversa?

HOMEM – esta que estamos a ter!

JOVEM ESCRITOR – desculpe estar a perguntar isto, mas qual é o interesse desta conversa?

HOMEM – qual é o interesse? Acha que esta conversa não interessa?

JOVEM ESCRITOR (depois de respirar fundo)– perdão, acho que esta conversa é extremamente interessante e muito rica (pelo menos para mim), mas os leitores querem sempre algum…sei lá…drama, acção, emoção…

HOMEM – sim, percebo…então, quer drama? Olhe aqui para o meu nariz!

(o JOVEM ESCRITOR olha atentamente para o nariz do HOMEM, mas não nota nada de esquisito)

JOVEM ESCRITOR – desculpe, mas não noto nada de…talvez esteja um bocadinho queimado? É isso? Queimou-se no fogão da cozinha? Deixou os bicos ligados? Ou foi num acidente de automóvel? Ia sem o cinto posto e o pneu traseiro esquerdo do automóvel rebentou?

HOMEM – nada disso, rapaz! O meu nariz é torto! Não nota?

(o JOVEM ESCRITOR aproxima-se do nariz do HOMEM e observa-o muito atentamente)

HOMEM – uma narina é um bocado mais aberta que a outra. Isto é porque a cana do nariz está meio torta. Fui uma vez ao médico e ele disse-me que me pode tratar com uma cirurgia. O problema é que a cirurgia é cara e é preciso fazer com anestesia geral. Sabe, eu tenho medo das anestesias gerais, uma vez o meu tio Firmino acordou no meio de uma operação e….

JOVEM ESCRITOR – sim, estou a compreender…mas o que tem o seu nariz a ver com as minhas histórias?

HOMEM – nunca consegui respirar bem. Não entra todo o ar pela narina esquerda. E isso faz-me ficar mais cansado, às vezes fico irritadiço, enfim…é um drama….e depois, fico sempre emocionado quando penso que posso vir a respirar bem, mas…

JOVEM ESCRITOR – sim, estou a perceber e estou a ver que a sua história é bastante dramática, mas não me parece que os leitores queiram saber…

HOMEM – a minha história não é suficientemente interessante? Então fica aqui outra: na aldeia onde nasci havia um homem com uns dedos das mãos muito largos. O resto do corpo era normal, a cara, os braços, mesmo o tamanho da mão. Mas aqueles dedos eram largos, pareciam batatas. Por isso, chamavam-no Doutor Maçanetas. Não sabiam bem porque é que ele tinha os dedos assim, uns diziam que era porque roía as unhas…

JOVEM ESCRITOR – essa história parece ser muito interessante, mas as coisas comigo não funcionam assim, eu escrevo por inspiração, conto o que me vem à cabeça, não tenho um bloco que me diga o que devo dizer nem obedeço a um programa pré-estabelecido….

HOMEM – mas deve apontar o que ouve. Eu nem devia estar a falar consigo. Os escritores são perigosos. Deve estar a apontar mentalmente o que lhe digo e vai meter na próxima história…

JOVEM ESCRITOR – esteja descansado. Eu não meto esta conversa em história nenhuma.

HOMEM – agora devia era escrever um Romance. Uma coisa de vulto.

JOVEM ESCRITOR – estou a pensar nisso. Quero ver se penso num enredo.

HOMEM – pense à vontade. O importante é escrever. Não deve ficar parado.

JOVEM ESCRITOR –esteja descansado.

HOMEM- não quer apontar isso?

JOVEM ESCRITOR- isso o quê?

HOMEM- isso de “o importante é não ficar parado”. Dava uma ideia gira para uma história. Uma pessoa que quer ficar parada e não consegue e vice-versa.

JOVEM ESCRITOR- acho que me consigo lembrar da ideia.

HOMEM – olhe, vou ter de ir andando.

JOVEM ESCRITOR- não me quer comprar um livro?

