sexta-feira, novembro 30, 2007

Léon Bloy disse que o mundo acabaria num dilúvio de testemunhos. É mentira: o mundo acabará num dilúvio de currículos.

quinta-feira, novembro 29, 2007

Simplício sabe tudo acerca de uma coisa. A sua textura, o seu cheiro, a sua densidade, o seu peso, a sua massa, a sua capacidade térmica mássica, o seu eixo transversal que a sustenta no eixo relativo da suspensão retrovertida, a sua inversão plenipotenciária fálica, a sua espessura bidimensional vítrica, a sua acidez flácido amniótica, o seu pre-esforço reforçado ínfimo, a sua hipertrofia globular-crepuscular, a sua kilometria vazo-lombar, a sua limperoptomia goziláfica, o seu plítio-célio laminar ventro-lateral, o seu purincêndio amilar, a sua flatulência verbalizante disforme, a sua rigidez clorocintilante, os seus factores de depressão manutensíveis, a sua magnitudinária solíase linfítica, o seu centramento grude-lipídico. Mas não sabe nada acerca da sua falsa vontade, da sua incerteza quanto ao desejo de se revelar, da sua permeabilidade quanto ao estar no mundo aqui e agora, da sua falta de tacto quando alguém aparece a dizer “hoje não há caracóis”, da sua completa inanidade face à repressão, do seu aspecto rochoso se uma procissão passa em direcção a um lado qualquer, da sua auto-repressão inexplicável, do seu tremendo olhar quando um inspector qualquer ordena a um qualquer técnico que lhe crave bem fundo, se necessário até ao coração, uma agulha que lhe sugue tudo, mas mesmo tudo, o que há lá dentro para sugar.

terça-feira, novembro 27, 2007

sexta-feira, novembro 23, 2007

alguém atirou um cão morto às profundezas

I

Malcolm
Lowry: vivo
mal como Lowry,
bebo
bem como Mal-
colm, como
mal como
Malcolm
come:
álcool
Malcolm, al
coolm,
ó
alcolmalcolm

(Carlos de Oliveira, "Debaixo do vulcão")

Pierrot & Colombine revisited

Rio-me a bandeiras despregadas, riso de um deus ou de um animal. Pelo menos não há sangue, foi uma coisa limpa. Não me lembro de rir assim desde que acabou aquela série de comédia na televisão, que eu via quando era miúda. Agora a televisão mostra o vídeo do nosso casamento, os dois a rirmo-nos sem parar, como desde que nos tínhamos conhecido. O Pedro sempre gostou das minhas piadas e dava gargalhadas estrondosas até perder a voz. Mas eu nunca tinha contado tantas piadas e feito tantas cócegas como hoje. Quando lhe fazia cócegas tinha espasmos hilariantes que lhe faziam perder seriamente o fôlego. Um dia disse-lhe que o nosso casamento era uma grande palhaçada e ele riu-se, como sempre. Quando passou a rir-se menos, comecei a desconfiar de alguma coisa, mas foi só quando o ouvi rir ao telefone é que tive a confirmação. Ele dizia que se tinha de controlar por medo de morrer a rir, como naquele sketch da série de televisão. Os risos a tornarem-se urros a tornarem-se gritos de sufoco só me deram ainda mais vontade de rir. O corpo gordo ali, inerte, com um sorriso idiota. E eu a rir‑me a bandeiras despregadas. Continuei a contar piadas, talvez por compensação. Foi por acaso que encontrei aquele bilhete sem graça no bolso do seu casaco. Hoje não consegui parar com as piadas e com as cócegas. Mais, mais e mais. Admito que me tenha traído, mas não que risse de piadas de mau gosto. Quando descobri que ele também tinha visto aquela série, ainda pensei que tudo estava salvo.

domingo, novembro 18, 2007

Um gostinho especial

Algazel: E se eu não tivesse gostos, H.G.?

Homem-Gargalhada: O que é que queres dizer com isso?

A: Quero dizer que os gostos só podem ter duas origens, que ainda assim se resumem a uma só. Os gostos por imposição materna, ou seja, o gosto que bebes no leite materno, tudo aquilo que te alimenta sem que tu ainda sejas consciente do que te alimenta; e os outros, aqueles para que te inclinas quando passas a ser tu o senhor da tua boca. Duvido é que seja possível separar estas duas fases do gosto.

H.-G.: Ah, já estou a perceber...

