quinta-feira, julho 27, 2006

Juramento sem bandeira

Realizou-se, no passado Sábado, dia 22 de Julho, uma Assembleia Geral na sede da "Ângulo Saxofónico, Lda."
Ao analisar o saldo das contas, verificou-se que as mesmas apresentavam um resultado altamente deficitário. Neste momento, as receitas obtidas através da publicidade não chegam para cobrir as elevadas despesas. Como tal, colocaram-se em cima da mesa várias propostas que pudessem aumentar o lucro e a produtividade da "Ângulo Saxofónico, Lda."
Depois de uma acesa discussão, chegou-se a uma solução de consenso, que aumentará, necessariamente, a nossa actividade literária. Para além disso, os artistas residentes poderão juntar algum dinheiro para jantar fora de vez em quando (e anda por aí um festival de chanfana bastante apetecível) e passar uns bem merecidos dias de férias.
Passaremos, agora em seguida, a explicar, em breves palavras, a nossa resolução:
1- A partir deste momento aceitamos a encomenda de textos. Os interessados poderão enviar para a nossa redacção propostas de temas que queiram ver ser tratados em sede deste blogue.
2- Juntamente com a proposta do tema, os interessados deverão enviar uma proposta monetária, ou seja, devem dizer-nos quanto é que estão dispostos a pagar para que nos debrucemos sobre esses temas.
3- Os temas serão analisados e, caso sejam interessantes (€:), serão objecto do nosso trabalho.

Como tal, com estes objectivos pré-definidos, eliminar-se-á uma certa apatia reinante nesta casa (vulgo, preguiça).
As primeiras encomendas já foram feitas, entretanto.

Se, com esta medida, as receitas não aumentarem, teremos de tomar medidas mais drásticas, para tentar atrair um maior número de leitores. Essas medidas poderão passar pela criação de inquéritos de verão, a publicação de sugestões de livros, filmes e discos para levar para férias ou a criação de contos que versem apenas sobre a temática da praia, do sol, ou das teorias religiosas da conspiração. Faremos ainda um concurso nacional de sudoku.

Uma coisa prometemos: jamais corromperemos os nossos ideais artísticos!

segunda-feira, julho 17, 2006

O Miradouro da Lua

Parece que os meus caros colegas andam com dificuldades em suportar o Verão.
Por cá, os insectos também fazem as suas trajectórias habituais, deambulando por aqui e por ali, num carnaval de movimentos, que eu teimo em seguir.
"Enxota a mosca!", sopram-me aos ouvidos, mas teimo em nada fazer. Embalo-me com a ladainha, sei que nem ela, nem nenhum de nós temos tempo, nem espaço, onde cairmos vivos, como dizia o outro poeta anónimo.
Ao chegar à porta de casa reparei que andavam a tirar impressões digitais aos gafanhotos que passavam. Tentaram meter conversa comigo, mas eu ignorei-os e segui em frente, com um passo rápido. Subi as escadas a toda a velocidade e tranquei-me a oito chaves. Ainda ouvi gritos, lá ao fundo, misturados com várias imprecações pecaminosas. Agora, enquanto apelo aos bons ofícios do meu advogado, tenho de me contentar em ficar com a cabeça debaixo da almofada, para não ouvir aqueles guinchos. Custa-me muito. A respiração não é tão fluente e o pescoço ressente-se igualmente.
E este calor...
Falta-me uma réstia de vento, o tal acorde distante, que me possa trazer de novo o eco da memória do teu corpo, que continua ausente...

domingo, julho 16, 2006

Antologia de Verão - 1

"Que farei quando tudo arde?"

Sá de Miranda

sexta-feira, julho 14, 2006

Summertime

O ar pegajoso. Há que não tocar em nada porque todo o objecto, na sua dilatação, se tornou cortante. Os livros são a excepção: tornam-se moles, esponjosos, nada que ver com o papel submetido ao vento seco e à luz ocre do deserto. Aqui o ar é pegajoso e a luz é branca‑cinza. O eu é o espaço confinado pela pressão deste fluido que afoga – a atmosfera como uma sopa colossal e fermentada. Lá fora só se passeiam as miragens e os besouros. Algures ainda haverá vida que não a das moscas que bóiam em redor do foco e da liquefacção da folha de papel.

terça-feira, julho 11, 2006

Syd Barrett


















Foi hoje divulgada a notícia da morte de Syd Barrett, fundador e primeiro líder e vocalista dos Pink Floyd.
Com eles gravou os singles "Arnold Layne" e "See Emily Play" e o álbum "The Piper at the Gates of Dawn"(1967), antes de ter saído da banda, por "instabilidade mental".
Ainda gravou dois estranhos álbuns a solo, "The Madcap Laughs" (1970) e "Barrett" (1970), antes de abandonar de vez a carreira musical.
Actualmente, dizia-se que se dedicava a cuidar do seu jardim, em Cambridge (onde residia), e a fazer pinturas abstractas. Raramente acabava as pinturas, pois deixava os pincéis no jardim e os fãs levavam-nos para casa, como recordação.
Não dava entrevistas há mais de 30 anos e suspeita-se que sofria de esquizofrenia.
Juntamente com Brian Wilson, Skip Spence ou Roky Erickson, era considerado um dos "excêntricos" do rock (dizendo-o eufemísticamente) e a sua fama, deve-se, em grande parte, a esta faceta.
Apesar disso, o primeiro álbum dos Pink Floyd é ainda considerado um dos melhores discos dos anos 60 e para muitos fãs, o melhor da banda.