HOMEM – acha que sim, amigo? Não tenho tempo para essas coisas.

JOVEM ESCRITOR – e a sua mulher, não quererá comprar-me um livro?

HOMEM – acha que sim, amigo? Ela não tem tempo para essas coisas.

JOVEM ESCRITOR – e o seu filho, não quererá comprar-me um livro?

HOMEM – acha que sim, amigo? Ele não tem tempo para essas coisas.

JOVEM ESCRITOR – e a sua filha, não quererá comprar-me um livro?

HOMEM – acha que sim, amigo? Ela não tem tempo para essas coisas.

JOVEM ESCRITOR – e os seus vizinhos, não quererão comprar-me um livro?

HOMEM – acha que sim, amigo? Eles não têm tempo para essas coisas.

JOVEM ESCRITOR – e o seu cão, não quererá comprar-me um livro?

HOMEM – por acaso, o meu cão tem um exemplar do seu livro. Roubou-o da FNAC. Adorou o livro, devorou-o em cinco minutos. O meu caro amigo tem de escrever mais livros, para o meu cão roubar da FNAC. O importante, acima de tudo, é não ficar parado. Continue a escrever, não fique aí sentado, parado. Olhe, até podia fazer uma história sobre uma pessoa que escreve e quer vender os livros e não consegue e…

JOVEM ESCRITOR – estou a perceber, é uma boa ideia…

HOMEM – ou então pode escrever uma história sobre…

JOVEM ESCRITOR – olhe, boa ideia! Vou escrever agora mesmo!

HOMEM – então se vai escrever, deixo-o em paz…

JOVEM ESCRITOR – sim, vá lá à sua vida e obrigadinho!

(o HOMEM afasta-se)

JOVEM ESCRITOR (com um ar enfadado e falando entredentes) – fantástico! Acabei de ter uma aula com um professor de escrita criativa! E foi de graça! Isto há dias de sorte! O professor de escrita criativa quase que me comprava o livro, mas vejam lá! Não tem tempo! Não tem tempo para ler umas míseras 110 páginas com letras grandes e parágrafos de cinco em cinco linhas, para não cansar a vida do distraído leitor! Mas não tem tempo! Vai a correr ver a apresentação do novo equipamento do SPORT CLUBE VITÓRIA ETERNA FC e de caminho vai a um picnic organizado por alguma grande superfície comercial ouvir as músicas do grande cantor romântico do momento! Ele que vá! Eu fico aqui sentado! E que horas são? (olha para o relógio). 18 horas?! Como o tempo voa nesta magnífica cidade de província, local que fervilha de actividade e onde as ideias brotam como cogumelos venenosos! Ah, mas o importante é não ficar parado! Não ficar parado nesta actividade tão solitária como é a da escrita! Eu devia era ter trazido o jornal, a Dica da Semana, ainda não acabei de fazer o sudoku desta semana. E tenho o telemóvel sem bateria, não posso jogar snake, e ainda tenho de ficar mais meia hora, o pessoal da editora disse-me “ficas lá das 17 até às 18 e 30, nós não te podemos acompanhar ao evento, temos de ir à praia ou passear com a família, mas boa sorte, desemedar-te e vende uns livros, estamos a contar contigo com a tua boa disposição com a tua proactividade e com a tua linda cara que te há-de levar tão longe e que é tão boa para meter nas badanas dos livros e naquelas fotos grandes para se meter nas livrarias ao lado do Miguel Sousa Tavares e daquele escritor que agora é secretário de Estado”! É isso, meus irmãos, o importante é não estar parado! Faça-se-lhes a vontade, se é o UNIVERSO que quer que eu escreva!

(muito devagar, e com um gesto solene, mas com um ar meio enfadado, o jovem escritor abre a sua mala de tiracolo e tira de lá um bloco de notas, que tem o título “ideias para contos, etc.”)

JOVEM ESCRITOR – como é que era mesmo a história do DOUTOR MAÇANETAS?