A.: Quanto ao primeiro caso, a única coisa a fazer quando não se gosta do que vem no leite materno é chorar, berrar, espernear, e rejeitar assim o que te metem pela goela abaixo quando ainda és suficientemente inerme para reagires com a violência devida à recusa total. O segundo caso, o caso dos gostos que vêm com a tua plena decisão, bem, nesse caso a única coisa que me parece real é a reacção àquilo que tu já és e não tiveste coragem de abandonar. Como se não tivesses fugido de casa na altura certa e depois andasses a espiar esse pecado o resto da tua vida...

H.-G.: Sempre tão radical, Algazel. Mas não compreendi muito bem. E comigo não precisas de usar esses rodeios da linguagem, sê directo e diz-me o que queres dizer.

A.: Apanhaste-me. É verdade que abomino o que permiti que me enfiassem pela goela, e por mais que eu fuja, é sempre o sabor pútrido, o fedor da comida dos meus primeiros anos que me vem à garganta quando menos estou a contar com ele. Por mais que faça curas milagrosas no deserto ou jejuns dignos de artista da fome, sei que nunca sairei deste mundo tão puro como deveria. Isso é triste, pelo menos para mim.

H.-G.: Não é nada triste, é preciso comer um pouco de tudo para saber o sabor do mundo.

A.: Isso é verdade quando quase não se morreu por intoxicação alimentar em algum momento.

quinta-feira, novembro 15, 2007

Bolsa: índice PSI20 abriu sessão no vermelho-papoila

O mercado de acções da Euronext Lisboa abriu a sessão de hoje em baixa, enquanto o resto da Europa financeira iniciou o dia sem direcção definida.

O principal índice da bolsa portuguesa, o PSI20, negociava a recuar meio por cento às 08h58, penalizada sobretudo pelas quebras de títulos como Portugal Telecom, BCP e Galp Energia. Do lado contrário, apenas a Semana, a EDP e o BPI apresentavam valorizações, entre os 1,6 por cento da cimenteira e os 0,2 por cento tanto da eléctrica como do banco que propôs a fusão ao BCP.

Num comunicado chegado há momentos à agência Lusa, o Homem-Gargalhada veio manifestar o seu profundo descontentamento face a esta situação embaraçosa. "Isto tem que acabar. Não abrem mais a bolsa no vermelho-papoila sem me aviasarem antes", foram as palavras mais contundentes do texto.
Aguardam-se reacções de outros quadrantes para breve.

Cortesia, www.publico.pt

quarta-feira, novembro 14, 2007

O Ângulo Sugere: Discos

A famosa e conceituada editora discográfica alemã D.M.G (Das Mann Gelachter) vai lançar finalmente, no próximo dia 25 do corrente mês, o muito aguardado álbum de estreia das jovens esperanças brasileiras, "Os Patafóricos Paralógicos". Quem já ouviu, diz que é uma mistura de CSS, Mutantes, MC Gargalhada e Arenques Perfumados. As suas letras, cantadas em várias línguas, desde o inglês, português, até ao esperanto, mandarim e gargalhadês, já dão que falar e prometem causar alguma polémica.
Para antecipar o lançamento do disco, mostramos aqui a letra do primeiro single do disco, "The Hand", uma honesta e madura reflexão sobre o tema tabu da masturbação masculina.
Se quiserem o álbum, mandem para o blog um preço de licitação que considerem justo (até poderão levar o álbum de borla). Aproveitem!

The Hand

This is the hand
Beautiful friend
This is the hand
My only friend, the hand
Of our elaborate plans, the hand
Of everything that stands, the hand
No safety or surprise, the hand
I'll never look into another eyes...again

Can you picture what will be
So limitless and free
Without desperately needing
Someone's mammary gland
In a...desperate land?

C'mon, take a chance with me
And meet me at the back of the bus, at around 3
You'll ride the snake
The snake is long and it's skin is cold

This is the hand, beautiful friend
This is the hand, my only friend, the hand
It hurts to set you free
But you'll never follow me
I'll keep the hand
Of laughter and soft lies
The hand of nights we tried to die
Ooooooh......this is the....hand.....

terça-feira, novembro 13, 2007

E se o rato perdesse o medo do gato?

Na semana passada uma universidade dos Estados Unidos tinha apresentado uns super-ratos, capazes de correr sem parar durante seis horas. Agora, cientistas japoneses anunciaram a criação de ratos destemidos, capazes de se aproximar sem medo no seu inimigo histórico: o gato.