quinta-feira, julho 06, 2006

O 5º Império

terça-feira, julho 04, 2006

Subitamente, no Sábado Passado

Estranhas coisas se passaram no Sábado passado, dia 1 de Julho, à tarde, enquanto estava no meu quarto, a ler um livro. Seriam talvez umas 19 horas, não sei bem precisar, quando ouvi fortes ruídos, tumultos vindos da rua. Saí rapidamente de casa, com medo de se tratar de um terramoto de que não me tivesse dado conta, de um incêndio ou de uma qualquer outra catástrofe, talvez até de uma Revolução.
Na rua, vi uma enorme concentração de pessoas gritando palavras de ordem que não compreendi. Apareciam automóveis vindos de todos os lados. Os ocupantes gritavam e tinham bandeiras coloridas nas mãos. Vi logo que não estava perante um desastre, estavam todos felizes e abraçavam-se. Sem conseguir conter a curiosidade, perguntei a um transeunte o que se passava. Olhou-me com um ar atónito, quase ofendido. Perguntei a mais outro e a outro ainda, mas não obtive resposta. Resolvi voltar para casa, já não me sentia seguro no meio daquela gente. Ainda olhei para trás, mais uma vez, e vi que se dirigiam todos para o centro da cidade, como se obedecessem a um telecomando.
À porta do meu prédio também se acumulavam pessoas de toda a espécie. Evitei-os, sem mais delongas.
Tranquei-me em casa, apreensivo. Tentei ligar aos meus amigos e familiares, mas as redes telefónicas estavam todas ocupadas.
Pensei tratar-se de uma obscura conspiração da qual eu não fazia parte. Uma festa para a qual não tinha sido convidado.
Olhei pela janela, lá para fora. "Hoje, ainda é capaz de chover".

segunda-feira, julho 03, 2006

Pais e Filhos

"Os PENSAMENTOS De Um VELHO ARTISTA"

«Envelheceu o escritor. Tem oitenta anos. Está atordoado pela glória das suas obras em prosa e dos seus poemas, e pela velhice. A sua muita confiança interior e a aprovação das pessoas contribuem para embotar-lhe o juízo. Mas não o embotam inteiramente. Observa que sob a admiração oficial de muitos, existe uma leve frieza de poucos. As suas obras não são tão admiradas por alguns dos jovens. A escola deles não é a sua escola, e o estilo deles não é o seu estilo. Pensam e sobretudo escrevem de modo diferente. O velho artista lê e estuda conscienciosamente as obras deles e acha-as abaixo das suas, e considera a nova escola inferior, pelo menos não superior, à sua. Julga que se quisesse, poderia escrever desse modo. Mas, por certo, não imediatamente. Precisaria de 8, 10 anos para entrar no espírito do novo estilo - e agora aproxima-se o tempo de morrer.
Há momentos em que despreza as novidades. Que importância têm? Um pequeno número de jovens que não gosta tanto dele! São, porém, milhões os que o admiram. Mas sente que diz sofismas a si próprio. Ele também começara dessa maneira. Era um desses mais ou menos cinquenta jovens que fizeram nova escola, escreveram num estilo diferente e mudaram a opinião de milhões que honravam alguns dos antepassados e alguns velhos artistas. Os últimos facilitaram muito a vitória dele com a sua morte. Disso deduz o velho escritor que é coisa vã fazer arte com as suas vogas que mudam frequentemente. Por certo também a obra destes jovens será provisória como a sua - mas isso não o consola.
Na evolução dos seus pensamentos e elucubrações, observa com amargura que o Entusiasmo e o Poético de cada escritor, quando envelhecem 40 ou 50 anos, começam a parecer bizarros e ridículos. Talvez - isto é uma esperança - deixem de ser bizarros ou ridículos quando envelhecem 150 ou 200 anos - quando, em vez de serem démodés, são antigos.
E também dele se apodera alguma dúvida sobre o valor absoluto ou abstracto de muitas das suas críticas. Aqueles escritores que criticava quando era jovem e a quem substituiu, talvez os criticasse porque não os entendia - não por falta de génio, mas provavelmente porque a força do entendimento se corrompe pelas conjunturas de uma época ou se calhar pelas vogas. O exterior da sua crítica era em tudo parecido com a crítica que lhe fazem os jovens de hoje. Não mudou de opinião - pelo menos na maioria dos casos. A maior parte daqueles velhos artistas critica-a hoje como há 60 anos. Mas isso por certo não é grande prova de que a crítica que lhes faz seja correcta. É prova de que, psiquicamente, é o mesmo jovem de então.»

Konstandinos Kavafis
(escrito ainda a meio da sua vida)