O estudo foi desenvolvido na Universidade de Tóquio e publicado na revista científica “Nature”. Segundo os cientistas, ao mexerem num determinado gene dos roedores, conseguiram remover de forma selectiva determinadas células do seu sistema olfactivo, muito importantes para os impulsos nervosos que os ratos recebem através da cavidade nasal.
Desta forma, os ratos vão perder a capacidade de associar o cheiro do gato ao medo inato de um predador. “O sistema olfactivo dos mamíferos mede várias respostas, incluindo a aversão a alimentos estragados e o reconhecimento de predadores através do cheiro”, explicou Hitoshi Sakano, coordenador do estudo.
O investigador explicou, ainda, que os ratos mutantes e destemidos mostraram ter dois sistemas nervosos independentes no seu sistema olfactivo, um natural e outro apreendido ao longo do tempo. Por isso, ainda que não detectando a sua presença pelo cheiro, os ratos poderão com a experiência aprender que o gato talvez não seja o seu melhor amigo.
No entanto, como medida de precaução, os gatos usados na experiência foram alimentados antes do encontro. “Não podíamos perder cobaias tão valiosas”, explicou Sakano. E, acrescentou: “A pesquisa é muito importante uma vez que pode, no futuro, permitir anular a aversão natural que os mamíferos, incluindo o homem, têm a certos odores”.
Com esta descoberta, num futuro não muito longínquo, talvez seja possível ver alguém a passear um gato e um rato de trela na rua, quem sabe acompanhados por um cão geneticamente modificado. Para isso falta ainda explicar ao inimigo gato que o rato não é uma refeição. Se tudo isto se tornar realidade como explicaremos às gerações futuras desenhos animados como os dos rivais Tom & Jerry?

Cortesia, www.publico.pt

Afinal as lagostas sentem dor

Este artigo é dedicado àqueles que salivam ao pensar numa lagosta suada. Afinal as lagostas também sentem dor, ao contrário do que uma equipa norueguesa tinha sugerido num estudo publicado há dois anos.

Parece um asunto meramente do foro culinário, mas a questão da sensibilidade das lagostas à dor tem ocupado muitas equipas científicas ao longo dos tempos.
Agora, uma equipa da Queen's University, em Belfast, Irlanda, decidiu também tentar encontrar a resposta à questão. Decidiu torturar 144 lagostas, colocando uma gotinhas de ácido acético (uma espécie de ácido fraco com cheiro a vinagre) nas suas antenas. Imediatamente os bichos agitavam e esfregavam a antena afectada, deixando as outras paradas.
Robert Elwood, responsável pela equipa, conclui que qualquer ser vivo é sensível à dor, ou pelo menos a uma experiência mais traumática, algo essencial para a evitar e para conseguir, no fundo, sobreviver.
O estudo da equipa de Belfast fará decerto as delícias dos defensores dos direitos dos animais, que há muito se batem contra a tortura da lagosta viva mergulhada em água a ferver.
Mas a discussão sobre a sensibilidade dos não-vertebrados, e se estes terão um sistema nervoso suficientemente desenvolvido para ter dor, estará longe do ponto final. O diário britânico "Guardian" lembra um estudo da Universidade de Liverpool, de uma equipa que estudava a dor em peixes, que concluiu que os camarões, por exemplo, não têm sequer um cérebro reconhecível como tal. Mas a equipa de Belfast responde: "Lá porque os caranguejos não têm a arquitectura dos centros da visão igual à dos humanos não quer dizer que não vejam. O que conta é saber se os invertebrados têm uma arquitectura neurológica que lhes permita sentir dor."

Cortesia, www.publico.pt

domingo, novembro 11, 2007

La clôture de la représentation

Eu gostava de pronunciar as palavras. Sílaba a sílaba. Letra a letra. Na ponta da língua, entre os dentes. C-A-M-A e aí estava eu com as pálpebras a fecharem-se. Quando pronunciava G-A-T-O, aí estava ele, ao meu colo, receptivo mas só até mais ver. E-d-e-s-ú-b-i-t-o-u-m-c-o-r-p-o e vinha a alvorada e todo a desmesura da matéria nas minhas mãos. Agora falta-me sempre uma sílaba e as palavras martelam o tímpano mas ficam presas no ouvido interno. Distribuo-as em planos de duas dimensões e aponto as coordenadas. Sem corpo e sem profundidade, o sentido ecoa até ao fim dos tempos.

domingo, novembro 04, 2007

B.I.

soy un poeta de primera,
que vive en un país de segunda,
del tercer mundo.
pero ustedes no se preocupen
que tengo toda mi tristeza
guardada en un lugar seguro.

Juan Rulfuidobro

sexta-feira, novembro 02, 2007

Antes de entrar em tua casa vou bater-te à janela. Vais ver-me à janela. Depois entro em tua casa e vais ver que sou eu. Depois entro em ti e ninguém, além de ti, me verá ou reconhecerá.
Vais ver-me à janela.
Vais ver-me à porta.

Daniil Harms